Revolução de 28 de Maio de 1926
Revolução de 28 de Maio de 1926 | |
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Gomes da Costa e as suas tropas desfilam vitoriosos em Lisboa (6 de Junho de 1926). | |
Localização | Portugal |
Data | 28 de maio de 1926 |
Resultado | Fim do regime da Primeira República Início da Ditadura Militar, seguido da Ditadura Nacional e do Estado Novo |
A Revolução de 28 de Maio de 1926, Golpe de 28 de Maio de 1926 ou Movimento do 28 de Maio, também conhecido pelos seu herdeiros do Estado Novo por Revolução Nacional, foi um pronunciamento militar de cariznacionalista e antiparlamentar que pôs termo à Primeira República Portuguesa, levando à implantação daDitadura Militar, depois auto-denominada Ditadura Nacional e por fim transformada, após a aprovação daConstituição de 1933, em Estado Novo, regime que se manteve no poder em Portugal até à Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974. A revolução começou em Braga, comandada pelo general Gomes da Costa, sendo seguida de imediato em outras cidades como Porto, Lisboa, Évora, Coimbra e Santarém. Consumado o triunfo do movimento, a 6 de Junho de 1926, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, Gomes da Costa desfila à frente de 13 mil homens, sendo aclamado pelo povo da capital.
Os antecedentes
Implantada a 5 de Outubro de 1910, a Primeira República Portuguesa cedo deu sinais de instabilidade e de progressiva degradação das suas instituições. Para além das aventuras sidonistas, eram constantes os rumores e as ameaças de golpe.
Nos primeiros anos da década de 1920, terminada a Grande Guerra, a instabilidade cresceu: para além dos governos se sucederem a um ritmo alucinante (foram 23 os ministérios entre 1920 e 1926), os atentados bombistas e a forte actividade anarco-sindicalista criavam no país um clima pré-insurreccional que fazia adivinhar um fim próximo para o regime.
O princípio desse fim anunciado ocorreu a 19 de Outubro de 1921, apenas 11 anos após a implantação da República, quando, na sequência da demissão do governo presidido por Liberato Pinto, o protector da Guarda Nacional Republicana, então a guarda pretoriana do regime, e a sua posterior condenação a um ano de detenção (confirmada a 10 de Setembro de 1921 pelo Conselho Superior de Disciplina do Exército), um conjunto de militares ligados àquela força policial, a que se juntaram militares do Exército e da Armada, se sublevou.
A sublevação desembocou na chamada Noite Sangrenta, o assassinato por um grupo de marinheiros e arsenalistas sublevados de algumas das principais figuras da República. O coronel Manuel Maria Coelho era o chefe da sublevação. Acompanhavam-no Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos, oficiais da Guarda Nacional Republicana, e o capitão-de-fragata Procópio de Freitas. Sem possibilidade de resistência, o governo presidido por António Granjoapresentou a sua demissão a António José de Almeida, tendo Granjo procurado refúgio em casa de Francisco Cunha Leal, o líder da ala esquerda do republicanismo e próximo da liderança do movimento revolucionário. Descoberto, foi levado ao Arsenal da Marinha, o centro revolucionário, e abatido a tiro. O mesmo aconteceu a diversas outras figuras gradas da política republicana, incluindo o almirante Machado Santos, o comandante José Carlos da Maia e o coronel Botelho de Vasconcelos, todos raptados por uma camioneta fantasma que percorreu Lisboa naquela noite.
A somar aos efeitos políticos e sociais da Noite Sangrenta, ao longo dos anos de 1924 e 1925 a crise agudiza-se, com um crescendo do sentimento de insegurança e da instabilidade política. Os atentados bombistas sucedem-se, com ataques que por vezes são semanais. A carestia de vida, afectando essencialmente o operariado, fortemente mobilizado pelas correntes anarco-sindicalistas, provoca manifestações, como a de 22 de Fevereiro de 1924, que frequentemente descambam em violência e confrontos, como os ocorridos nos Olivais, Lisboa, a 28 de Maio daquele ano.
Entre os militares vive-se um crescendo de sublevações e de indisciplina. Bem exemplificativo deste ambiente é a revolta da aviação: os militares aviadores aquartelados na Amadora sublevam-se na noite de 3 para 4 de Junho de 1924, depois da demissão do respectivo comandante. São cercados por tropas deQueluz, mas só no dia 7 aceitam render-se, graças à acção do general Bernardo Faria que entra no campo, desarmado e acompanhado por oficiais de várias unidades militares.
Logo a 14 de Julho registam-se confrontos entre militares, envolvendo o Exército e a Guarda Nacional Republicana, a que não estão alheias movimentações anarco-sindicalistas e de tendência fascista, anunciando o jornal A Época, a 13 de Agosto de 1924, nova tentativa golpista, desta vez um assalto ao forte da Ameixoeira que teria sido preparada por um comité integrado por João Lopes da Silva Martins Júnior, que desejava como chefe Gomes da Costa. Insinuava-se então que o golpe visava pôr o partido radical no poder e que o futuro ministro do trabalho seria José Carlos Rates, secretário-geral do Partido Comunista Português. A 28 de Agosto de 1924 é abortada nova sublevação, desta feita no castelo de São Jorge, onde são presos oito comunistas e um radical.
Os tumultos prosseguem um pouco por todas as zonas urbanas onde existisse operariado, aparecendo constantemente novas organizações e uma crescente violência.
A revolta de 18 de Abril de 1925
Considerado o primeiro ensaio do 28 de Maio de 1926, depois de boatos de uma tentativa de revolta monárquica a 5 de Março, no dia 18 de Abril de 1925, dá-se nova revolta militar, desta feita de grande magnitude e envolvendo, pela primeira vez desde 1870, oficiais generais no activo.
A revolta, que teve o apoio da Cruzada Nun’Álvares, era de carácter nacionalista e assumiu claras semelhanças com o golpe de Primo de Rivera em Espanha. Envolveu pelo menos 61 oficiais, tendo, entre os líderes militares Sinel de Cordes, Gomes da Costa, Raul Augusto Esteves e Alfredo Augusto Freire de Andrade, e, entre os conspiradores civis, Antero de Figueiredo, Carlos Malheiro Dias, José Adriano Pequito Rebelo e Martinho Nobre de Melo.
Seguindo um plano operacional que já se podia considerar clássico, pelas 17 horas do dia 18 de Abril, os revoltosos ocupam a Rotunda, com o batalhão de metralhadoras, o batalhão de sapadores de caminhos-de-ferro e a artilharia de Queluz. No dia seguinte Sinel de Cordes vai ao Quartel do Carmo tentar a conciliação. Entretanto os jornais O Século e o Diário de Notícias são suspensos e Cunha Leal, que não teria qualquer ligação com o episódio, é preso. Para o jugular do golpe teve especial destaque a acção do Ministro da Marinha, o almirante Pereira da Silva. Dominado o golpe e, pelo menos momentaneamente, restaurada a legitimidade democrática, a 21 de Abril é exonerado o Ministro da Guerra Ernesto Maria Vieira da Rocha, que defendera que se parlamentasse com os revoltosos.
A partir deste momento a situação precipita-se e logo a 19 de Julho dá-se nova revolta, desta vez tendo à frente o comandante José Mendes Cabeçadas eJaime Baptista. É decretado o estado de sítio, mas Jaime Baptista, que estava detido no Forte de São Julião da Barra, consegue evadir-se e assalta o Forte do Bom Sucesso, enquanto Mendes Cabeçadas revoltava o cruzador Vasco da Gama. A muito custo a revolta é dominada por forças fiéis ao governo, comandadas por Agatão Lança, resultando um único ferido em combate (o capitão Armando Pinto Correia), sendo os implicados presos e julgados, mas rapidamente libertados e reintegrados, tal era a falta de autoridade das instituições da República.
Os momentos finais da Primeira República
Ainda decorriam as investigações e julgamentos das tentativas anteriores e já ocorriam novas ondas de boatos e movimentações. Era claro que Gomes da Costa e Mendes Cabeçadas não desistiam e um golpe vencedor estava para breve. Com a generalidade dos militares, e a maior parte da classe política, inconformados com a situação política de descrédito e ruína nacional, conspirava-se febrilmente, com Gomes da Costa aliciando altas patentes do Exército para aquilo que considerava a necessária arrancada patriótica que restaurasse o orgulho nacional.
Quando António Maria da Silva, a 18 de Dezembro de 1925, toma posse como Presidente do Conselho do 23.º governo desde 1920, era claro que a Primeira República vivia os seus últimos dias, já que todos os sectores de opinião, incluindo os velhos republicanos e os democratas e socialistas, aspiravam por estabilidade e segurança. Esse sentimento era agudizado pelo reconhecimento que, um pouco por toda a Europa, as forças pró-ordem pública cresciam e na vizinha Espanha a ditadura de Miguel Primo de Rivera, depois da vitória de Alhucemas e da criação do Directório Civil, parecia ter êxito crescente, servindo de exemplo para a ansiada regeneração nacional.
As tentativas de golpe militar sucedem-se, e logo a 1 de Fevereiro de 1926, em Almada, nova tentativa, agora encabeçada por Martins Júnior e e pelo antigo Ministro da Instrução Pública Manuel de Lacerda de Almeida. Os convites a Gomes da Costa para encabeçar a regeneração nacional já vinham do princípio do ano anterior e adivinha-se a sua presença crescente nas movimentações. Crescia o desejo de que ele fosse, finalmente, o chefe ansiado.
