Guiné 63/74 - P6843: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (5): Júlio Pereira, preso, torturado e morto na prisão pela PIDE, suspeito de estar por detrás dos graves acontecimentos de Farim, em 1/11/1965
Continuação da publicação das memórias de Cadogo Pai (*)... O documento, de 26 páginas, que me chegou às mãos, tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.
II Parte > Excertos (pp. 5-8)
Instalado em Bissau, a partir de Novembro de 1960, com o desenvolvimento da minha vida empresarial, os contactos alargaram-se. Festas conjuntas em casa do amigo João Vaz [, alfaiate,], ou na minha, a acolhermos os estudantes vindos de férias, e a envolvermos os amigos – além do João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Pereira, Júlio Pereira, Duarte Vieira e o Dr. Maurício Dias (de visita frequente a Bissau).
Estes contactos foram avolumando suspeitas, porque a repressão colonial era tal que tudo, para eles, era motivo de suspeitas.
7. Não descuidávamos o apoio aos que partiam para a luta. Lembro-me de Armando Faria, Dr. Venâncio, Fidelis Cabral de Almada, Hugo Borges, etc. Organizávamos quotizações para um jantar, bailes, caso do Dr. Fidelis, até uma ajuda pecuniária. Foi ali que descobri a acção do Dr. Severino Gomes de Pina. Era secretário da Câmara [e advogado].
Na recolha de contribuições para um jantar, Elisée Turpin aconselhou-me a irmos pedir ao Dr. Pina. Fomos à Câmara. Estava a falar com o funcionário europeu, de nome Ventura, pai do conhecido Abel Ventura. Não hesitámos, dirigímo-nos a ele e pedimos a sua contribuição. De modo contrariado, ripostou-nos o Dr. Severino Gomes de Pina, com a recusa, o que me deixou contrariado. Mas no mesmo dia e noite, procurou-nos para pedir desculpas e para a dar a contribuição. O Elisée recebeu mas eu mantive-me zangado, afastei-me deles.
9. Em 1964, requeri terreno onde se encontram as minhas actuais instalações e iniciei as obras. Então o número de contactos aumentou. Concentrávamo-nos frente às minhas obras, com o perigo a aumentar passamos a organizar jantares e mais festas. O grupo engrossou, com Júlio Pereira (que vinha de Farim), Armando Lobo de Pina, Domingos Maria Deybs, João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Ferreira, Duarte Vieira, Aguinaldo Paquete, eu, Carlos Domingos Gomes, etc.
Estes encontros organizavam-se sempre que o Júlio Pereira vinha de Farim para nos trazer as notícias da evolução da luta, que já estava muito avançada. Tudo estava sob perigo, sob vigilância da PIDE.
10. Havia muita dificuldade da população em se abastecer de arroz. Organizei o apoio de abastecimento em arroz, e praticamente em tudo o que era alimentação. As pessoas passaram a vir dormir ao pé das minhas instalações. Destaco nesse empreendimento o apoio de Cipriano Correia Dias, que era alto funcionário da Economia e responsável da distribuição das requisições. Protegeu-me sempre a iniciativa, que reforçava com os que conseguiam requisições e não conseguiam fundos para o levantamento de arroz. Vendiam-se as requisições a troco de algum lucro.
"Depressa a fama da distribuiçãio de arroz galgou notícia por todo o país e eram centenas as pessoas que vinham dormir para serem as primeiras a ser atendidas.
11. Como uma bomba soou-nos a notícia da prisão de Júlio Pereira em Farim, na sequência de uma granda atirada a um ajuntamenmto numa festa de tambor em Farim (**). Foi sovado que nem um animal e obrigado numa cela a lutar com um companheiro até à morte.
12. Eu era vereador da Câmara Municipal de Bissau, com o velho companheiro Benjamim Correio, Dr. Armando Pereira e Lauride Bela. Ninguém me fazia acreditar que seria preso, dada a forma isolada como actuava durante a distribuição de arroz. Atendia tudo e todos, até às pessoas que desmaiavam oferecia arroz, punha no meu carro e levava-as a suas casas, mas sempre de cara amarada (sic), porque sabia que a minha actividade estava sendo vigiada.
[ Revisão / fixação de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores desta série:
30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)
(...) Em 1946, aos 17 anos (nasceu portanto em 1929), o autor era “paquete de escritório da família Barbosa, junto do Grande Hotel”. Ganhava 120 escudos de salário mensal. Essa família Barbosa incluía Antoninho Barbosa e César Barbosa, tios do Caló Capé.
Achando que não era lugar de (ou com) futuro, candidatou-se a (e ganhou) o lugar de auxiliar de escriturário numa firma francesa, SCOA – Sociedade Comercial do Oeste Africano (proprietária do edifício onde está hoje a Pensão Berta), com várias lojas pela Guiné (Bissau, Bolama, Bissorã…). (...)
2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50
(...) Na pág. 5, Parte I, o autor refere o nome de diversas personalidades que, ainda antes da chegada de Amílcar Cabral, foram influentes na vida pública, social, cívica e cultural, da cidade de Bissau, devendo ser tidas em conta no estudo da génese do nacionalismo guineense... Entre esses nomes (vd. recorte acima, ponto 13), o autor cita os dos pais do nosso amigo Pepito, o Dr. Artur Augusto Silva [, 1912-1983, ] "advogado, defensor dos arguidos políticos", e a Dra. Clara Schwarz da Silva, "esposa do Dr. Artur Silva, mãe dos estudantes", professora do Liceu Honório Barreto, e hoje membro da nossa Tabanca Grande, com a notável idade de... 95 anos, feitos em Fevereiro passado! (...)
5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955
(...) "17. Foi a fase em que surgiu Amílcar Cabral, [em 1952, o qual ] jogou um papel importante, inteligente, em que organizou a sociedade, fazendo serenar os ânimos [exaltados devidos às ] rivalidades, e levando os adeptos a uma camaradagem que se impunha, e a um convívio em paz. E unidos, no sentido de organizar o combate ao único inimigo da Pátria, o nefasto colonialismo. (...)"
8 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista
(...) "1. Casei-me a 8 de Setembro de 1956, viajei para Dakar, a 12 de Setembro de 1956, de ambulância, de Lulula para Zinguinchor. Era condutor um amigo e colega de infância José Bapote, que ainda vive. De Zinguinchor segui para Dakar, onde passei um mês na companhia da esposa e do Djack, Jacinto Gomes, meu sobrinho que eduquei desde os dois anos e meio, após a morte da mãe.(...)
(**) Vd. postes de:
4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5211: Efemérides (32): 1 de Novembro de 1965 – Relatório Oficial da Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)
3 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5203: Efemérides (26): 1 de Novembro de 1965 - Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)
(...) No passado dia 1 completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.
Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morcunda.
Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.
27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora actualmente em Farim e, em Março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias. (...)
