Foi em 2012. José Policarpo, então cardeal-patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, dizia que as manifestações contra as políticas de austeridade impostas pelo programa de ajustamento representavam "corrosão da harmonia democrática" e defendia que não deve ser a rua a determinar como se deve governar.
Os anos passaram, quase quatro, e a Igreja parece pensar de maneira diferente.
Ontem, a Igreja juntou-se à rua e os bispos portugueses apoiaram pública e explicitamente a manifestação dos colégios particulares e deram caução à narrativa de que a decisão de cortar nos contratos de associação, supletivos por definição, é uma ameaça à liberdade de escolha.
A esta posição do clero não é seguramente alheio o facto de algumas destas escolas privadas serem propriedade da Igreja Católica. Ou seja, em verdade vos digo que há aqui dois pesos e duas medidas. Isto é, enquanto o desemprego crescia e as empresas faliam, a Igreja, em vez de se juntar ao povo, rezava pelos desgraçados e fazia caridade.
Mas quando as opções políticas atingem os seus interesses particulares, aí a oração não basta.
No mar amarelo que desaguou junto ao Parlamento ouviram-se coisas como "pago impostos, tenho direito a escolher a escola e o sistema de ensino". Nada mais falso. Os impostos que todos pagamos servem, entre outras coisas, para financiar pilares fundamentais do Estado e da democracia, consagrados aliás na Constituição, como são um ensino público e um Serviço Nacional de Saúde que tratem todos por igual e que não deixem ninguém pelo caminho. Ou seja, ao contrário do que se apregoa, a liberdade de escolha é inatacável e não está ameaçada. Quem quiser ter os filhos numa escola pública e gratuita, faça o favor. Quem preferir o ensino particular, é livre de o fazer desde que pague. O que não tem qualquer sentido é pretender que seja o Estado a financiar a iniciativa privada, sobretudo quando a oferta pública existe e tem qualidade. Confundir deliberadamente isto com liberdade de escolha é misturar a estrada da Beira com a beira da estrada. E, já agora, a preocupação de todos, da esquerda à direita, deveria ser a defesa de um ensino público de qualidade, ponto. Mas como ontem também ouvimos na Rua de São Bento, isso é coisa dos malandros CGTP. Em matéria de sectarismo estamos, pois, conversados.
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