O movimento do 28 de Maio
O golpe de estado de 28 de Maio de 1926 iniciou-se como mais um levantamento, dos muitos que já tinham surgido no seio da Primeira República Portuguesa, coincidindo com um momento crítico para o governo presidido por António Maria da Silva. Embaraçado pela crónica má gestão do monopólio dos tabacos, um problema que já afligia os governos portugueses desde a fase final da monarquia constitucional, o governo decidira a 25 de Maio deixar de representar-se na Câmara dos Deputados, cortando os últimos laços com a legitimidade parlamentar. Como afirma um observador da política da época: o governo, inegavelmente, saía mal ferido da contenda, porque diminuído no seu prestígio. Mas o parlamento dir-se-ia quisera suicidar-se.
No ambiente de frenética intriga política que se vivia, os boatos de golpe desde há muito que corriam, sendo seguro que existiam múltiplos convites ao general Gomes da Costa para este dirigir um golpe, como sempre regenerador, que salvasse a Pátria.
Como entretanto em Braga se preparava para o dia 28 de Maio um Congresso Mariano, que congregaria naquela cidade as principais figuras do conservadorismo católico, entre as quais Cunha Leal, quando se soube que Gomes da Costa tinha para ali partido, ficou claro que o golpe estava iminente e que o seu epicentro seria naquela cidade.
Preparando o terreno, Cunha Leal logo no dia 27 organiza em Braga um almoço com apoiantes e discursa no Bom Jesus, criticando severamente o Partido Democrático que acusa de outrora ser obediente à ameaça do chicote de nove rabos do Dr. Afonso Costa, mas que então já nem sequer tinha um chefe e é um instituto tresmalhado. Quanto ao que restava do campo nacionalista, afirma que nem toda a mole ambição do sr. Ginestal Machado, nem todas as intrigas do sr. Pedro Pita, nem todo o maquiavelismo do sr. Tamagnini Barbosa são susceptíveis de inspirar confiança à nação, sendo um mero organismo parasitário. É neste dia, depois deste discurso inflamado, que chega à cidade, pelas 22:00 horas, o general Gomes da Costa, vindo expressamente para assumir o comando do golpe.
Conforme havia sido acordado, logo no dia imediato, 28 de Maio de 1926, pelas 6:00 da madrugada, inicia-se a sublevação militar, com acompanhamento e apoio civil, incluindo do operariado da região, organizando-se uma coluna que marcha sobre Lisboa. Coincidência, ou talvez não, na organização e na forma de mobilização há muitos traços comuns com a marcha sobre Roma, que a 28 de Outubro de 1922, pouco mais de três anos antes, levara à institucionalização do fascismo em Itália.
Seguindo o tradicional modelo do golpismo militar português, a partir de um pronunciamento fora da capital, neste caso em Braga, o movimento repercute-se por todo o país com um grande número de unidades militares a proclamar logo nesse dia e ainda maior número no dia seguinte, 29 de Maio, a sua adesão ao golpe. Em Lisboa, verdadeiro alvo do movimento, uma Junta de Salvação Pública lança um manifesto que Mendes Cabeçadas se apressa a entregar aBernardino Machado, o cada vez mais isolado Presidente da República.
Logo a 29 de Maio, a guarnição de Lisboa adere em massa ao golpe de Gomes da Costa, já sob a liderança de Mendes Cabeçadas, que com Armando Humberto da Gama Ochoa, Jaime Baptista e Carlos Vilhena formam a revolucionária Junta de Salvação Pública. Nesse mesmo dia os sublevados obtêm o apoio de Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, o temido comandante da polícia da capital. Nessa tarde, isolado e sem meios ou vontade de resistência, o governo de António Maria da Silva apresenta a sua demissão a Bernardino Machado.
Consumada a demissão do governo, a 30 de Maio Bernardino Machado convida Mendes Cabeçadas a formar governo. Este aceita e assume as funções de presidente do Ministério, acumulando interinamente todas as outras pastas. Igualmente nesse dia, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral é nomeadogovernador civil de Lisboa, consolidando a tomada efectiva do poder na capital. Perante a estabilidade conseguida e ultrapassado o risco de confrontos, Gomes da Costa dá ordem a todas as forças militares golpistas disponíveis para avançarem sobre Lisboa. Estava concluída a fase militar do pronunciamento.
A vertente civil prosseguiu com igual celeridade: nomeado o governo, a 31 de Maio Mendes Cabeçadas manda expedir, significativamente através da secretaria do Ministério da Guerra, a ordem para se encerrar o Congresso da República Portuguesa. Era o fim oficial do parlamentarismo português. Perante a afronta, isolado e sem meios de resistência, nesse mesmo dia Bernardino Machado resigna, entregando a chefia do Estado a Mendes Cabeçadas.
Nesse mesmo dia, numa declaração que retrata bem o espírito que se instalara em Lisboa, o major Ribeiro de Carvalho, apelava na imprensa a que se repetisse o modelo da Regeneração de 1851, com uma política ampla e de generosa conciliação nacional, ao mesmo tempo que salientava que a vitória da revolução é, antes de mais nada, um triunfo da opinião pública. Os revoltosos venceram porque ninguém estava disposto a sacrificar-se por um governo que não traduzia os votos da nação.
Aparentando não ter um projecto claro de tomada do poder, o general Gomes da Costa, ainda em Coimbra na sua marcha sobre Lisboa, anuncia a 1 de Junho a formação de um triunvirato por si presidido, incluindo Mendes Cabeçadas e Armando Humberto da Gama Ochoa. Contudo, numa primeira cisão, Gama Ochoa retira-se, recusando a solução.
Entretanto, de vulgar golpe militar, o movimento iniciado a 28 de Maio tinha-se transformado numa vastíssima coligação mestiça de republicanos conservadores, monárquicos e nacionalistas revolucionários com um núcleo de jovens oficiais, apoiado e aceite por todos os sectores sociais e pela esmagadora maioria dos portugueses. A 3 de Junho as tropas de Gomes da Costa chegaram a Sacavém de comboio e entraram em Lisboa sem sabotagens, nem resistência. Gomes da Costa prefere aguardar a formação de governo estável e a preparação de uma marcha triunfal antes de entrar em Lisboa e dirige-se para a Amadora, onde permanece com o seu estado-maior.
Entretanto, nesse mesmo dia 3 de Junho, em Lisboa Mendes Cabeçadas organiza o novo governo, entregando a Gomes da Costa as pastas da Guerra e interino da Marinha e Colónias. Para as Finanças escolhe António de Oliveira Salazar, para a Instrução Pública, Joaquim Mendes dos Remédios, para a Agricultura, Ezequiel Pereira de Campos e para a Justiça, Manuel Rodrigues Júnior. Três dos ministros escolhidos (Mendes dos Remédios, Manuel Rodrigues e Oliveira Salazar) são professores da Universidade de Coimbra, tendo por isso ficado jocosamente conhecidos pela Tuna de Coimbra.
Mas a incerteza é grande, estando cada vez mais clara que a solução bicéfala Gomes da Costa-Mendes Cabeçadas é insustentável. Daí que os ministros da Tuna de Coimbra decidam, a 4 de Junho, fazer uma primeira paragem na Amadora, onde permanece Gomes da Costa, para conhecerem a real intenção do novo poder. Desse encontro resulta que Mendes dos Remédios e Manuel Rodrigues prosseguem para Lisboa e tomam posse, mas Oliveira Salazar, mais timorato, volta para Coimbra no dia seguinte.
Preparado cenário, a 7 de Junho o general Gomes da Costa toma posse das pastas para que fora nomeado e comanda um impressionante desfile militar de vitória ao longo da Avenida da Liberdade. Desfilam 15 000 homens perante o aplauso de centenas de milhar de pessoas. Está terminada a marcha sobre Lisboa e o novo poder está completo nas suas vertentes militar e civil.
A estabilização no poder e as lutas fratricidas
As consequências da estrutura bicéfala do poder e excessiva abrangência da coligação mestiça não permitiam uma agenda comum. O governo presidido por Mendes Cabeçadas, que era simultaneamente o chefe de Estado, já que fora nele que resignara Bernardino Machado, não era compatível com a liderança real, ou pelo menos esperada, do general Gomes da Costa, o herói do 28 de Maio e o comandante da Parada da Vitória que tinha percorrido a Avenida da República a 7 de Junho. Daí que as tensões e as lutas fratricidas entre os novos senhores do poder não se fizessem esperar.
Desde logo Mendes Cabeçadas, revolucionário de uma linha moderada, julgava ainda ser possível constituir um governo que não pusesse em causa o regime constitucional, mas apenas livrasse Portugal da nefasta influência do Partido Democrático. No entanto, os demais líderes do movimento, entre os quais Gomes da Costa e Óscar Carmona, julgavam-no como sendo incapaz de liderar a desejada regeneração e, no fundo, o último vestígio do regime constitucional da Primeira República. Foi assim que após uma reunião dos revoltosos no seu quartel-general em Sacavém, realizada a 17 de Junho de 1926, o comandante Mendes Cabeçadas foi forçado a renunciar às funções de Presidente da República e de Presidente do Ministérios a favor do general Gomes da Costa. Era um golpe palaciano que punha fim à bicefalia do novo regime e dava novo passo em direcção à direita conservadora, afastando-o mais da herança parlamentar do regime anterior. Mendes Cabeçadas parte para o exílio.
Nesse mesmo dia 17 de Junho Gomes da Costa toma posse como Chefe de Estado e como Presidente do Ministério, assumindo interinamente todas as pastas. Esta solução leva a que logo a 19 de Junho seja formado um novo Ministério, presidido por Gomes da Costa, tendo como ministros no Interior,António Claro, nas Finanças, Filomeno da Câmara de Melo Cabral, na Marinha e Colónias, Gama Ochoa, na Instrução Pública, Artur Ricardo Jorge, na Justiça, Manuel Rodrigues Júnior e nos Negócios Estrangeiros, António Óscar de Fragoso Carmona.