18 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2060: Bibliografia de uma guerra (14) : o testemunho de Pedro Pinto Pereira. Memórias do Colonialismo e da Guerra (Dalila C. Mateus)/vb
II Parte > Excertos (pp. 5-8)
Instalado em Bissau, a partir de Novembro de 1960, com o desenvolvimento da minha vida empresarial, os contactos alargaram-se. Festas conjuntas em casa do amigo João Vaz [, alfaiate,], ou na minha, a acolhermos os estudantes vindos de férias, e a envolvermos os amigos – além do João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Pereira, Júlio Pereira, Duarte Vieira e o Dr. Maurício Dias (de visita frequente a Bissau).
Estes contactos foram avolumando suspeitas, porque a repressão colonial era tal que tudo, para eles, era motivo de suspeitas.
7. Não descuidávamos o apoio aos que partiam para a luta. Lembro-me de Armando Faria, Dr. Venâncio, Fidelis Cabral de Almada, Hugo Borges, etc. Organizávamos quotizações para um jantar, bailes, caso do Dr. Fidelis, até uma ajuda pecuniária. Foi ali que descobri a acção do Dr. Severino Gomes de Pina. Era secretário da Câmara [e advogado].
Na recolha de contribuições para um jantar, Elisée Turpin aconselhou-me a irmos pedir ao Dr. Pina. Fomos à Câmara. Estava a falar com o funcionário europeu, de nome Ventura, pai do conhecido Abel Ventura. Não hesitámos, dirigímo-nos a ele e pedimos a sua contribuição. De modo contrariado, ripostou-nos o Dr. Severino Gomes de Pina, com a recusa, o que me deixou contrariado. Mas no mesmo dia e noite, procurou-nos para pedir desculpas e para a dar a contribuição. O Elisée recebeu mas eu mantive-me zangado, afastei-me deles.
9. Em 1964, requeri terreno onde se encontram as minhas actuais instalações e iniciei as obras. Então o número de contactos aumentou. Concentrávamo-nos frente às minhas obras, com o perigo a aumentar passamos a organizar jantares e mais festas. O grupo engrossou, com Júlio Pereira (que vinha de Farim), Armando Lobo de Pina, Domingos Maria Deybs, João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Ferreira, Duarte Vieira, Aguinaldo Paquete, eu, Carlos Domingos Gomes, etc.
Estes encontros organizavam-se sempre que o Júlio Pereira vinha de Farim para nos trazer as notícias da evolução da luta, que já estava muito avançada. Tudo estava sob perigo, sob vigilância da PIDE.
10. Havia muita dificuldade da população em se abastecer de arroz. Organizei o apoio de abastecimento em arroz, e praticamente em tudo o que era alimentação. As pessoas passaram a vir dormir ao pé das minhas instalações. Destaco nesse empreendimento o apoio de Cipriano Correia Dias, que era alto funcionário da Economia e responsável da distribuição das requisições. Protegeu-me sempre a iniciativa, que reforçava com os que conseguiam requisições e não conseguiam fundos para o levantamento de arroz. Vendiam-se as requisições a troco de algum lucro.
"Depressa a fama da distribuiçãio de arroz galgou notícia por todo o país e eram centenas as pessoas que vinham dormir para serem as primeiras a ser atendidas.
11. Como uma bomba soou-nos a notícia da prisão de Júlio Pereira em Farim, na sequência de uma granda atirada a um ajuntamenmto numa festa de tambor em Farim (**). Foi sovado que nem um animal e obrigado numa cela a lutar com um companheiro até à morte.
12. Eu era vereador da Câmara Municipal de Bissau, com o velho companheiro Benjamim Correio, Dr. Armando Pereira e Lauride Bela. Ninguém me fazia acreditar que seria preso, dada a forma isolada como actuava durante a distribuição de arroz. Atendia tudo e todos, até às pessoas que desmaiavam oferecia arroz, punha no meu carro e levava-as a suas casas, mas sempre de cara amarada (sic), porque sabia que a minha actividade estava sendo vigiada.
(Continua)
[ Revisão / fixação de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores desta série:
30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)
(...) Em 1946, aos 17 anos (nasceu portanto em 1929), o autor era “paquete de escritório da família Barbosa, junto do Grande Hotel”. Ganhava 120 escudos de salário mensal. Essa família Barbosa incluía Antoninho Barbosa e César Barbosa, tios do Caló Capé.
Achando que não era lugar de (ou com) futuro, candidatou-se a (e ganhou) o lugar de auxiliar de escriturário numa firma francesa, SCOA – Sociedade Comercial do Oeste Africano (proprietária do edifício onde está hoje a Pensão Berta), com várias lojas pela Guiné (Bissau, Bolama, Bissorã…). (...)
2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50
(...) Na pág. 5, Parte I, o autor refere o nome de diversas personalidades que, ainda antes da chegada de Amílcar Cabral, foram influentes na vida pública, social, cívica e cultural, da cidade de Bissau, devendo ser tidas em conta no estudo da génese do nacionalismo guineense... Entre esses nomes (vd. recorte acima, ponto 13), o autor cita os dos pais do nosso amigo Pepito, o Dr. Artur Augusto Silva [, 1912-1983, ] "advogado, defensor dos arguidos políticos", e a Dra. Clara Schwarz da Silva, "esposa do Dr. Artur Silva, mãe dos estudantes", professora do Liceu Honório Barreto, e hoje membro da nossa Tabanca Grande, com a notável idade de... 95 anos, feitos em Fevereiro passado! (...)
5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955
(...) "17. Foi a fase em que surgiu Amílcar Cabral, [em 1952, o qual ] jogou um papel importante, inteligente, em que organizou a sociedade, fazendo serenar os ânimos [exaltados devidos às ] rivalidades, e levando os adeptos a uma camaradagem que se impunha, e a um convívio em paz. E unidos, no sentido de organizar o combate ao único inimigo da Pátria, o nefasto colonialismo. (...)"
8 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista
(...) "1. Casei-me a 8 de Setembro de 1956, viajei para Dakar, a 12 de Setembro de 1956, de ambulância, de Lulula para Zinguinchor. Era condutor um amigo e colega de infância José Bapote, que ainda vive. De Zinguinchor segui para Dakar, onde passei um mês na companhia da esposa e do Djack, Jacinto Gomes, meu sobrinho que eduquei desde os dois anos e meio, após a morte da mãe.(...)
(**) Vd. postes de:
4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5211: Efemérides (32): 1 de Novembro de 1965 – Relatório Oficial da Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)
3 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5203: Efemérides (26): 1 de Novembro de 1965 - Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)
(...) No passado dia 1 completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.
Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morcunda.
Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.
27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora actualmente em Farim e, em Março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias. (...)
18 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2060: Bibliografia de uma guerra (14) : o testemunho de Pedro Pinto Pereira. Memórias do Colonialismo e da Guerra (Dalila C. Mateus)/vb
blogueforanadaevaotres.blogspot.pt
CRIMINOSOS DE GUERRA SIM OU NÃO >!?
Data de nascimento : 10 de Junho de 1935
Naturalidade : Lisboa, Portugal
Naturalidade : Lisboa, Portugal
Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso
Sub-Inspector da PIDE/DGS (1965-1974), organizador dos “Flechas”
Sub-Inspector da PIDE/DGS (1965-1974), organizador dos “Flechas”
Pertenci à Mocidade Portuguesa, ingressei nesta organização de juventude quando era aluno do Colégio Moderno. Ingressei na Legião Portuguesa quando frequentava o Instituto de Estudos Ultramarinos. Tive que interromper os estudos para prestar serviço
militar na Índia Portuguesa, em 1959/60.
Pertenci depois à GNR, até 1965, altura em que ingressei na PIDE.
Em 1966, fui para Angola. Em Serpa Pinto, criei os Flechas inspirado nas obras de Jean Larteguy; Spencer Chapman, “The jungle is neutral”; Lawrence da Arábia, “The seven pilars of wisdom”; Mao Tse Tung, “A guerra revolucionária”; Sun Tze, “ A arte da guerra”.
Em 1968, foi-me atribuído o Prémio Governador-Geral de Angola.
Estive em Moçambique em 1971 e 1972. Em 1973, em Carmona.
Quando regressei a Lisboa, em fins de 1973, com o posto de inspector-adjunto, fui colocado na Direcção dos Serviços de Informação, coordenando a informação em Angola e Moçambique.
Aquando do 25 de Abril, fui preso e permaneci detido em Caxias, Peniche e Alcoentre durante dois anos.
Após ter sido libertado, fui para a Rodésia onde trabalhei na formação dos Sealous Scouts, uma versão rodesiana dos Flechas e no CIO (Central Inteligence Organisation).
Em 1977, fui para a África do Sul, onde servi nas forças armadas, força aérea, saindo com o posto de coronel.
Também trabalhei nos Serviços de Inteligência Militar do Exército sul-africano.
Desempenhei funções como chefe de segurança VIP.
Em 1991, regressei a Portugal.
Em 1992, foi-me atribuída uma pensão vitalícia por serviços relevantes prestados à Pátria. Essa pensão foi-me suspensa recentemente.
1. Em Angola, comecei por chefiar os Serviços Reservados, em Luanda. Era um trabalho no âmbito da segurança interna. Eram coisas do género: se um indivíduo pretendia tirar uma licença de uso e porte de arma, procurava saber-se se tinha antecedentes criminais.
Depois, passei para a secção de contra-espionagem, um serviço que designávamos por GAB. Aí tinha contacto com informadores estrangeiros e com informação realmente secreta. Permaneci no GAB alguns meses.
De seguida, andei por diferentes subdelegações de Angola, sobretudo onde havia problemas. Acabei por ficar com um conhecimento global da Província, desde Cabinda às «terras do fim do mundo», o Cuando-Cubango. Viria a ficar sete anos seguidos no Cuando-Cubango, um sítio admirável, de onde tenho recordações maravilhosas. Chefiei a subdelegação de Serpa Pinto.
2. Um dia, em Luanda, conheci o administrador Manuel Pontes. Estava quase na reforma. Falamos prolongadamente. Falamos sobretudo de uma região que ele conhecia muito bem: as «terras do fim do mundo», cognome dado ao Sudeste de Angola por Henrique Galvão, no livro «Outras Terras Outras Gentes».
Disse-me uma enorme quantidade de coisas sobre uma minoria étnica, a que nós chamávamos os bosquímanos, que habitava no Cuando-Cubando. Como eu havia frequentado o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, tinha tido algum conhecimento dessa etnia.
Decidi que iria para esses lugares inóspitos e fascinantes.
O director da PIDE em Angola, Aníbal São José Lopes, concordou e disse-me: «Sim, senhor. Você pega no administrador, damos-lhe uma compensação monetária, e você vai para as terras do fim do mundo fazer uma prospecção sobre o que esses bushmen poderão dar, qual será o rendimento que eles poderão ter em operações de guerrilha.»
3. E lá fui, com a minha mulher e o administrador Manuel Pontes. Atribuíram-me um velho Land-Rover.
Os bushmen eram indivíduos com uma forma de vida ainda primitiva, faziam ainda o fogo por fricção. Eram muito magros e pequenos, excelentes caçadores.
Na região do Cuando-Cubango, este povo era trocado e vendido como se de gado se tratasse. Muitos eram nómadas e outros escravos dos sobas bantos.
Os bushmen tinham um grande respeito pelo administrador Manuel Pontes e tratavam-no por Tata K’Hum, que significa «o pai dos K’Hum», que eram eles. K’Hum é o nome com que os bosquímanos se designam a si próprios. Quando o viam, aproximavam-se.
Com a ajuda de intérpretes conseguíamos falar com eles. Eram indivíduos esqueléticos e subalimentados.
Pontes dizia-me: «Se os treinarem, se os alimentarem bem, estes indivíduos podem ser de grande utilidade.» Pela minha parte, e por aquilo que lera, estava plenamente de acordo. Começámos a dar-lhes treino de tiro, em 1967. Mais tarde, tiveram instrução de Karaté, dada por um mulato nosso amigo que era “cinto preto”. Primeiro, eram apenas
oito. Depois eram muitos – a minha infantaria ligeira, ligeiríssima.
No Cuando-Cubango, um território duas vezes e meia maior que Portugal, a PIDE tinha diversos postos chefiados por agentes de 1ª classe, agentes de 2ª classe, chefes de brigada.
Também nos apoiavam nas coutadas de caça. Usávamos os bushmen como pisteiros, no que eram excelentes. Decifravam todos os sinais com uma eficácia extraordinária. Nós aproveitámos essa capacidade singular deles.
Começámos a utilizá-los para obter informação. Conseguiam permanecer no terreno por períodos de tempo incríveis e levando muito poucos meios de sobrevivência com eles. Habituados desde crianças a esgravatar, a viver do nada, tinham uma capacidade nata para se alimentarem, para descobrirem água. Ora, num espaço inóspito como aquele, muito pouco habitado, o menos de Angola, estas capacidades eram de uma utilidade
extrema.
No princípio, iam apenas armados de arco e flecha, flechas envenenadas, em que eles eram exímios. Também a sua compleição física não era muito adequada a outro tipo de armas mais modernas. O objectivo era apenas recolher informação mas se a coisa desse para o torto… Quasi nunca traziam ninguém vivo, apenas documentos e armas, por vezes.
Os resultados começaram a ser bastante interessantes. Passámos a poder disponibilizar aos militares uma quantidade e qualidade de informações que lhes permitia operar com maior facilidade e eficácia. Aliás, devo dizer que, na Última Guerra de África, a PIDE funcionou como anjo da guarda das Forças Armadas.
A população era uma espécie de bola de pingue-pongue no meio da guerra. A população que dava apoio aos terroristas era forçada. E maior parte do apoio logístico dos terroristas vinha da Zâmbia.
Os acampamentos terroristas ou ficavam no início do rio ou na confluência de dois rios. E isto era assim porque eles não podiam passar sem água, e também por uma questão de facilidade de referenciação entre eles.
Os bushmen iam lá e, por vezes, eram recebidos a tiro. Então e com apoio das Forças Armadas, começámos a treinar esses bushmen no Cuando-Cubango, no campo de trabalho do Missombo, que tinha sido um campo de recuperação de terroristas, e que nada tinha a ver com a PIDE. O treino consistia fundamentalmente no uso de armas modernas. Conhecimento e táctica do terreno não era preciso – já eram exímios nisso.