Apesar da constituição de novo governo e do afastamento de Mendes Cabeçadas, a instabilidade cresce e logo a 6 de Julho dá-se uma remodelação do gabinete, com Gomes da Costa a assumir a pasta do Interior, Martinho Nobre de Melo a dos Negócios Estrangeiros, e, por apenas algumas horas, João de Almeida na Marinha e Colónias. A remodelação falha e cria-se um corrupio de nomeações e demissões que leva algumas horas mais tarde, a nova recomposição, com a substituição de António Claro, Óscar Carmona e Gama Ochoa, logo substituídos por Gomes da Costa, Martinho Nobre de Melo e João de Almeida.
Esta trapalhada governativa leva a que os ministros não atingidos pela recomposição, à excepção de Filomeno da Câmara, se declarem solidários com os restantes e o governo efectivamente colapsa. As forças mais conservadoras, agora lideradas por Óscar Carmona, assumem a liderança e a 8 de Julho o general Gomes da Costa é feito prisioneiro no Palácio de Belém, sendo posteriormente transferido para Caxias e Cascais, onde aguarda, sob prisão, a sua deportação para Angra do Heroísmo, nos Açores. A revolução acabava de destruir o seu principal obreiro e criador.
A 9 de Julho é a vez de António Óscar Fragoso Carmona formar governo, no qual acumula a Presidência do Conselho com a pasta da Guerra. Pouco mais de um mês depois da revolta, o 28 de Maio encontra finalmente uma linha de força no grupo conservador e nacionalista liderado por Óscar Carmona. Acoligação mestiça entra num processo de rápida perda de abrangência e começam a predominar os que sonham imitar a experiência de Primo de Rivera e o fascismo mussoliniano. Apesar disso, tudo ainda era possível: desde um regresso mais ou menos musculado à ordem republicana até à própria instauração de um novo regime, já que o regime ainda se resumia a uma ditadura militar periclitante, à mercê de todas as conspirações e golpes.
A primeira intentona dá-se a 11 de Julho, a partir de Chaves, com a sublevação do capitão Alfredo Chaves, a qual foi prontamente jugulada. No mesmo dia, Gomes da Costa parte para o exílio em Angra do Heroísmo. Fechava-se o ciclo, e o a partir daí o regime caminharia inevitavelmente para a direita, para a censura e para a progressiva supressão das liberdades cívicas que ainda sobreviviam. Os democratas e a esquerda radical ficavam reduzidos ao reviralhoe aí permaneceriam até 1974.
O Reviralho
Ficou conhecido como Reviralho, ou Reviralhismo, o conjunto de movimentos resultantes directa e indirectamente da acção política desenvolvida pela oposição republicana, democrática e liberal, entre os anos de 1926 e 1940.
Neste período, mas mais fortemente entre 1926 e 1931, enquanto o ímpeto insurreccional da década anterior não se esbatia e a ditadura não ganhava raízes, o Reviralhismo constituiu-se como a mais importante frente de combate à Ditadura Nacional e, depois de 1933, ao nascente Estado Novo.
Depois de 1931, o reviralhismo foi perdendo força, acabando por desaparecer a partir de 1940, em parte devido à consolidação do Estado Novo e em parte devido ao ambiente social e político criado pela Guerra Civil de Espanha e pelo advento da Segunda Guerra Mundial, o qual desaconselhava aventuras insurreccionais. Outro forte contributo para o termo do reviralhismo resultou do repatriamento, em 1939 e 1940, dos principais líderes reviralhistas, em particular dos que se haviam fixado em Paris e que agora eram obrigados a capitular e regressar a Portugal face ao alastrar da guerra na Europa.
Com o fim do reviralhismo entrou-se num longo período de estabilidade político-institucional que apenas seria quebrado pelos acontecimentos que levaram ao 25 de Abril de 1974.
Da Ditadura Nacional ao Estado Novo
Consolidada a vitória do golpe, as forças vitoriosas, comandadas pelo general Gomes da Costa montado no seu cavalo, desfilam a 6 de Junho de 1926 pela Avenida da Liberdade, em Lisboa. Recebem então o aplauso da esmagadora maioria do lisboetas, cansados da instabilidade e traumatizados pelos constantes golpes e contra-golpes e pelos atentados terroristas que ao longo de toda a década se tinham sucedido a um ritmo alucinante. Era mais uma vez a recorrente regeneração nacional que se perfilhava no horizonte qual luz ao fim do túnel em que a desacreditada Primeira República Portuguesa desembocara.
Em consonância com os tempos que se viviam na Europa, o novo poder assumiu-se como antiparlamentar, atribuindo as culpas do caos que se instalara no país à política partidária e ao jogo do parlamentarismo. Assim, assume-se como uma ditadura militar, que em pouco tempo se passou, em desafio claro ao parlamentarismo democrático, a auto-denominar a Ditadura Nacional, encarnando um regime militar progressivamente maisautoritário.
Numa das suas primeiras medidas, o general Gomes da Costa dissolveu o parlamento, instituição então muito vilipendiada e acusada de ser principal causador da instabilidade política, e suspendeu as liberdades políticas e individuais. No entanto, a nova ditadura era instável porque o movimento militar não tinha projecto político definido e não conseguiu resolver os problemas económicos.
Para resolver a situação económico-financeira, o novo regime, em 1928, convidou o professor coimbrão António de Oliveira Salazar para assumir as funções de Ministro das Finanças. Salazar passou a anunciar um milagre financeiro, com o equilíbrio das finanças públicas e estabilidade do Escudo português, ganhando um progressivo domínio sobre a estrutura política, e depois militar, do novo regime. Em consequência, foi nomeado Presidente do Conselho de Ministros (Primeiro-Ministro), em 1932. Com esta nomeação, em linha com o crescente peso do nacionalismo e do fascismo na Europa, o regime foi-se estabilizando e ganhando um pendor cada vez mais autoritário e repressivo, organizando-se como um Estado corporativista.
Foi assim que iniciado como mais um levantamento no seio da Primeira República Portuguesa, o golpe de 28 de Maio de 1926 veio originar o Estado Novo, um sistema político autoritário, antidemoliberal e anticomunista, nacionalista e corporativista, no contexto de uma lógica formalmente republicana que era concretizada, no dizer do manifesto da União Nacional de 1930, na ideia de uma República Nacional e Corporativa.
A transição completou-se com a aprovação da Constituição de 1933, a qual institucionalizou o Estado Novo, o herdeiro natural de Revolução Nacional, nome pelo qual o golpe de Estado do 28 de Maio de 1926 foi rebaptizado, regime que se manteria com poucas mudanças até à Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974.
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Portugal e a Ditadura Salazarista
O golpe desencadeado pelas forças armadas, em 1926, instaurou em Portugal, uma ditadura militar, tal como acontecia noutros países da Europa.
Contudo, a instabilidade política e os problemas económicos persistiram o que fez agravar o défice orçamental e a dívida externa do país. Foi neste contexto de grande instabilidade que o general Óscar Carmona foi eleito Presidente da República em 1928.
Ao entrar na presidência, Carmona convidou António Oliveira Salazar, professor na Universidade de Coimbra, para ministro das finanças. Este aceitou o lugar, na condição de supervisionar os ministérios e de ter direito de veto sobre os aumentos das despesas.
Salazar conseguiu aumentar em muito o valor das receitas do país, graças à redução das despesas da Saúde, Educação, dos funcionários públicos e de outras despesas.
Desde logo ele é considerado o salvador da Nação, tendo conseguido um imenso prestígio.
O seu poder incidia em criar um estado forte, que garantisse a ordem, o que não se verificava no período da Primeira República, entre 1910 a 1926.
Para ele um estado forte devia assentar essencialmente no reforço do poder executivo, em que seria o seu chefe. Assim, substituía-se um pluralismo partidário por um partido único e abolia-se os sindicatos livres.
Em primeiro lugar, Salazar, defendia a preservação de valores tradicionais tais como Deus, Pátria e Família, de modo a formar uma sociedade educada e com bons princípios de moral.
O estado forte caracteriza-se ainda pelo imperialismo colonial e nacionalismo económico, à semelhança de Mussolini e de Hitler.
Em 1933, foi nomeado Presidente do Conselho, começando desde logo a preparar o texto da futura Constituição.
A nova Constituição foi promulgada em Abril de 1933 e pôs fim ao período da ditadura militar. Desde então, iniciou-se um novo período de ditadura a que o próprio Salazar chamou de Estado Novo.
A nova constituição mantinha eleições por sufrágio universal directo e reconhecia as liberdades e os direitos individuais. No entanto, estes direitos estavam subordinados aos direitos da Nação.
Com este novo regime, proclamado por Salazar, o poder do Governo sobrepunha-se ao da Assembleia Nacional e o seu poder ao do Presidente da República.
O poder era de tal modo repressivo, que as liberdades individuais, de imprensa, de reunião e direito à greve foram seriamente restringidas.
A influência de Salazar dominava todos os sectores da vida portuguesa, em que o período do Estado Novo é, muitas vezes, denominado de “salazarismo.”
Em 1936, além de chefiar o Governo, Salazar era titular da pasta das Finanças da guerra e dos Negócios Estrangeiros.
A Legião portuguesa que caracteriza o fascismo, bem como a Mocidade portuguesa, usavam uniformes próprios e adoptaram a saudação romana.