Assim se deu início e essa força paramilitar conhecida por Flechas.
Começámos a ter problemas de excesso de voluntários porque muitos queriam pertencer. Como eram escravizados pelos sobas, o tornarem-se soldados fascinava-os. E muitas vezes faziam coisas que não deviam: iam às sanzalas e roubavam galinhas. Evidentemente que quando sabíamos, os castigávamos.
Acabámos por fazer o acampamento do Missombo que tinha na entrada uma frase de Mouzinho de Albuquerque: «Essas poucas páginas brilhantes e consoladoras que há na História de Portugal contemporâneo, escrevemo-las nós, os soldados, lá pelos serões de África com as pontas das baionetas e das lanças…» Também tínhamos também uma frase de um escritor militar chinês, onde se inspirou Mao Tsé-Tung, o Sun Tsu: «(..) Sejam mais rápidos do que o vento e tão misteriosos quanto a mata. Sejam destruidores como o fogo e silenciosos como as montanhas. Sejam impenetráveis como a noite e furiosos como o trovão (…)»
Os Flechas iniciaram-se com bushmen, mas depois começámos a tê-los já de outras etnias. Passou, depois, a pouco e pouco, a haver Flechas em toda a Angola. Quase todas as subdelegações da PIDE em zonas onde havia terrorismo passaram a formar os seus próprios Flechas. Os resultados foram sempre bons.
Fiz diversas operações com os Flechas. Algumas eram feitas com europeus, mas havia outras em que só iam Flechas, bushmen, porque eram operações de longa duração em que se faziam reconhecimentos, nomadizações que os europeus e os pretos não aguentavam.
Quero também dizer desde já que as nossas Forças Armadas venceram a guerra de guerrilha em Angola. Em 1974 a guerra em Angola estava ganha. O MPLA sabia-se sem qualquer hipótese de vencer, a UNITA era «nossa».
Também a guerra estava a caminho de se vencer na Guiné. Tenho provas disso.
4. Quero destacar uma operação que foi feita com um indivíduo que mais tarde foi muito conhecido no Cuando-Cubango, o soba Matias – viria a morrer esfolado vivo após a independência por se recusar a arrear a bandeira portuguesa. Apareceu-me na subdelegação de Serpa Pinto e que me disse: «Olhe, ispector, eu sei onde há, ali a norte do rio Cuvelai, uns acampamentos da UNITA. Os meninos estão fazer muita chatice, muita confusão. O senhor inspector dá-me uma espingarda que eu
vai lá com o meu família…» E lá foi com a malta dele. Trouxe uma data de terroristas. Prendêmo-los e interrogámo-los. Muitos eram terroristas porque não poderiam ter sido outra coisa.
Não tinha problemas em pôr guerrilheiros capturados a colaborar connosco. Levavam uns tabefes, um «calorzinho». A PIDE não era propriamente uma organização de beneficência.
Como o resultado foi bom, propus ao Matias para ir ver se encontrava mais. Ele disse sim. Dei-lhe oito espingardas. O resultado foi tal que aquele homem limpou o terrorismo, a infiltração da UNITA. A norte do Cuando-Cubango, deixou de haver terrorismo da UNITA.
O Matias chefiou uma aldeia com mais de cinco mil pessoas. Todos os dias içava, com honras militares, a bandeira nacional e também o seu pendão, a Cruz de Avis.
5. Estive em Moçambique em 1971 e 1972. O director Silva Pais convocou-me e fui levado à presença do Ministro do Ultramar, Silva Cunha. Disseram-me para organizar os Flechas em Moçambique.
Talvez tivesse havido precipitação da nossa parte porque em Moçambique já existiam os Grupos Especiais (GE) e os Grupos Especiais Pára-Quedistas (GEP), que eram muito bons. Verifiquei, nessa Província não ser premente a necessidade de organizar Flechas.
A minha actividade em Moçambique resumiu-se a detectar a penetração de terroristas da Frelimo feita a partir do Malawi, sobre a linha Beira-Tete, onde iam destruir a linha de caminho-de-ferro. Organizei a informação em Caldas Xavier, com incidência no Malawi, e um sistema de informação no Malawi. Sabíamos quase sempre quando eles punham as bombas no caminho-de-ferro.
Em Lourenço Marques e em Luanda, a PIDE tinha uma colaboração estreita com o Bureau of State Security (BOSS), sul-africano, hoje o National Intelligence Service (NIS). Também tínhamos uma boa colaboração com a South Afican Police (SAP). Interessava, porque a policia sul-africana estava dispersa em vários postos ao longo da
fronteira para evitar a penetração da SWAPO, movimento que lutava pela independência da actual Namíbia.
Havia também colaboração com serviços equivalentes da Rodésia.
As Forças Armadas sul-africanas forneciam-nos, por vezes, helicópteros e meios aéreos. E estavam interessadas na UNITA, dado que a UNITA e a SWAPO trabalhavam em conjunto. Nós funcionávamos como uma espécie de tampão à SWAPO, que tinha de atravessar o Cuando-Cubango vinda das suas bases na Zâmbia. Por diversas vezes tivemos contactos com os terroristas namibianos. Numa dessas vezes fui ferido com um estilhaço na mão. Foi uma operação que fizemos em colaboração com os sul-africanos.
6. No Cuando-Cubango, havia postos da PIDE em Serpa Pinto (sede), em Caiundo, Cuangar, Calai, Dirico, Mucusso, Rivungo, Cuito Cuanavale e Mavinga. Tínhamos a colaboração dos caçadores das três coutadas: Kirongozi, Luengue e Mucusso.
Obviamente que estávamos em colaboração total com a tropa que tinha em Serpa Pinto um batalhão, uma companhia comandada pelo Vítor Alves, na N’riquinha, perto da fronteira com a Zâmbia, um pelotão reforçado na Luiana e meia dúzia de elementos em Mavinga.
Os comerciantes, os elementos da PSP, também faziam operações conjuntas com os Flechas. E, quando havia operações militares, os Flechas iam, ou um agente da PIDE com um flecha, que às vezes servia de intérprete.
7. Estive ainda a chefiar a subdelegação de Carmona, após o que vim para Lisboa integrar a Secção Central dirigida por Álvaro Pereira de Carvalho.
8. O 25 de Abril foi um golpe com a conivência de Marcelo Caetano.
9. Penso que Portugal vai desaparecer.
Copyright © 1999 Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso
militar na Índia Portuguesa, em 1959/60.
Pertenci depois à GNR, até 1965, altura em que ingressei na PIDE.
Em 1966, fui para Angola. Em Serpa Pinto, criei os Flechas inspirado nas obras de Jean Larteguy; Spencer Chapman, “The jungle is neutral”; Lawrence da Arábia, “The seven pilars of wisdom”; Mao Tse Tung, “A guerra revolucionária”; Sun Tze, “ A arte da guerra”.
Em 1968, foi-me atribuído o Prémio Governador-Geral de Angola.
Estive em Moçambique em 1971 e 1972. Em 1973, em Carmona.
Quando regressei a Lisboa, em fins de 1973, com o posto de inspector-adjunto, fui colocado na Direcção dos Serviços de Informação, coordenando a informação em Angola e Moçambique.
Aquando do 25 de Abril, fui preso e permaneci detido em Caxias, Peniche e Alcoentre durante dois anos.
Após ter sido libertado, fui para a Rodésia onde trabalhei na formação dos Sealous Scouts, uma versão rodesiana dos Flechas e no CIO (Central Inteligence Organisation).
Em 1977, fui para a África do Sul, onde servi nas forças armadas, força aérea, saindo com o posto de coronel.
Também trabalhei nos Serviços de Inteligência Militar do Exército sul-africano.
Desempenhei funções como chefe de segurança VIP.
Em 1991, regressei a Portugal.
Em 1992, foi-me atribuída uma pensão vitalícia por serviços relevantes prestados à Pátria. Essa pensão foi-me suspensa recentemente.
1. Em Angola, comecei por chefiar os Serviços Reservados, em Luanda. Era um trabalho no âmbito da segurança interna. Eram coisas do género: se um indivíduo pretendia tirar uma licença de uso e porte de arma, procurava saber-se se tinha antecedentes criminais.
Depois, passei para a secção de contra-espionagem, um serviço que designávamos por GAB. Aí tinha contacto com informadores estrangeiros e com informação realmente secreta. Permaneci no GAB alguns meses.
De seguida, andei por diferentes subdelegações de Angola, sobretudo onde havia problemas. Acabei por ficar com um conhecimento global da Província, desde Cabinda às «terras do fim do mundo», o Cuando-Cubango. Viria a ficar sete anos seguidos no Cuando-Cubango, um sítio admirável, de onde tenho recordações maravilhosas. Chefiei a subdelegação de Serpa Pinto.
2. Um dia, em Luanda, conheci o administrador Manuel Pontes. Estava quase na reforma. Falamos prolongadamente. Falamos sobretudo de uma região que ele conhecia muito bem: as «terras do fim do mundo», cognome dado ao Sudeste de Angola por Henrique Galvão, no livro «Outras Terras Outras Gentes».
Disse-me uma enorme quantidade de coisas sobre uma minoria étnica, a que nós chamávamos os bosquímanos, que habitava no Cuando-Cubando. Como eu havia frequentado o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, tinha tido algum conhecimento dessa etnia.
Decidi que iria para esses lugares inóspitos e fascinantes.
O director da PIDE em Angola, Aníbal São José Lopes, concordou e disse-me: «Sim, senhor. Você pega no administrador, damos-lhe uma compensação monetária, e você vai para as terras do fim do mundo fazer uma prospecção sobre o que esses bushmen poderão dar, qual será o rendimento que eles poderão ter em operações de guerrilha.»
3. E lá fui, com a minha mulher e o administrador Manuel Pontes. Atribuíram-me um velho Land-Rover.
Os bushmen eram indivíduos com uma forma de vida ainda primitiva, faziam ainda o fogo por fricção. Eram muito magros e pequenos, excelentes caçadores.
Na região do Cuando-Cubango, este povo era trocado e vendido como se de gado se tratasse. Muitos eram nómadas e outros escravos dos sobas bantos.
Os bushmen tinham um grande respeito pelo administrador Manuel Pontes e tratavam-no por Tata K’Hum, que significa «o pai dos K’Hum», que eram eles. K’Hum é o nome com que os bosquímanos se designam a si próprios. Quando o viam, aproximavam-se.
Com a ajuda de intérpretes conseguíamos falar com eles. Eram indivíduos esqueléticos e subalimentados.
Pontes dizia-me: «Se os treinarem, se os alimentarem bem, estes indivíduos podem ser de grande utilidade.» Pela minha parte, e por aquilo que lera, estava plenamente de acordo. Começámos a dar-lhes treino de tiro, em 1967. Mais tarde, tiveram instrução de Karaté, dada por um mulato nosso amigo que era “cinto preto”. Primeiro, eram apenas
oito. Depois eram muitos – a minha infantaria ligeira, ligeiríssima.
No Cuando-Cubango, um território duas vezes e meia maior que Portugal, a PIDE tinha diversos postos chefiados por agentes de 1ª classe, agentes de 2ª classe, chefes de brigada.
Também nos apoiavam nas coutadas de caça. Usávamos os bushmen como pisteiros, no que eram excelentes. Decifravam todos os sinais com uma eficácia extraordinária. Nós aproveitámos essa capacidade singular deles.
Começámos a utilizá-los para obter informação. Conseguiam permanecer no terreno por períodos de tempo incríveis e levando muito poucos meios de sobrevivência com eles. Habituados desde crianças a esgravatar, a viver do nada, tinham uma capacidade nata para se alimentarem, para descobrirem água. Ora, num espaço inóspito como aquele, muito pouco habitado, o menos de Angola, estas capacidades eram de uma utilidade
extrema.
No princípio, iam apenas armados de arco e flecha, flechas envenenadas, em que eles eram exímios. Também a sua compleição física não era muito adequada a outro tipo de armas mais modernas. O objectivo era apenas recolher informação mas se a coisa desse para o torto… Quasi nunca traziam ninguém vivo, apenas documentos e armas, por vezes.
Os resultados começaram a ser bastante interessantes. Passámos a poder disponibilizar aos militares uma quantidade e qualidade de informações que lhes permitia operar com maior facilidade e eficácia. Aliás, devo dizer que, na Última Guerra de África, a PIDE funcionou como anjo da guarda das Forças Armadas.
A população era uma espécie de bola de pingue-pongue no meio da guerra. A população que dava apoio aos terroristas era forçada. E maior parte do apoio logístico dos terroristas vinha da Zâmbia.
Os acampamentos terroristas ou ficavam no início do rio ou na confluência de dois rios. E isto era assim porque eles não podiam passar sem água, e também por uma questão de facilidade de referenciação entre eles.
Os bushmen iam lá e, por vezes, eram recebidos a tiro. Então e com apoio das Forças Armadas, começámos a treinar esses bushmen no Cuando-Cubango, no campo de trabalho do Missombo, que tinha sido um campo de recuperação de terroristas, e que nada tinha a ver com a PIDE. O treino consistia fundamentalmente no uso de armas modernas. Conhecimento e táctica do terreno não era preciso – já eram exímios nisso.
Assim se deu início e essa força paramilitar conhecida por Flechas.
Começámos a ter problemas de excesso de voluntários porque muitos queriam pertencer. Como eram escravizados pelos sobas, o tornarem-se soldados fascinava-os. E muitas vezes faziam coisas que não deviam: iam às sanzalas e roubavam galinhas. Evidentemente que quando sabíamos, os castigávamos.