Os direitos dos cidadãos foram muito limitados, bem como as suas liberdades. Em 1926 tinha sido instituída a censura aos meios de comunicação social, teatro, cinema, rádio e televisão. Ela visava supervisionar todos os assuntos políticos, religiosos e militares.
O seu objectivo era impedir a divulgação de actividades contra o governo, bem como escândalos de vária ordem. Alguns livros eram proibidos e impedia-se a opinião pública livre. De modo que, podemos dizer que tudo era controlado.
Havia ainda, neste regime, uma polícia política com funções de repressão de crimes políticos criada em 1933.
A característica PIDE utilizava a tortura, física e psicológica, para obter confissões e denúncias, mandava prender, opositores ao regime, violava correspondência e invadia residências. Possuía ainda uma grande rede de informadores nas escolas, no trabalho e nos centros de convívio.
Todos estes meios do período salazarista ajudaram a consolidar o poder de Salazar e a manter a ordem. O ensino era controlado através da adopção de manuais únicos que ensinavam os valores do Estado Novo.
Assim, no tempo da ditadura Salazarista, até mesmo a mente das pessoas era influenciada pelos ideais da política salazarista.
ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR
Político e estadista: 1889 - 1970
QUANDO TUDO ACONTECEU...
1889: Nasce em Vimieiro, Santa Comba Dão. - 1914: Em Coimbra, conclui o curso de Direito. - 1918:Lente de Ciência Económica. - 1926: Após o golpe de 28 de Maio é convidado para Ministro das Finanças; ao fim de 13 dias renuncia ao cargo. - 1928: É novamente convidado para Ministro das Finanças; nunca mais abandonará o poder.- 1930: Presidente do Conselho de Ministros; cria a União Nacional. - 1933: Faz ratificar a nova Constituição (corporativa); cria a PVDE, polícia política; proíbe as oposições, impõe o partido único, regime totalitário. - 1936: Na Guerra Civil de Espanha apoia Franco; cria a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa; abre as colónias penais do Tarrafal e de Peniche - 1937: Escapa a um atentado dos anarquistas.- 1939: Iniciada a Segunda Guerra Mundial, Salazar conseguirá manter a neutralidade do país. - 1940: Exposição do Mundo Português. - 1943:Cede aos Aliados uma base militar nos Açores. - 1945: A PIDE substitui a PVDE. - 1949: Contra Norton de Matos, Carmona é reeleito Presidente da República; Portugal é admitido como membro da NATO. - 1951: Contra Quintão Meireles, Craveiro Lopes é eleito Presidente da República. - 1958:Contra Humberto Delgado, Américo Tomás é eleito Presidente da República; o Bispo do Porto critica a política salazarista - 1961: 22/01, assalto ao Sta. Maria; 04/02, assalto às prisões de Luanda; 11/03, tentativa de golpe de Botelho Moniz; 21/04, resolução da ONU condenando a política africana de Portugal; 19/12, a União Indiana invade Goa, Damão e Diu; 31/12/61 para 01/01/62, revolta de Beja. -1963: O PAIGC abre nova frente de batalha na Guiné. - 1964:A FRELIMO inicia a luta pela independência, em Moçambique. - 1965: Crise académica; a PIDE assassina Delgado. - 1966: Salazar inaugura a ponte sobre o Tejo. - 1968: Salazar cai de uma cadeira e fica mentalmente diminuído. -1970: Morte de Salazar. |
POBRE, FILHO DE POBRES |
Esta cadeira está desengonçada mas arrisco-me. Gosto muito de estar sentado aqui ao sol, no terraço do Forte de Santo António do Estoril, a contemplar a foz do Tejo e o oceano. É o meu único luxo, sou pobre, filho de pobres. No exílio, uma vez a rainha D. Amélia disse que, se pudesse, de mim faria o rei de Portugal. Enganou-se. Eu gostava era de ter sido primeiro ministro de um rei absoluto. Só consigo estar no Governo porque nunca saio da rotina. Como conseguiria aguentar estes anos todos a concorrer a eleições, a ir ao Parlamento responder a perguntas, a correr a inaugurar coisas? Não, rei não quis, nem quero ser; sou pobre, filho de pobres. Tenho aversão a espalhafatos. Admirei o Mussolini, depois fartei-me dele. Cheguei a ter o seu retrato em cima da minha secretária, foi homem que fez obra. Mas irritou-me a forma aparatosa de estar na vida. Por motivo idêntico também não gostei do António Ferro, nem do Duarte Pacheco, nem do Henrique Galvão e nem do Humberto Delgado. Despeitados, os dois últimos acabaram por me trair. Ao Duarte Pacheco, que também fez obra, Deus mandou que morresse num desastre de viação. Mas ao António Ferro, fui eu que o deixei cair em 1949, os tempos eram outros e já me incomodava o estrondo da sua propaganda. Tanto, que depois privatizei a política da acção cultural. Sem encargos para o Estado, Azeredo Perdigão, o mecenas vermelhusco, com a sua Fundação Gulbenkian é que passou a ser o meu Ministro da Cultura. Mas disto ele não sabe, nem sequer suspeita. Contudo o Ferro, às vezes, até descobria coisas com interesse. Foi ele quem achou a minha imagem nos painéis de S. Vicente. Num lado o Infante de Sagres e eu no outro. Dois homens de gabinete. Um, a mandar as caravelas à descoberta do mundo. Outro, que é pobre, filho de pobres, a mandar Portugal seguir em frente. | |
MULHER, FAMÍLIA, FILHOS?
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Os povos antigos, ou são tristes ou são cínicos; a nós, portugueses, coube ser tristes. É frase lapidar e assim descarto o cinismo que me assacam. Somos povo sorumbático mas, espicaçados, em heróis nos convertemos. Somos povo fincado à terra mas, espicaçados, metemo-nos a caminho e damos novos mundos ao mundo. Amália Rodrigues anda lá por fora a promover a tristeza que será nossa. Não gosto de fados mas a tristeza dá-me jeito. Sejam tristes, não me aborreçam, eu é que sei o que é bom para todos, eu é que sei quando devo espicaçar. Aos fins de semana as minhas afilhadas chegam a meter em S. Bento uma dúzia de amigas e colegas. É um bando de raparigas a palrar de manhã até à noite. Isto, realmente, não é tristeza, mas algazarra que eu suporto, aliás a única. Verdes meninas a chilrear, deleite meu... As minhas afilhadas... Nas férias mandei a mais velha visitar a mãe. E ela foi, mas não correu bem o reencontro, quem me contou foi a Maria. A rapariga perguntou à mãe por que motivo é que a filha de uma simples rural vivia em Lisboa com o Presidente do Conselho. Perguntou mais: - Senhora, quem é afinal o meu pai? E a mãe não soube o que responder, baixou os olhos, corou. Tola, foi sempre tola... Não posso perder tempo com estas coisas, importante é a incumbência que Deus me deu. Mulher, família, filhos? Julia Perestrelo, a fidalguinha, não aceitou a minha corte. Embora sendo eu estudante já com prestígio, continuava a ser ainda, e apenas, o filho do feitor de uma herdade da família. Quando me arrimei à Julia, a sua mãe, que é também minha madrinha, apontou-me o dedo: - Não esqueça os tamancos do seu pai. Pôs-me no meu lugar, pobre, filho de pobres. Mas se a fidalguinha não quis, ou não pôde querer, outras quiseram, outras querem. Cada vez eu sonho mais com as mulheres da minha vida: Felismina, a potrazinha de Viseu; Maria Laura, mulher do próximo e eu a cobiçá-la, pecador me confesso; Carmen Lara, a espanhola; Carolina, a viúva aristocrata, essa quase me leva ao matrimónio, os monárquicos queriam muito, travei a tempo; e Christine, a francesinha, vendaval de simpatia, sedução; e tantas outras... Ainda hoje, muitas delas, vêm ao castigo em S. Bento, até viscondessas e marquesas. Ali mesmo no jardim, moita frondosa, fidalgas e um pobre, filho de pobres, a revidar... Deus isentou-me da paternidade porque me reservou para missão maior. Ainda bem, prefiro o respeito ao amor. Mas um homem tem as suas necessidades e fidalgas não há sempre ao meu dispor. O que é preciso é compostura. Algumas vezes, a meio da noite, Manuel, o meu guarda-costas de confiança, leva-me a um certo clube só para cavalheiros da alta, fica ali no Largo do Andaluz. Sem outras testemunhas, num quarto há sempre uma mulher nova e bonita à minha espera, muito asseada, primeira apanha. Talvez enfermeira, ou telefonista, ou costureira, coitaditas... Nada pergunto, apenas me sirvo. Tudo muito discreto, tudo pela surda. Já dizia S. Tomás de Aquino: se não podes ser casto, sê cauto ao menos. |
MARIA | |
Maria fica enciumada com as cenas do jardim, sou eu a sua paixão secreta. Sei disso, mas não o demonstro, avassalo. Não se lamenta, não abre a boca, virgem fiel, fidelíssima, sempre à espera de quem se nega a desvirgá-la. Está comigo desde a "República dos Grilos", em Coimbra, onde já era a governanta. Fala-me é das serras e da neve, da Primavera a romper, do gado, do milho a desfolhar, das eiras, das alfaias e da lavoura. Também se queixa das criadas lerdas no casarão de S. Bento, e das vendedeiras do mercado que tentam roubá-la nos preços, que a cidade não tem emenda, é só ladrões. Gosto de ouvi-la, entretém-me. Está sempre a vigiar quem me visita, cão de guarda. Um dia aponto-lhe os Ministros que acabam de sair do meu gabinete e digo-lhe que eles deviam era estar na cadeia. Pergunta-me por que não os mando então prender. Respondo que não vale a pena, pois já roubaram tudo o que tinham para roubar. Ela sabe que roubar, eu cá não roubo. Apenas deixo que uns tantos roubem para que melhor me sirvam. Mas isto a Maria não pode entender, é muito ignorante. |