Acabámos por fazer o acampamento do Missombo que tinha na entrada uma frase de Mouzinho de Albuquerque: «Essas poucas páginas brilhantes e consoladoras que há na História de Portugal contemporâneo, escrevemo-las nós, os soldados, lá pelos serões de África com as pontas das baionetas e das lanças…» Também tínhamos também uma frase de um escritor militar chinês, onde se inspirou Mao Tsé-Tung, o Sun Tsu: «(..) Sejam mais rápidos do que o vento e tão misteriosos quanto a mata. Sejam destruidores como o fogo e silenciosos como as montanhas. Sejam impenetráveis como a noite e furiosos como o trovão (…)»
Os Flechas iniciaram-se com bushmen, mas depois começámos a tê-los já de outras etnias. Passou, depois, a pouco e pouco, a haver Flechas em toda a Angola. Quase todas as subdelegações da PIDE em zonas onde havia terrorismo passaram a formar os seus próprios Flechas. Os resultados foram sempre bons.
Fiz diversas operações com os Flechas. Algumas eram feitas com europeus, mas havia outras em que só iam Flechas, bushmen, porque eram operações de longa duração em que se faziam reconhecimentos, nomadizações que os europeus e os pretos não aguentavam.
Quero também dizer desde já que as nossas Forças Armadas venceram a guerra de guerrilha em Angola. Em 1974 a guerra em Angola estava ganha. O MPLA sabia-se sem qualquer hipótese de vencer, a UNITA era «nossa».
Também a guerra estava a caminho de se vencer na Guiné. Tenho provas disso.
4. Quero destacar uma operação que foi feita com um indivíduo que mais tarde foi muito conhecido no Cuando-Cubango, o soba Matias – viria a morrer esfolado vivo após a independência por se recusar a arrear a bandeira portuguesa. Apareceu-me na subdelegação de Serpa Pinto e que me disse: «Olhe, ispector, eu sei onde há, ali a norte do rio Cuvelai, uns acampamentos da UNITA. Os meninos estão fazer muita chatice, muita confusão. O senhor inspector dá-me uma espingarda que eu
vai lá com o meu família…» E lá foi com a malta dele. Trouxe uma data de terroristas. Prendêmo-los e interrogámo-los. Muitos eram terroristas porque não poderiam ter sido outra coisa.
Não tinha problemas em pôr guerrilheiros capturados a colaborar connosco. Levavam uns tabefes, um «calorzinho». A PIDE não era propriamente uma organização de beneficência.
Como o resultado foi bom, propus ao Matias para ir ver se encontrava mais. Ele disse sim. Dei-lhe oito espingardas. O resultado foi tal que aquele homem limpou o terrorismo, a infiltração da UNITA. A norte do Cuando-Cubango, deixou de haver terrorismo da UNITA.
O Matias chefiou uma aldeia com mais de cinco mil pessoas. Todos os dias içava, com honras militares, a bandeira nacional e também o seu pendão, a Cruz de Avis.
5. Estive em Moçambique em 1971 e 1972. O director Silva Pais convocou-me e fui levado à presença do Ministro do Ultramar, Silva Cunha. Disseram-me para organizar os Flechas em Moçambique.
Talvez tivesse havido precipitação da nossa parte porque em Moçambique já existiam os Grupos Especiais (GE) e os Grupos Especiais Pára-Quedistas (GEP), que eram muito bons. Verifiquei, nessa Província não ser premente a necessidade de organizar Flechas.
A minha actividade em Moçambique resumiu-se a detectar a penetração de terroristas da Frelimo feita a partir do Malawi, sobre a linha Beira-Tete, onde iam destruir a linha de caminho-de-ferro. Organizei a informação em Caldas Xavier, com incidência no Malawi, e um sistema de informação no Malawi. Sabíamos quase sempre quando eles punham as bombas no caminho-de-ferro.
Em Lourenço Marques e em Luanda, a PIDE tinha uma colaboração estreita com o Bureau of State Security (BOSS), sul-africano, hoje o National Intelligence Service (NIS). Também tínhamos uma boa colaboração com a South Afican Police (SAP). Interessava, porque a policia sul-africana estava dispersa em vários postos ao longo da
fronteira para evitar a penetração da SWAPO, movimento que lutava pela independência da actual Namíbia.
Havia também colaboração com serviços equivalentes da Rodésia.
As Forças Armadas sul-africanas forneciam-nos, por vezes, helicópteros e meios aéreos. E estavam interessadas na UNITA, dado que a UNITA e a SWAPO trabalhavam em conjunto. Nós funcionávamos como uma espécie de tampão à SWAPO, que tinha de atravessar o Cuando-Cubango vinda das suas bases na Zâmbia. Por diversas vezes tivemos contactos com os terroristas namibianos. Numa dessas vezes fui ferido com um estilhaço na mão. Foi uma operação que fizemos em colaboração com os sul-africanos.
6. No Cuando-Cubango, havia postos da PIDE em Serpa Pinto (sede), em Caiundo, Cuangar, Calai, Dirico, Mucusso, Rivungo, Cuito Cuanavale e Mavinga. Tínhamos a colaboração dos caçadores das três coutadas: Kirongozi, Luengue e Mucusso.
Obviamente que estávamos em colaboração total com a tropa que tinha em Serpa Pinto um batalhão, uma companhia comandada pelo Vítor Alves, na N’riquinha, perto da fronteira com a Zâmbia, um pelotão reforçado na Luiana e meia dúzia de elementos em Mavinga.
Os comerciantes, os elementos da PSP, também faziam operações conjuntas com os Flechas. E, quando havia operações militares, os Flechas iam, ou um agente da PIDE com um flecha, que às vezes servia de intérprete.
7. Estive ainda a chefiar a subdelegação de Carmona, após o que vim para Lisboa integrar a Secção Central dirigida por Álvaro Pereira de Carvalho.
8. O 25 de Abril foi um golpe com a conivência de Marcelo Caetano.
9. Penso que Portugal vai desaparecer.
Copyright © 1999 Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso
OS FLECHAS
(POR FILIPE SILVA E FERNANDO MOREIRA)
- Flechas – Força paramilitar da DGS, composta por membros de algumas etnias locais e por dissidentes dos movimentos de guerrilha, foram forças de operações especiais dependentes da Direcção-Geral de Segurança (DGS), criadas, inicialmente no Cuando Cubango, para actuarem contra o IN, à semelhança dos Selous Scouts rodesianos e preparados para viver e combater no terreno como os guerrilheiros, em acções prolongadas.
Foram inicialmente organizados pelo Inspector Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso no período que passou nas "terras do fim do mundo" – o Cuando-Cubango. Os Flechas estavam organizados em Grupos de Combate de cerca de 30 homens. Estavam equipados com o equipamento em uso no Exército Português, mas também utilizavam muito armamento capturado aos guerrilheiros, nomeadamente nas Operações Pseudo-Terroristas. As autoridades militares apenas possuíam o controlo da sua actividade operacional.