MOCIDADE | |
Passo oito anos no Seminário de Viseu. É a única oportunidade de um pobre, filho de pobres, poder estudar. Católico fui, sou e serei sempre, mas não vocacionado para a vida eclesiástica. Sei que Deus tem para mim outros desígnios. Renuncio ao Seminário e entro como vigilante e professor no Colégio da Via Sacra, do cónego Barreiros. Em Agosto de 1910, ainda em Viseu, dou uma conferência sobre a "Educação da Mocidade": - Sabei que a vontade deve ser educada no amor a Deus e ao próximo, no amor à família, à honra e à dignidade, ao trabalho e à verdade. Sou muito aplaudido, ali há gente de boa cepa. Em Outubro do mesmo ano vou matricular-me na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. A mãe da Julinha é quem me paga a mesada, esmola ao filho do feitor. Recordo a "República dos Grilos", onde também se hospeda o Manuel Cerejeira. E a Universidade, a discussão de ideias, os filhos de família a beberem as palavras de um pobre, filho de pobres... Distingo quatro ou mais grupos, cada qual a terçar armas pelas minúcias do respectivo ideário. Assim vão esquecendo o essencial que pode e deve unir a todos. Um dos grupos, de gente mais velha, só pensa na restauração monárquica com um príncipe do ramo miguelista. Bem os entendo: se voltar a monarquia, antes um rei absoluto do que um liberal. Um outro grupo é mais extremado, anos depois tomará como modelo ideal de Estado a Alemanha de Hitler. Um terceiro é apologista da violência física; mais tarde passará a falar em "burguesia" e "capitalismo" a ver se, à moda italiana, cativa o operariado; este grupo será um dia comandado por Rolão Preto, o qual acabará por fundar o Movimento Nacional Sindicalista para me fazer oposição, pois eu não corresponderei ao Chefe espalhafatoso pelo qual anseiam. Um quarto grupo, de gente moça, a que depois se juntarão Teotónio Pereira e Marcelo Caetano, já fala em corporativismo de inspiração cristã. Todos lêem, comentam, interpretam e reinterpretam os textos do António Sardinha, do Sorel e do Maurras, também as encíclicas de Leão XIII. Todos se dizem mais ou menos integralistas. É urgente aglutinar toda aquela gente. Começo por participar na reorganização do CADC - Centro Académico da Democracia Cristã. Em 1912 sou eleito 1.º secretário da direcção. O vice-presidente é o Manuel Cerejeira. Quem sempre me apoia é o Santos Costa; um dia será general e meu sempre fiel Ministro da Guerra. Entretanto concluo o curso de Direito e sou logo chamado para leccionar. Em 1918 já sou lente de Ciência Económica. Em 1921 sou eleito deputado pelo círculo de Guimarães nas listas do CCP - Centro Católico Português. Assisto a umas poucas sessões e logo renuncio ao mandato, tamanha é a confusão na Câmara. Depois, sem pressas, no CCP dedico-me a gerir as diferenças entre os vários grupos que o integram, como já integravam o CADC. Ponho em evidência aquilo que afinal a todos nos une: a fé inabalável em Deus, na Pátria e na Família. Conforme as circunstâncias o exigem, ora apoio um grupo, ora outro, contra os restantes. Já Maquiavel dizia que a máxima dos sábios dos nossos dias consiste em esperar o benefício do tempo. |
1936: agitação vermelha vaza de Espanha para Portugal. Reagimos: barreira militar, Legião Portuguesa, cruz de Aviz, invocação de Aljubarrota! Mando que os meus legionários vistam camisas verdes, assim não se confundem nem com a milícia do Rolão Preto, nem com a Falange do Franco. São convocados os funcionários do Estado e todos aderem à Legião; os incapazes de exercícios militares, juram fidelidade ao regime. No mesmo ano crio a Mocidade Portuguesa, também camisas verdes. Ali os rapazes aprendem a amar e a defender a Pátria, bravos lusitos. E nas escolas imponho um livro único, passaporte para Deus, Pátria e Família. Nacionalistas, legionários e lusitos, de braços estendidos em saudação romana, andam sempre a marchar pelas ruas, congregam multidões, fazem grande alarido: - Quem vive? - Portugal, Portugal, Portugal! - Quem manda? - Salazar, Salazar, Salazar! Contudo, para além da algazarra à superfície, detecto o profundo silêncio da Nação. Somos tristes, eu o disse, mas há aqui um excesso de tristeza. E isto é perigoso, a caldeira do silêncio também pode explodir. Há que montar uma válvula de escape. Chamo ao meu gabinete os homens da Censura. Digo-lhes que aliviem o rigor sobre as revistas do Parque Mayer, que alarguem o espartilho e deixem passar as alusões à minha pessoa, desde que não sejam ofensivas. E o público sacode-se a rir com os números do António da Calçada ou do Santo Antoninho da Estrela. Só mando cortar O Botas. É alcunha de mau gosto. Não se pode brincar com um defeito físico que me obriga a usar botas ortopédicas, daquelas de elástico, para disfarçar. Também chamo ao meu gabinete o Agostinho Lourenço. Digo-lhe o que direi mais tarde ao Silva Pais: - É conveniente que os descontentes tenham sítios onde possam desabafar sem perturbar mais ninguém. Os Cafés podem servir para isso. Quanto mais estrondosas são as gargalhadas no Parque Mayer e quanto mais se conspira nos Cafés, mais avassala a minha ausência, omnipresença. | |
UNGIDO? | |
Por três vezes o Maligno tenta abater-me. Primeira: em Janeiro de 1934 os comunistas convocam greve geral e tentam implantar um soviete na Marinha Grande. São cercados e vencidos. Segunda: em Setembro de 1936 marinheiros comunistas rebelam-se. Mando que a artilharia da costa os bombardeie e afunde. Terceira: em Julho de 1937, quando me dirijo para a missa, sofro um atentado à bomba mas escapo ileso. Bem sei que foram os anarco-sindicalistas. Mas eles já são tão poucos, que não vale a pena mencioná-los. Acuso os comunistas. Daqui para a frente, quem me atacar passa a ser comunista, eles é que são o inimigo principal. Consequências do atentado são a comoção nacional, as mensagens de solidariedade, os cortejos, as manifestações, as missas Te Deum. Uma única vez surjo em público, a agradecer. Não me apetece, sou avesso a estas coisas, mas lá declaro à multidão: - Somos indestrutíveis! Porque a Providência assim o destina e na Terra vós o quereis. Ungido de Deus? Não sei, talvez... Sei apenas que, quatro séculos antes de nascer, eu já fora colocado lado a lado com o Infante de Sagres, predestinação... | |
AS GUERRAS DOS OUTROS | |
Nacionalistas espanhóis começam a gritar os nomes de Primo de Rivera, Sanjurjo e Franco e rebelam-se contra o Governo dos vermelhos. Assumo também a pasta dos Negócios Estrangeiros. Temo que, se vencerem os rebeldes, queiram mais tarde anexar Portugal como província espanhola, ambição que herdaram dos Filipes. É perigo menor e longínquo. Mas se venceram os vermelhos, o bolchevismo alastrará de imediato a Portugal, quer por intervenção militar, quer por contágio. Perigo maior, de vida ou de morte, é pois a vitória dos vermelhos. Há que ajudar a derrotá-los. E ajudamos: Numa primeira fase ponho à disposição dos rebeldes os nossos portos e os nossos caminhos de ferro para o aprovisionamento de víveres, armas e munições. Numa segunda fase, também permito que os meus legionários arregimentem 8000 voluntários para combater o bolchevismo em Espanha. São os nossos Viriatos. A Alemanha e a Itália apoiam os nacionalistas espanhóis. A França e a Inglaterra optam pela não-intervenção e assim condenam à derrota os vermelhos. Para alguma coisa havia de nos servir a Democracia nesses dois países... Vencedor da guerra civil, e incentivado pelo falangista Serrano Suñer, Franco pensará agora anexar-nos. Mando avisá-lo: mal as suas tropas se concentrem na fronteira, de imediato accionarei o velho Tratado de Aliança entre Portugal e o Reino Unido. Repare ele que a Segunda Guerra Mundial não tarda aí, a guerra civil que devastou a sua Espanha foi o ensaio geral. E que se os nacionalistas espanhóis se sentem obrigados a alinhar com a Alemanha, eu sinto-me obrigado a alinhar com a Inglaterra em virtude da nossa Aliança. Se tal acontecer, sacrificados aos interesses de outras potências serão os nossos povos. Realço ainda que os regimes de Espanha e Portugal são idênticos: católicos, autoritários, antiliberais, antiparlamentares e antidemocráticos. Será sinal que Deus nos manda para se constituir aquém Pirinéus um bloco neutral, nem a favor da Grã-Bretanha, nem a favor da Alemanha, mas só a nosso favor. Assim defenderemos os povos da Península e a sobrevivência dos nossos regimes. Ou não estais vós, espanhóis, cansados de tanta guerra? Eu, por meu lado, para evitar envolver-me no próximo conflito europeu, já declarei publicamente: - Somos sobretudo uma potência atlântica, presos pela natureza à Espanha, política e economicamente debruçados sobre o mar e as colónias. Depois de muitas discussões, de avanços e recuos, a 13 de Março de 1939 consigo finalmente assinar com a Espanha o Tratado de Amizade e Não Agressão. Vencido o bolchevismo espanhol, que era o perigo maior, assim desarmo o menor. Ao mesmo tempo alivio a pressão britânica sobre o meu Governo; por causa de Gibraltar e do acesso ao Mediterrâneo, convém-lhes a neutralidade da Península. E a Alemanha desistirá de forçar a Espanha a entrar em guerra. Há muitas formas de matar pulgas, diria a Maria... | |
O DEDO DE DEUS | |
Em 1940 assino a Concordata com a Santa Sé. Não vou restaurar o poder da Igreja, não lhe devolvo os seus haveres expropriados pela República em 1911, não vou abolir o divórcio. Mas isento a Igreja e o clero do pagamento de impostos ou contribuições, quaisquer que sejam. Deus, Pátria e Família, é evidente, mas quem manda sou eu! É um bom acordo para a Igreja e o Manuel Cerejeira sabe disso. Na carta pastoral de 1942, bodas de prata das aparições de Fátima, os bispos já dizem que, nas mudanças operadas da Primeira República para o Estado Novo, poder-se-á ver o dedo de Deus. E em 1945, a propósito de uma outra visão da Irmã Lúcia, o Cerejeira escreve-me: "O facto de ser a nossa paz um favor do Céu (predito pela Irmã Lúcia), não te tira nem diminui o mérito. Pelo contrário, faz de ti um eleito, quase um ungido de Deus. Foste tu o escolhido para realizar o milagre". Até que enfim... | |
O MUNDO PORTUGUÊS | |
"A nossa paz...", dirá a Irmã Lúcia. Antecipo: a paz que eu forjei e o passado glorioso que me forjou. Os heróis é que fazem a História, não são os povos. Felizes os povos que têm heróis a conduzi-los. Ontem demos novos mundos ao mundo, hoje somos um oásis de paz num mundo em guerra. É isso mesmo que torno evidente em 1940, com a Exposição do Mundo Português. Ali mesmo, à beira-Tejo, não muito longe de onde partiram as naus do Vasco da Gama. Comemoramos oito séculos sobre a Fundação da nacionalidade em 1140, e três sobre a da Restauração, em 1640. Dois homens me ajudam a planear a Exposição: António Ferro com epopeias escritas, faladas, esculpidas e pintadas e Duarte Pacheco com a imponência dos pavilhões. Um, é o meu Ministro da Propaganda. Outro, é o meu Ministro das Obras Públicas, que já as fez sumptuosas, como convém que sejam as do Estado. Dois frenéticos que, por ora, me servem bem. Mando que na Exposição também sejam alojados, em palhoças, uns tantos pretos e pretas, adultos e crianças, primitivos que retirámos da selva... Que todos admirem a obra dos nossos missionários em África! Aquele pretos, bem doutrinados, bons cristãos podem ainda vir a ser. De segunda ou terceira, porém cristãos. | |
NÃO TEM CHEIRO... | |
Durante a guerra a Grã-Bretanha reduz drasticamente as suas compras a Portugal. Não posso morrer à míngua e começo a vender volfrâmio e estanho aos alemães. Os britânicos protestam e eu também passo a vender-lhes volfrâmio e estanho. Bem sei que isto vai ter de parar um dia, ou vendo para um lado, ou vendo para o outro. Mas enquanto puder vender para os dois, venderei. Todo o dinheiro traz agarrado a si miséria e sangue. Mas não tem cheiro. | |
REFUGIADOS | |
Salazar acolhe refugiados judeus. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica!
| Por causa do volfrâmio, não pensem os alemães que rompi a neutralidade e passei para o lado deles. Andam à caça de judeus? Pois saibam eles e vejam os ingleses que recebo milhares de refugiados judeus em trânsito para a América. E que não os interno em campos de concentração, mas hospedo-os em hotéis perto do mar, nas Caldas da Rainha, na Figueira da Foz. Mas quando, em 1945, Hitler se suicidar, para escândalo dos ingleses mandarei pôr a bandeira nacional a meia haste. Somos um povo de brandos costumes, matriz cristã, fazer bem sem olhar a quem. Porém independentes, sempre. Em nós ninguém manda, nunca! Ontem não mandaram os espanhóis, eles que se lembrem de Aljubarrota. Durante a guerra, nem alemães, nem ingleses mandam em nós. No pós guerra, nem americanos, nem ingleses hão-de mandar. Ninguém, nunca! Não posso é consentir que, durante a guerra, por conta própria, sem ordem superior, Aristides Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus, esteja a passar milhares e milhares de vistos a refugiados judeus. Para se tirar o apetite a outros possíveis prevaricadores, mando que seja demitido e punido de forma exemplar! Ai este sentimentalismo doentio a que chamamos bondade... |
ESPIONAGEM | |
Alemães e ingleses precisam espiar-se uns aos outros, precisam conversar secretamente uns com os outros, e estão a usar Lisboa como base operacional. Pois que usem, desde que não interfiram com a nossa política interna e para essa eventualidade a PVDE está alertada. É forma de evidenciar a nossa neutralidade, é forma de arrecadar mais algumas divisas. | |
SOBREVIVÊNCIA | |
Sou muito instado mas adio a decisão, o que provoca acessos de fúria naquele gordo inglês fumador de charutos. Só em 1943, quando vejo que a Alemanha já não pode ganhar a guerra, é que cedo aos Aliados uma base militar nos Açores. A imprensa deles insulta-me, que eu sou nazi-fascista, que nós fazemos a saudação romana, que a Legião Portuguesa festejou publicamente as vitórias do Eixo, que os legionários são os meus "camisas negras", apesar de verdes serem elas. Os cães ladram mas a caravana passa... Acabo de garantir a sobrevivência do meu regime. No pós-guerra, na Europa ocidental são muito apreciados os legalismos. Consequência: o número de possessos que faz o jogo da Rússia, não pára ali de aumentar. Inevitável é outra guerra. Aguardo o benefício do tempo enquanto vou encobrindo o que se passa por aqui: em 1945 transformo a PVDE em PIDE - Polícia Internacional e de Defesa do Estado e mando organizar os Tribunais Plenários. Nestes, antes dos julgamentos, já estão ditadas as sentenças; traição à Pátria pode dar até 20 anos de cadeia; os lugares para a assistência são todos ocupados por agentes da PIDE; advogados e testemunhas de defesa, se exorbitam, são calados à força. Depois de cumpridas as penas, os condenados podem levar mais uns anitos de reclusão, higiénicas medidas de segurança. Nos finais da guerra, apesar dos safanões, os comunistas cá de dentro (eles, sempre eles!) provocam agitação e greves de certa monta, mas aguento-me. Em 1947 outros comunistas sabotam-me aviões na base de Sintra. Entretanto é levantado o muro de Berlim e começa a guerra, embora fria. O meu regime foi sempre anticomunista. Em 1949 Portugal é admitido como membro da NATO. Valeu a pena aguardar o benefício do tempo... Só para inglês ver, também em 1949 finjo eleições livres para a Presidência da República. O candidato da Oposição é o Norton de Matos, um general maçom. Alega que nós controlamos os cadernos eleitorais e as mesas de voto e por isso desiste à boca das urnas. É reeleito o meu candidato General Carmona; de sete em sete anos, desde 1928, é o que lhe acontece; mas esta foi a reeleição mais espinhosa. Coitado do Carmona, vem a falecer em 1951 e eu tenho de convocar novas eleições. O candidato "reviralhista" é o Almirante Quintão Meireles. Recusamos a candidatura de Rui Luís Gomes, o comunista. Ele, e a sua quadrilha, levam até uns safanões a tempo. Naturalmente ganha o meu candidato, o General Craveiro Lopes. Lá fora os jornalistas continuam a ladrar, mas a caravana continua a passar. | |
VAZANTE | |
A caravana passa... Outra vez me levanto e passeio pelo terraço. O barquinho não conseguiu alcançar S. Julião da Barra e a vazante começa a arrastá-lo para o alto mar. Somos pobres, filhos de pobres. O Estado tem de ser forte e imponente para compensar a pobreza natural do nosso povo. Cuidem eles das suas hortas que do Estado cuido eu. Admirem e orgulhem-se das obras que mandei o Duarte Pacheco, e outros, construir de norte a sul da Nação. Admirem e orgulhem-se do Instituto Superior Técnico, do Estádio Nacional e da auto-estrada que o liga a Lisboa; admirem e orgulhem-se do Hospital Santa Maria em Lisboa, e do Hospital S. João no Porto, e dos Palácios da Justiça em Lisboa e no Porto, e das pontes, e dos viadutos, e das barragens do Cávado-Rabagão, e da Idanha-a-Nova, e do Castelo de Bode. Para admirar e orgulhar-se da nossa Pátria heróica, do nosso Estado forte, não é preciso ser-se instruído. Instrução, para quê? Basta saber ler e escrever e não é preciso que sejam todos. Se tiverem alguma dificuldade de entendimento, lá está o senhor padre para os aconselhar e orientar. Para as primeiras letras, e só para essas, mando construir uma rede de escolas pela Nação fora, e mais não é preciso. Se fôssemos todos doutores, quem iria amanhar a terra, quem iria amassar o pão, quem iria assentar tijolos? Não permito que a falsa sabedoria perturbe a inocência do nosso povo. Esconjuro a tal universidade popular desse tal Bento Caraça; é ateu, interfere com a lei divina, é comunista disfarçado de matemático, é demitido e preso. Manda quem pode e obedece quem deve, esta é a ordem natural das coisas. Não mexo na propriedade, ela é intangível. Cobiçar os bens do próximo é tentação assoprada pelos comunistas. Bem sei que é preciso fomentar a produção