Com o decorrer da Guerra do Ultramar os Flechas revelaram-se uma das melhores forças anti-guerrilha ao serviço de Portugal, indo progressivamente alargando o seu tipo de actuação. Se no início eram basicamente usados como guias e pisteiros dos agentes da PIDE, passaram posteriormente também a ser usados como forças de assalto em operações especiais. Pelo reconhecimento do seu elevado nível de eficácia, as próprias Forças Armadas passaram a solicitar frequentemente à DGS o auxílio dos Flechas nas suas operações, nomeadamente as unidades de comandos que tinham por eles um grande apreço. Óscar Cardoso afirma que nunca teve uma deserção nos Flechas, nem nenhum capturado pelo inimigo na sua Zona de Acção (ZA).
Algumas das operações frequentemente realizadas eram as chamadas Pseudo-Terroristas, em que os Flechas, muitos deles ex-guerrilheiros, se disfarçavam de guerrilheiros inimigos, para atacarem alvos com características tais que não podiam ser abertamente atacados por forças identificadas como portuguesas (ex.: alvos em território estrangeiro, missões religiosas que auxiliavam terroristas, bases terroristas de difícil aproximação, etc.).
Nestas viagens chegávamos a estar distantes da última viatura, normalmente comandada pelo Girão, até 40 Km…
Seguíamos nós calmamente pela planície (chana), quando começámos a ser sobrevoados por dois aviões T-6 das FAP, que passavam em voo rasante, sobre nós, curvando na direcção da nossa deslocação, e passando a voar em circulo e a picar sobre uma zona à nossa frente.
Na última passagem em voo rasante, o piloto de um dos aparelhos, apontou nitidamente para a zona que tinham sobrevoado em círculo e feito voo picado.
Entendi que alguém necessitava de auxílio, e dei ordem para nos dirigirmos lá, enquanto os aviões nos ficaram a sobrevoar em círculo.
Quando estávamos aí a cerca de duzentos metros comecei a ver indivíduos fardados a movimentarem-se de um lado para o outro, e curiosamente com uma faixa vermelha nos barretes. Fiquei paralisado por uma fracção de segundo pensando:
- Caímos na boca do lobo!
De imediato dei as minhas ordens, de como abordar o caso bem como o caminho que cada um de nós ia seguir, a pé, tendo como cobertura o condutor com a metralhadora do Unimog.
Quando cheguei perto, fui informado por um dos indivíduos que eram flechas de Mavinga e que o rádio não funcionava e não tinham comida nem munições.
Era um grupo de “buchimanes” e, após estabelecermos contacto com o chefe deles, um tal Serpa, prontificamo-nos a transportá-los para o seu acampamento.
Tinham estado a fazer uma batida, no dia anterior e tiveram contacto com o IN. Deram tantos tiros, que já sem munições fugiram eles para um lado e o IN para o outro.
Ainda me recordo do indivíduo que os comandava, dizendo pelo nosso rádio: - “carrapau”; “carrapau”; “carrapau 1” chama, escuto!
Na madrugada do dia seguinte, fomos lançados e dividi o agrupamento em dois grupos distintos, porque comecei a ver muita descontracção e muita conversa (leia-se estalidos) entre eles, sem qualquer cuidado.
Logo na primeira noite, quando acampamos, cada um dos ditos fez uma fogueira e o barulho que faziam era uma loucura, conversando por estalidos.
Mandei retirar os meus homens para mais longe e proceder a manobras de segurança e vigia. A barulheira deles continuava…
De repente, fez-se silêncio total e dois ou três deles farejavam o ar como cães, de cabeça levantada, e comunicando por estalidos levantaram-se todos e desapareceram a correr mato fora, pela noite dentro.
Nunca mais os vi, durante os restantes dias da operação. Fomos sendo informados via rádio da progressão deles na direcção da fronteira leste, perseguindo sete INs que foram abatendo dia a dia até ao último.
Ainda tive oportunidade de encontrar dois cadáveres, completamente despidos. Ficaram-lhes com todos os haveres…
Não consigo lembrar a data nem o nome desta operação, no entanto foi feita ainda eu era comandante interino da companhia, logo até 30 de Maio de 1973."
“Que a vossa rapidez seja a do vento, que sejam impenetráveis como a floresta. Que as vossas operações sejam tão tenebrosas e misteriosas como a noite e, quando atacardes, fazei-o com a rapidez do raio e a violência do trovão.”
Sun Tzu
Breve História das Unidades de Flechas
Durante a Guerra do Ultramar, a DGS (Direcção-Geral de Segurança, assim designada a partir de 1969) era responsável pelas operações de recolha de informações estratégicas, sobretudo nos países vizinhos de Angola, investigação e acções clandestinas contra os movimentos guerrilheiros, em apoio das Forças Armadas e de Segurança. Como tal foi decido criar uma força especial armada para auxílio e protecção dos agentes da DGS nas operações contra os guerrilheiros.
Segundo o criador dos Flechas, o Inspector da DGS Óscar Piçarra Cardoso, alguma inspiração foi bebida das obras literárias de Jean Laterguy, como “Os Tambores de Bronze”, “Os Centuriões” e “Os Pretorianos”, fruto da intervenção francesa na Indochina e no Katanga e ainda as histórias de Lawrence da Arábia e a experiência recolhida da acção dos Boinas Verdes americanos no Vietname e no Laos.
Os membros dos Flechas eram recrutados entre determinados grupos nativos, nomeadamente ex-guerrillheiros e membros da minoria étnica bosquímane (khoisan), destinados a actuar no Cuando-Cubango no âmbito da informação e como pisteiros mas depressa as suas características fizeram deles temíveis combatentes tendo, mais tarde, integrado também elementos de outras etnias e acabando as suas unidades por se espalharem um pouco por todo o Leste e mesmo pelo Norte, actuando sempre com grande eficiência. Os bosquímanos que historicamente tinham sido invadidos pelos povos Banto não tinham qualquer problema a aliar-se aos portugueses, dado que viam nos movimentos de libertação o Banto invasor do seu território, pelo qual nutriam um ódio ancestral. Estes eram especialmente escolhidos pelas seus conhecimentos do inimigo, conhecimento do terreno, conhecimento das populações locais, etc. É de salientar que os bosquímanos eram um povo caçador-recolector, logo exímios intérpretes de rastos e pistas deixadas no terreno pelo inimigo, ao ponto de conseguirem dizer que tinha passado por ali uma mulher e que a mesma estava grávida!, dada a sua experiência em perseguição de caça. Esses membros nativos eram enquadrados por oficiais do Exército Português, nomeadamente Rangers, e por agentes da PIDE e recebiam treino de forças especiais. Começaram a ser treinados num campo de trabalhos em Missombo, no Cuando Cubango, e, posteriormente, na região de Gago Coutinho.
Esta acção contou com a ajuda preciosa de um indivíduo chamado Manuel Pontes, que exercia o cargo de Administrador no Cuando Cubango e profundo conhecedor dos “bushmen” a quem eles respeitavam e a quem apelidavam de Tata K’Hum, que quer dizer o Pai dos K’Hum, que eram eles, povo bosquímane. Esta força começou em 1967 com oito instruendos, treinados no Cuando Cubango no campo de trabalho no Missombo, magros e pequenos, ao princípio armados de arco e flechas envenenadas, ainda fazendo o fogo por fricção de paus, mas aos poucos foram recebendo preparação militar, instrução de tiro e passaram a andar armados. Do contacto com o inimigo, traziam armas capturadas, documentos, mas ninguém vivo para contar como foi.