industrial. Mas o fomento é planeado por mim e aplicado conforme o Estado exige, não permito que se ponha em perigo o equilíbrio orçamental que tanto me custou a alcançar. Observo que o mundo campestre provoca os sorrisos desdenhosos da economia industrial. Por mim, se tivesse de haver competição, continuaria a preferir a agricultura à indústria. Mas se eles querem enriquecer depressa, não chegam lá pela agricultura. A faina agrícola é, acima de tudo, uma vocação de pobres. E o nosso é um povo de pobres, filhos de pobres. As nossas raízes mergulham fundo no torrão natal. Não admito reivindicações salariais e muito menos greves, isso é obra de comunistas. Se a economia industrial está a enriquecer uns poucos e a levar um excesso de pobreza a muitos, só a mim cabe corrigir o excesso, cristão eu sou. Doo terrenos para facilitar a construção de casas com rendas limitadas. Pela província, de norte a sul mando construir as Casas do Povo. E nas grandes cidades mando edificar bairros sociais. No da Encarnação, em Lisboa, são pequenas vivendas por entre árvores, cada qual com a sua horta para plantar couves e semear batatas. Que ao menos se lembrem eles das courelas que trocaram pela cidade, à procura de melhor vida que, afinal, não será assim tão boa... Outra vez assesto os meus binóculos. O barquinho cada vez está mais ao largo, corre o perigo de ser engolido pelas vagas do mar alto. Quem lhe pode lançar mão? E fogem, fogem dos campos, vêm para as cidades, vão para o Brasil, vão para a Europa e a maioria dos emigrantes é clandestina. Depois da guerra, além dos Pirinéus tudo parece um mar de rosas. Odeio a Rússia e os comunistas, mas também não gosto dos americanos. Não, não! aqui não quero um Plano Marshall, pequeninos mas orgulhosos, escorados estamos por um passado glorioso. Não consigo é evitar o mar de rosas, não há barragem que o detenha, afoga-nos, poucos são os que reparam nos espinhos. De Setúbal a Braga, pelo litoral, as indústrias surgem como cogumelos depois da chuva. Em Lisboa, e no Porto, começa a haver mais gente a escrevinhar nos escritórios do que operários a produzir. Tudo muda e já não consigo travar a mudança. E os escreventes cada vez lêem mais livros e jornais, e vão a cursos nocturnos, e ouvem telefonia com ondas curtas para apanhar o estrangeiro, e vêem filmes, e fundam cineclubes, e arrogam-se o direito de exigir melhor distribuição dos benefícios acrescidos. Também os operários entram no coro, inquinados já estão uns e outros pelo comunismo. Para evitar a inflação e os maus costumes, continuo a impor vida frugal a quem trabalha por conta d’outrem. Em consequência, são os novos Bancos e as novas Seguradoras que estão a comer a grande fatia do bolo novo, não é o Estado. Nisso não reparam os pobres diabos quando rosnam contra o Estado... Mas uma coisa é ouvir o que nos contam, outra é ver com os próprios olhos. Chamo o Manuel e, dentro do Mercedes com os vidros foscos, às onze da noite seguimos lentamente ao longo da Avenida. É fim de semana, é Verão, e as esplanadas estão cheias. Pergunto: - Manuel, o que estão eles a beber? - Ó Senhor Presidente, é cervejas, é gasosas, é pirolitos, é laranjadas... - Mas isso é muito caro, não é? - Ó Senhor Presidente, é 25, é 15, é 10 tostões. Pois, pois, já estou a entender... Queixam-se que não têm dinheiro e só fazem extravagâncias... Se fossem apenas operários e escreventes a rosnar, com essa gentinha podia eu... O pior é que já começam a surgir brechas na União Nacional e no Estado. Henrique Galvão, que foi dos meus, descambou de vez para o "reviralho". Começou por alinhar com o Quintão Meireles e agora, ao lado do Cunha Leal (aquele do Cerejeira de antigamente), rosna que há compadrio dos grandes grupos financeiros com muitas das autoridades civis do meu regime. A Censura corta mas sei que, no fundo, têm razão; o dinheiro não tem cheiro, por baixo do pano impossível é deter o seu fluxo. Também oficiais formados na América pela NATO, entre eles o Humberto Delgado (outro que foi sempre dos meus), começam a morder o Santos Costa, o meu sempre fiel Ministro da Guerra. Dizem que o aparelho militar português é arcaico e é urgente renovar as Forças Armadas, também a sociedade portuguesa. E até o Craveiro Lopes, o meu Presidente da República, parece que lhes dá ouvidos... O Craveiro não pode ser candidato à reeleição, e tenho dito! Saudades do velho Carmona... Até o Marcelo Caetano (que foi o meu Comissário da Mocidade Portuguesa, e o meu Ministro das Colónias, e o meu presidente da Câmara Corporativa e é o meu Ministro da Presidência desde 1955) faz conluio com os seus ex-alunos que já ocupam lugares cimeiros nas grandes empresas. Parecem todos apostados em renovar o regime, mas por dentro. Não me atacam frontalmente, tentam é dissolver-me. Quererão fazer hoje comigo, o que ontem eu fiz com o Rolão Preto? Enganam-se, sou um osso muito mais duro de roer... Tudo muda e é-me difícil travar a mudança. Eu queria que muitas e muitas famílias portuguesas lavrassem as terras da nossa África, nisso investi. Assim fiz na Cela e em Matala, em Angola. Assim fiz no vale do Limpopo, em Moçambique. Até grandes barragens eu mandei construir, a de Cambambe em Angola e a de Cabora-Bassa em Moçambique. Porém, selvagens ignorantes, que se diziam donos da terra, passaram a hostilizar as famílias portuguesas. Muitas, talvez a maior parte, acabaram por desertar para as cidades. Assim desandam as colónias... A Guiné, hoje, é mais uma colónia da CUF do que uma colónia de Portugal. O mal é estar eu aqui tão longe. Viajar não me apetece, de Lisboa a Santa Comba já me cansa, quanto mais a Bissau, Luanda ou Lourenço Marques... Tivesse eu o dom da ubiquidade e tudo seria diferente. Tenho sonhado muito com a Christine Garnier, não sei porquê. Ou talvez saiba, é esta minha ânsia de interregno, a minha loira e decidida francesinha, jornalista que em 1951 veio para me entrevistar e acabou por me aquecer a cama e a alma... Para fugirmos à mal-encarada vigilância da Maria, até fomos para Santa Comba passar férias. Também porque a minha governanta, muito sovina, só lhe dava carapaus grelhados, umas vezes com batatas, outras com arroz de grelos... Estou cansado, saudades tenho do antigamente. Estou preso às ideias do passado, sinto vontade de me ir embora, não me dou com a nova mentalidade, isto é só para safados. No horizonte não vejo mais o barquinho. Terá sido engolido pelas ondas? | |
DELGADO | |
| Volto a sentar-me e a cadeira quase se desmonta. Vou mandar arranjá-la. Não substituí-la, que eu nada desperdiço, tudo aproveito. Os ingleses, finalmente, parecem apoiar o meu regime, embora aconselhem que o liberalize. Em 1957 mandam a rainha Isabel II a visitar-nos. Ela trata com excessiva deferência o Craveiro Lopes. Bem entendo os ingleses, papas e bolos para enganar os tolos... Mas não, já disse que não, o Craveiro não! Recuso a infinita gama de cinzentos, essa é armadilha do Diabo. Para mim é branco ou preto, o Bem ou o Mal. O meu candidato é o Almirante Américo Tomás, dócil e bronco, não quero viver em sobressaltos. Tocado pelos americanos, Humberto Delgado passa a ser o candidato da Oposição. É o próprio General Coca Cola, mas até os comunistas acabam por apoiá-lo. É desassombrado, é o mais novo general das Forças Armadas portuguesas, coragem física e irreverência não lhe faltam. Declara que, se for eleito, obviamente me demite. Tem até o desplante de frisar o obviamente. Apesar da PIDE, das cargas da GNR e da PSP, em nome da Liberdade arrasta multidões atrás de si. Já lhe chamam o General Sem Medo. Desde o Porto até Lisboa, desde o Alentejo até ao Minho. E os arruaceiros parecem não ter medo das forças da ordem, respondem à pedrada, subversão. É sismo, é terramoto, rompeu-se um dique e a Nação pode vir a ficar submersa. Cerro fileiras para salvar a Pátria. Santos Costa põe a tropa de prevenção e os "craveiristas" acovardam-se, não respingam. Na campanha eleitoral de 1949 um dos meus dissera "daqui não saímos, nem a tiros, nem a votos". Não o digo mas penso o mesmo. Quem controla os cadernos eleitorais e as mesas de voto ainda somos nós e em 1958 quem ganha as eleições para a Presidência da República é o Almirante Américo Tomás, obviamente. Não posso deixar de rir... No rescaldo, um dignitário da Igreja, D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, atreve-se a contestar a minha autoridade. O Cerejeira desterra-o para Roma, mas já vai tarde, fez grandes estragos nas relações entre a Igreja e o Estado. Deixo que amorteça a onda de choque e em 1959 demito o Delgado de todos as suas funções militares. Nas vésperas de ser preso corre a asilar-se na Embaixada do Brasil e depois segue para o exílio naquele país. A Nação está devastada. Não sei se terei forças para reconstruí-la. Ainda faço uma alteração constitucional: a eleição para a Presidência da República não será mais por sufrágio directo, mas por sufrágio orgânico. Casa arrombada, trancas à porta... Em 1960 um comunista louco desvia um avião da linha Casablanca - Lisboa e espalha panfletos subversivos sobre a capital. Também o Álvaro Cunhal e outros cães raivosos conseguem fugir do Forte de Peniche, tudo me falha. Não gosto da minha vida. Em vez de governar, gostaria de estar em Santa Comba, entre os campos e as vinhas. Mas não encontro quem possa substituir-me. |
1961: O PIOR ANO DA MINHA VIDA | |
A 22 de Janeiro, na América Central, o Henrique Galvão assalta o paquete Sta. Maria (Santa Liberdade, berram eles...). É pirataria das antigas, mas as outras Nações assim não o entendem. O Brasil dá asilo político aos piratas. A 4 de Fevereiro um bando de selvagens assalta as prisões de Luanda, querem libertar os presos políticos. Espicaçados, a reacção dos portugueses é heróica: de muceque em muceque, partem à caça dos terroristas. 11 de Março... O General Botelho Moniz é um militar "craveirista", eu bem sabia disso. Mas quis neutralizá-los, convidei-o para meu Ministro da Guerra e muito me custou pôr de lado o Santos Costa. Enganei-me, isto já não funciona como dantes. A 11 de Março o Américo Tomás telefona-me a avisar que o Botelho Moniz e outros generais têm um golpe armado para me apear. Neste preciso momento os golpistas estão a assistir a um jogo de futebol entre as selecções militares de Portugal e Marrocos. Rapidamente vou de quartel em quartel, altero os comandos, esvazio o golpe. Depois do jogo, o Botelho Moniz ainda vem ao meu gabinete tentar uma solução pacífica, que eu trate de acabar com a Censura e outras parvoíces... Ele a falar e eu a lembrar-me de um outro Botelho Moniz fundador da Legião Portuguesa e comandante dos nossos Viriatos na guerra de Espanha. Este aqui degenerou, não saiu aos seus... Corto rente: - Senhor General, está demitido, queira retirar-se! Em Angola dão-me uma facada pelas costas. E agora, na minha própria casa, outra facada me queriam dar? A 13 de Março vou à Emissora Nacional e proclamo, espicaço: - Para Angola e em força! Mobilização, flores, fanfarras, a Pátria não se discute! Mas a 15 de Março a quadrilha do Holden Roberto começa a chacina no norte de Angola. Ele, que nem português sabe falar, é traidor de segunda financiado pelos americanos. A PIDE avisa-me que outros, dos que estudaram na Metrópole, como o médico Agostinho Neto e o engenheiro agrónomo Amílcar Cabral, também andam lá por fora a organizar movimentos terroristas de outro cariz. Fiz mal em ter aberto em Lisboa a Casa dos Estudantes do Império. Apesar de assimilados, e até licenciados, portugueses de segunda, de segunda serão sempre. A 21 de Abril há uma resolução da ONU a condenar a política africana de Portugal. Ninguém entende a nossa forma de estar no mundo, à qual um brasileiro chamou, e muito bem, de luso-tropicalismo. Não percebem que a nossa Nação é pluricontinental e plurirracial, é Una, vai do Minho a Timor e a Pátria não se discute. A 19 de Dezembro tropas indianas invadem Goa, Damão e Diu. Eu tinha ordenado que resistíssemos até ao último homem. O nosso martírio (e eu só estava à espera dele...) levaria ao ridículo internacional o incensado pacifismo de Nehru. Mas Vassalo e Silva, o comandante da nossa tropa, acovardou-se, rendeu-se, traiu-me. Fico muito abalado com a traição. Na noite de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro há uma tentativa de sublevação no quartel de Beja, e nela está envolvido o próprio Humberto Delgado. A PIDE está a par das movimentações. Abafa a revolta mas o susto é grande. Este foi o pior ano da minha vida. | |
ORGULHOSAMENTE SÓ | |
Torno a levantar-me. Não vejo o barquinho, não sei o que é feito dele. Ingleses, franceses e belgas abandonaram a África e agora exigem que façamos como eles fizeram? Estão enganados, somos diferentes, não viramos costas à Pátria que dilatámos, soprados somos pelos ventos da História. Não querem ouvir-me e fico só, orgulhosamente só. Porventura em Portugal estarei mais só. Mas não me entrego, já disse que sou osso duro de roer. Hei-de vedar as brechas da União Nacional, ela tornará a ser o que foi no início, aglutinação de todas as direitas, a Direita, a única. Faço como sempre fiz, alivio o secundário, atarraxo o principal. Em 1958 dei aumento aos funcionários públicos mas, ao mesmo tempo, promovi a caça aos comunistas, o escultor Dias Coelho foi abatido na rua como um cão raivoso e a PIDE destroçou quase que por completo o aparelho clandestino dos lesa-Pátria. Em 1959 consenti que Portugal aderisse à EFTA, lancei o Plano de Fomento, abri linhas de crédito para as indústrias mas, ao mesmo tempo, dei caça ao Delgado e aos delgadistas. No meu tempo era a Direita que fascinava os estudantes universitários. Hoje parece que é a Esquerda, consequências da famigerada instrução que alastrou sem rei nem roque... Para esse perigo alertei os doutores que me cercam. Não me quiseram ouvir e aí está o resultado: em 1962 rebenta a crise académica de Lisboa. A um grupo de estudantes católicos chego mesmo a dizer: - Não estraguem as vossas vidas, não se metam em políticas, façam como eu, a minha política é o trabalho! Ouço que abafam risos. Só há um remédio, safanão a tempo, estudantes para o calabouço! Mais preocupado me deixa o Ultramar. Em 1963 os terroristas do Amílcar Cabral, traidor de segunda financiado pelos russos, abrem uma segunda frente na Guiné. Espicaço, vamos também em força para a Guiné! Para aliviar a pressão em Angola apoio a secessão catanguesa do ex-Congo Belga e o comunista Lumumba é justiçado. Mas em 1964 os terroristas do Eduardo Mondlane, outro traidor de segunda também financiado pelos russos, abrem uma terceira frente em Moçambique. Espicaço, vamos também em força para Moçambique! A Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a Rússia, a ONU, exigem referendos para a autodeterminação das nossas Províncias Ultramarinas. Estão iludidos, não vou à fala, não converso com terroristas. Orgulhosamente sós, a Pátria não se discute! É-me já difícil manter o equilíbrio orçamental: três guerras no Ultramar e o consequente sorvedouro financeiro, também a expansão económica da Metrópole que já não consigo domar... Paliativos? As remessas dos emigrantes, o turismo (com a consequente infecção da nossa moral e costumes), também o investimento estrangeiro. Assim começa a ser ofuscada a nossa forma de estar no mundo... É preocupante, mas pior que tudo são as traições. Em 1964 o Papa visita a Índia e, no ano seguinte, visita as Nações Unidas que tanto me atanazam. Não lhe perdoo, nem sequer quando vem a Fátima a 13 de Maio de 1967. As traições, as traições... Em 1965 há nova crise académica e Marcelo Caetano sai em defesa dos estudantes que levaram o merecido safanão. Logo ele, o meu ex-Ministro da Presidência... Tenho sonhado muito com o Rolão Preto, pesadelos. Não cedo, não arredo! Para aliviar a pressão em Moçambique, juntamente com a África do Sul apoio a independência da Rodésia de Ian Smith. E ainda em 65 mando assaltar e encerrar a Sociedade (dita Portuguesa) de Escritores, que premiou o romance de um terrorista angolano! E em 67 mando assaltar e fechar a Cooperativa Pragma (dita de acção cultural), aí os comunistas até fingiam de católicos. Para mais me perturbar, sei que ali também arengava o filho de um dos meus fieis. Ainda em 1967 bandidos comunistas assaltam a dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz e fogem com o dinheiro, que não é pouco. Mas o que é que andam a fazer a PIDE e a GNR e a PSP? Até essas forças já me falham? Bandidos mais perigosos são os estudantes, veja-se o que fizeram com o General De Gaulle em Maio passado. Esta subversão moderna tem de ter um ponto final! Começo por deportar o Mário Soares para S. Tomé. Só porque era o advogado da família Delgado, queria meter o bedelho aonde não era chamado... O Delgado, ai o Delgado... Uma das raras alegrias que eu tive nestes tempos conturbados, ocorreu em 1965. Em Argel conspiravam comunistas, delgadistas e outros "reviralhistas", queriam até aliciar a ingenuidade lusitana através das ondas curtas. Rosa Casaco, o meu fiel inspector da PIDE, de Argel conseguiu atrair o Delgado até perto de Olivença, emboscada. Estou a ver o general a chegar à fronteira a meio da noite, a morder o isco, a engasgar-se, a levar um tiro. E a apagar-se, obviamente. Dá-me vontade de rir e largo o corpo na cadeira. | |
REQUIEM | |
A 3 de Agosto de 1968 a cadeira prega-lhe realmente uma partida: queda, a cabeça a bater no chão, hematoma cerebral, bloco operatório, diminuição das faculdades mentais. Depois de muito hesitar, Américo Tomás acaba por nomear Marcelo Caetano para a Presidência do Conselho de Ministros. Alguns destes, junto de Salazar, fingem que é ele ainda o Presidente do Conselho; ou ele finge acreditar na encenação e, a fingir, lá vai dando despacho aos assuntos correntes. Morre a 27 de Julho de 1970. 81 anos de idade, 42 de poder ininterrupto.As suas pegadas marcaram Portugal. O tempo passa e elas ficam, dinossauros passearam por aqui. www.vidaslusofonas.pt |
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