Este povo nutria um ódio ao Banto que os escravizava, trocando-o e vendendo-o com o se de gado se tratasse, aqueles que não eram forçados à nomadização estavam praticamente em regime de escravidão autêntica nos sobados dos chefes Bantos. E o ódio aos seus antigos donos levou-os a fazer a guerra ao lado dos portugueses.
No campo de Missombo existia uma frase de um escritor militar chinês, Sun Tzu, fonte inspiradora de Mão Tsé Tung, que dizia o seguinte; “Que a vossa rapidez seja a do vento, que sejam impenetráveis como a floresta. Que as vossas operações sejam tão tenebrosas e misteriosas como a noite e, quando atacardes, fazei-o com a rapidez do raio e a violência do trovão.” Nada mais apropriado para caracterizar a acção desta força.
Mais tarde começaram a ser formados também na zona de Gago Coutinho, espalhando-se ao Luso e á região de Luanda, Caxito, sendo os seus elementos quase todos terroristas do MPLA recuperados e utilizados a combater ao lado das NT.
Flechas sendo desarmados em 1974/1975 |
Os Flechas actuaram sobretudo em Angola, onde no 2º. Semestre de 1971 atingiam já os 1511 combatentes. Na década de 1970 começaram a ser organizados Flechas também em Moçambique mas que não chegaram a ter uma importância tão elevada.
Na Zona de acção do Bat.Caç.4611/72, Subsector de M´Pupa existiam forças de Flechas no Calai; Mucusso; Valombo; Cuangar; Mucundi; Caiundo; Cuchi e Mavengue, num total de 274 combatentes.
O seu item de fardamento mais conhecido era a Boina Camuflada que se tornou um dos seus símbolos.
Sobre os Flechas e as suas operações juntamente com forças do Bat.Caç.4611/72 poderemos referir dois episódios caricatos que nos chegam relatados pelo então Alferes Filipe Silva comandante do 4º. Grupo de Combate da 3ª. Companhia.
São eles:
- “ O primeiro foi aquando dum MVL para o Rivungo, de cuja data me não recordo mas que sei ter sido em 1973, entre o “destacamento do Dima” e Mavinga.
Como era costume, eu seguia na viatura da frente, um Unimog 404 a gasolina, com mais quatro indivíduos a que chamava a equipe de caça.Nestas viagens chegávamos a estar distantes da última viatura, normalmente comandada pelo Girão, até 40 Km…
Seguíamos nós calmamente pela planície (chana), quando começámos a ser sobrevoados por dois aviões T-6 das FAP, que passavam em voo rasante, sobre nós, curvando na direcção da nossa deslocação, e passando a voar em circulo e a picar sobre uma zona à nossa frente.
Na última passagem em voo rasante, o piloto de um dos aparelhos, apontou nitidamente para a zona que tinham sobrevoado em círculo e feito voo picado.
Entendi que alguém necessitava de auxílio, e dei ordem para nos dirigirmos lá, enquanto os aviões nos ficaram a sobrevoar em círculo.
Quando estávamos aí a cerca de duzentos metros comecei a ver indivíduos fardados a movimentarem-se de um lado para o outro, e curiosamente com uma faixa vermelha nos barretes. Fiquei paralisado por uma fracção de segundo pensando:
- Caímos na boca do lobo!
De imediato dei as minhas ordens, de como abordar o caso bem como o caminho que cada um de nós ia seguir, a pé, tendo como cobertura o condutor com a metralhadora do Unimog.
Quando cheguei perto, fui informado por um dos indivíduos que eram flechas de Mavinga e que o rádio não funcionava e não tinham comida nem munições.
Era um grupo de “buchimanes” e, após estabelecermos contacto com o chefe deles, um tal Serpa, prontificamo-nos a transportá-los para o seu acampamento.
Tinham estado a fazer uma batida, no dia anterior e tiveram contacto com o IN. Deram tantos tiros, que já sem munições fugiram eles para um lado e o IN para o outro.
Ainda me recordo do indivíduo que os comandava, dizendo pelo nosso rádio: - “carrapau”; “carrapau”; “carrapau 1” chama, escuto!
Foi uma cena e tanto…"
1º.Sem.72
|
1º.Sem.72
|
2º.Sem.72
|
2º.Sem.72
|
2º.Sem.72
| ||
TE's
|
GE's
|
Fieis
|
Leais
|
Flechas
| ||
Grupos
|
17
|
91
|
48
|
3
|
45
| |
Efectivos 1972
|
569
|
2794
|
1.300
|
90
|
1575
| |
Nº. Operações
|
Isoladas
|
108
|
1047
|
153
|
23
|
158
|
Conjunto NT
|
0
|
396
|
150
|
0
|
64
| |
Baixas Sofridas
|
Mortos
|
0
|
6
|
3
|
0
|
28
|
Feridos
|
1
|
20
|
64
|
0
|
0
| |
Desaparecidos
|
0
|
41
|
0
|
0
|
0
| |
Baixas Causadas
|
Mortos
|
0
|
65
|
156
|
2
|
541
|
Feridos
|
2
|
26
|
0
|
0
|
6
| |
Cap. E Recup.
|
9
|
0
|
104
|
0
|
S/elem.
| |
Armas Capturadas
|
0
|
98
|
47
|
1
|
S/elem.
|
Quadro relativo a actividade operacional das Forças Africanas, em Angola - 1972
O segundo episódio em que participaram os flechas foi durante uma operação, no qual o 4º. Grupo de Combate foi aumentado com um grupo de Flechas de Mavinga, constituindo um agrupamento;
- “A primeira parte foi a entrega de dez rações de combate a cada um deles, na pista do campo de aviação.
Imaginem-nos sentados no chão, comendo todas as rações, até à última. Ficaram que pareciam “pranhos”, tal o tamanho da barriga.Na madrugada do dia seguinte, fomos lançados e dividi o agrupamento em dois grupos distintos, porque comecei a ver muita descontracção e muita conversa (leia-se estalidos) entre eles, sem qualquer cuidado.
Logo na primeira noite, quando acampamos, cada um dos ditos fez uma fogueira e o barulho que faziam era uma loucura, conversando por estalidos.
Mandei retirar os meus homens para mais longe e proceder a manobras de segurança e vigia. A barulheira deles continuava…
De repente, fez-se silêncio total e dois ou três deles farejavam o ar como cães, de cabeça levantada, e comunicando por estalidos levantaram-se todos e desapareceram a correr mato fora, pela noite dentro.
Nunca mais os vi, durante os restantes dias da operação. Fomos sendo informados via rádio da progressão deles na direcção da fronteira leste, perseguindo sete INs que foram abatendo dia a dia até ao último.
Ainda tive oportunidade de encontrar dois cadáveres, completamente despidos. Ficaram-lhes com todos os haveres…
Não consigo lembrar a data nem o nome desta operação, no entanto foi feita ainda eu era comandante interino da companhia, logo até 30 de Maio de 1973."
forum4611.blogspot.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário