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quarta-feira, 28 de maio de 2014

HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL 52ª PARTE - REVOLTADO CORTEI UMA ORELHA AO INIM IGO - IMAGENS DE MOÇAMBIQUE - MEMÓRIAS DE UM FUZILEIRO - AS AUSÊNCIAS DE DEUS

  REVOLTADO CORTEI UMA ORELHA AO INIMIGO


O meu pai queria que eu fugisse para França, mas optei por ficar e fazer o serviço militar. Depois de tirar a recruta no Regimento de Infantaria 3, em Beja, e a especialidade em Estremoz, no Regimento de Cavalaria 3, já sabia que o meu destino seria o Ultramar, como atirador – era carne para canhão. A 24 de Abril de 1968 embarquei no navio ‘Vera Cruz’, no Cais da Rocha, com destino a Moçambique. Chegámos a Lourenço Marques no dia 10 de Maio, para o desfile habitual, após escala na Beira, Nacala, Porto Amélia e Mocimboa da Praia. Foi a partir daqui que sentimos que estávamos na guerra a sério. Durante quatro dias seguimos em viaturas rumo a Negomano, no distrito de Cabo Delgado, onde chegámos 29 dias após a partida de Lisboa. Tínhamos o rio Rovuma a fazer a fronteira com a Tanzânia. Permanecemos lá 19 meses. O primeiro contacto com o inimigo foi ao fim de uma semana, numa operação, ficando o nosso capitão Abreu ferido por uma mina comandada. Além das minas e emboscadas de que fomos alvo, o que mais me marcou na guerra foi a operação ‘Sete Espadas’, onde estive envolvido a nível de batalhão, com o apoio dos pára-quedistas. O objectivo era a destruição da base inimiga de Limpopo. Caminhamos pelo mato durante quatro dias. Na noite de 31 de Julho de 1969, pelas 21h30, estávamos a pernoitar em círculo, já muito perto da base, para avançarmos no dia seguinte de manhã cedo, quando fomos surpreendidos e atacados. Reagimos de imediato e houve fogo por todo o lado, até que ao fim de algum tempo as armas se calaram. Tivemos quatro baixas e quatro feridos graves, um deles – o soldado Bravo, de Alcácer do Sal – foi atingido por uma bala quando estava ao meu lado. Passei a noite mais terrível da minha vida. Os feridos gemiam de dor e ninguém mais fechou os olhos nessa noite. Tivemos que aguardar até ao amanhecer para que os feridos e mortos fossem evacuados de helicóptero. Nessa noite ainda fomos atacados outra vez, por volta das 04h00, mas sem gravidade. Causámos várias baixas ao inimigo e apreendemos diversas armas. Pela manhã, durante as operações de reconhecimento, deparámo-nos com os corpos inimigos espalhados pelo mato e sinais de sangue no capim, pertencente a outros que foram arrastados. O inimigo que matou dois dos nossos camaradas com uma bazuca ficou lá estendido. A nossa raiva era tão grande que, depois de lhe retirar a bazuca, a pistola e as cartucheiras, cortei-lhe uma orelha. Ainda hoje vivo esse drama, ao recordar os corpos desfigurados. Numa das muitas operações em que estive envolvido, o guia perdeu-se. O cansaço era muito, a água escasseava nos cantis e não fazíamos ideia de quando íamos encontrar um ponto de abastecimento. Mesmo assim, dividi a última pinga com o furriel de secção, Pinto Rodrigues. Felizmente, alcançámos o rio Rovuma, após mais de uma hora a caminhar. Parecíamos loucos a matar a sede. Durante a permanência em Negomano também tivemos períodos alegres nos tempos livres. Jogávamos às cartas, fazíamos um jogo de futebol ou uma petiscada, com galinhas do mato e javalis caçados no regresso das patrulhas. A nossa companhia estava isolada e em tempo de chuvas não se podia ir abastecer a Mueda porque as viaturas não passavam os rios. Chegámos a estar seis meses sem comer batatas. Era só espaguete, arroz, feijão-frade com bichos, atum, carne enlatada e rações de combate. Nos últimos dias de campanha aconteceu um incidente terrível com o furriel Ladeira. Ao festejar a notícia do embarque, outro furriel deixou cair um ‘very-light’ ao chão e o Ladeira foi atingido. Ficou sem uma vista. Ao fim de 19 meses de mato, a nossa companhia foi rendida e transferida para uma zona mais calma – o Alto Moloqué, distrito de Zambeze – onde aguardámos o regresso à Metrópole. Embarcámos no navio ‘Niassa’ e chegámos a Portugal a 14 de Julho de 1970. Foram 27 meses de Ultramar que me deixaram muitas marcas. Quando cheguei, nem queria acreditar que a guerra tinha acabado para mim. Levantava-me de noite com pesadelos, isolava-me em casa e evitava falar do que tinha passado. Ainda hoje tenho pesadelos, em que vejo os mortos e feridos. São imagens que jamais esquecerei. Para minimizar os efeitos do stress pós-traumático de guerra sou obrigado a tomar medicamentos. Mesmo assim, gostava de poder visitar um dia os locais onde combati.

CM



Moçambique - Imagens cedidas por LC123278
Moçambique 1969-1973
In: Livro "Coragem, Tenacidade e Fé", do General Kaúlza de Arriaga
Trata-se de parte da colecção particular do (entretanto falecido) general Kaúlza Oliveira de Arriaga, que as seleccionou e integrou em edição de autor, publicada em Lourenço Marques pouco antes do termo da comissão de serviço como Comandante-Chefe das Forças Armadas naquele território.
ultramar.terraweb.biz

Moçambique - Imagens cedidas por LC123278
Norte de Moçambique 1964/1974
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Posto do Sagal (junto à lagoa do Chai) administração do Mucojo, circunscrição de Macomia
25 de Setembro de 1964 - Ataque de bando armado da Frelimo
MVL - Macobia > Chai
Mocímboa da Praia - 1967. A actriz Florbela Queiroz visita "a tropa"
Catur 1968
Catur (NOV197 - NOV1969). Quartel do Batalhão de Caçadores 1936 / BC 10
Rio Zambeze (Lacerdónia > Mopeia)
Recuperação de viatura após desastre fluvial de 21JUN1969
Morreram 103 Militares Portugueses - mais informação - clique aqui
Macomia > Mueda - 1970
GEP's - Grupo Especial de Pára-Quedistas
Nordeste de Moçambique - Deflagração controlada de mina IN a/c
Cruz Alta (Serra do Mapé)
Companhia de Cavalaria 2752 / RC 4 - Setembro de 1970
Estima - Novembro 1971 - 32.ª Companhia de Comandos (base táctica)
Muze > Fingoé (a norte de Tete)
Nangade - Aquartelamento flagelado pelo IN
Muidine (Nangade > Pundanhar) - Junho de 1973
Aquartelamento da 3.ª Companhia do Batalhão de Caçadores 5013/73 - BC 10
Muidine > Pundanhar
Picada táctica, controle do subsector Namioca
Mandié (sul ZOT - Abril de 1974)
Quartel da Companhia de Artilharia 7250/72 - GACA 2

ultramar.terraweb.biz

Este trabalho foi realizado com factos reais, com histórias contadas, pessoalmente, por um dos intervenientes da Guerra Colonial, o meu avô materno, Manuel Dias Merciano, hoje com 69 anos de idade e com um prazer enorme de nos contar todas as peripécias que passou, mas que ele recorda com muita emoção e alegria. Como ele mesmo costuma dizer, “ Tempos que já lá vão! ”
Começou por me dizer que se apresentou na Escola de Fuzileiros, em 18 de Setembro de 1961, e logo, em 11 de Novembro de 1962, partiu para Moçambique, integrado na Companhia n.º 2 de Fuzileiros. Regressou de Moçambique, dia 25 de Abril de 1965. Saiu definitivamente de Marinha, em Novembro de 1965.

1.º Grumete dos fuzileiros

As condições de vida que tinham naquela altura eram péssimas, a família dele era humilde, viviam da agricultura, eram 8 irmãos todos com idades muito seguidas, logo tinham que começar a trabalhar muito novos para o sustento da casa e da família.
Diz o meu avô que para tentar uma vida um pouco melhor, e o gosto por conhecer sítios novos o levou a ir para a Marinha, ele e muitos outros da sua aldeia Natal.
Embarcou para Moçambique em Novembro de 1962 e aí começaram as peripécias que ele tanto gosta de relatar.
Primeiro, e muito importante, foi o facto de ele ter um certo receio de sair da sua aldeia, coisa que ele nunca tinha feito; depois as despedidas da família, de quem nunca se tinha separado; por fim, o choro da mãe que lhe ficou gravado na memória, até aos dias de hoje.
Já embarcado, os “praças” seguiam para a 3ª classe, onde havia um self-service, cada grupo nomeava os seus faxinas e aproximavam-se dos caldeirões, montados à proa e à ré, para receber um tacho de sopa, outro de “segundo”, o pão e a fruta, que iam distribuindo pelos seus camaradas, no regresso aos seus postos.Comiam sentados no convés.
Isto era um problema enorme, para o meu avô, que até com o mar calmo enjoava tanto que preferia não comer nada e ir deitar-se no beliche. Diz que todo o tempo que podia era passado com panos frios na testa e deitado no beliche, por causa dos enjoos.
Nessas viagens eram feitos ainda exercícios de salvamento a bordo, onde tinham que pôr coletes salva-vidas, em caso de naufrágio. Nos dias de calma jogavam às cartas e recebiam instruções sobre o destino, embora ninguém desejasse pensar nisso.
Chegado o dia do desembarque, aqueles que iam para o norte de Moçambique prosseguiam de Lourenço Marques até à Beira ou Porto Amélia.
A partir daqui, seguiam-se 2 anos de comissão.
Em Novembro de 1962, já na companhia de Fuzileiros Navais n.º 2, encontravam-se em Lourenço Marques e foi-lhes era confiada a segurança do comando naval de Moçambique, enquanto outro pelotão era destacado para o lago Niassa, em Metangula.
O lago Niassa foi o primeiro sítio onde os fuzileiros participaram, actuando autonomamente até ao limite das águas territoriais, em operações realizadas em lanches ou botes.
Os fuzileiros realizaram, além das operações típicas da contra-guerrilha, patrulhamentos ao longo dos rios e das costas, normalmente de noite.
Estas companhias de fuzileiros destinavam-se a manter segurança nos aquartelamentos e nos comandos navais, escoltavam comboios ou embarcações que utilizassem os rios como vias de acesso ao interior dos territórios.
No caso especifico do meu avô, normalmente ele e os da companhia dele faziam a segurança na estação rádio naval, onde eram feitas as transmissões; diz ainda que estavam sempre duas fragatas ao serviço, uma atracada em Lourenço Marques e a outra sempre a fiscalizar as fronteiras.
Foram estes tempos instáveis, naquela colónia, que trouxeram alguns dissabores, tais como doenças, mortes de amigos ou familiares que a memória não deixa esquecer, mas também se criaram grandes amizades, amizades essas que se perderam com a vinda do meu avô para a pátria.
Quando a guerra começou, mais propriamente em Setembro de 1974, o meu avô estava já na final da sua comissão e acabou por não viver bem aquela situação, porque ela se tinha despoletado mais a norte do sítio onde ele se encontrava, mas mesmo assim vivia-se um clima de instabilidade e medo dos acontecimentos.

O meu avô a conviver com os habitantes da aldeia

Em Moçambique, o movimento de libertação, denominado Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), efectuou a sua 1.ª acção, nos dias 24 e 25 de Setembro de 1964, num ataque a Chai, na província de Cabo Delgado, estendendo-se em seguida ao Niassa e para o centro do território.
Foram momentos muito intensos de horror e medo que se viveram naquela época, mas para o meu avô foram os últimos momentos vividos na Guerra Colonial, pois ele regressou em Abril de 1965, ficando a guerra ainda em completo vigor.
Ainda hoje ele recorda com alguma mágoa, mas também muita saudade, aqueles tempos.

O meu avô, Manuel Dias Merciano, na mata perto da base naval. 1964

historias_de_familia.blogs.sapo.pt 
Patrícia Gonçalves

Três décadas depois de ter participado na Guerra Colonial na Guiné, para onde foi chamado em 1966, para prestar serviço militar obrigatório pela terceira vez, António Loja sentiu-se inesperadamente assaltado por uma série de memórias, no pós-operatório de uma cirurgia: «O ruído do motor de um frigorífico, numa sala vizinha do corredor onde, no hospital, faço a minha caminhada diária, levou-me de repente a recordar o motor da LDG que, directamente do Uíge, vindo de Lisboa, nem atracara no cais de Bissau.» (p. 11)

 É este o ponto de partida para um diário marcado por recordações emocionantes e dolorosas, sobre a luta pela sobrevivência e a relação com Deus – o autor é agnóstico – e a morte, numa obra que é também uma homenagem aos que partiram e aos que sofreram as suas mortes. Esta é a guerra contada, não em números, mas em pessoas, em histórias como a dos amigos de infância que morreram juntos e a do pai que perdeu os dois filhos, um após o outro.

 No meio de tudo isto, há ainda lugar a inusitadas deambulações relacionadas com a enfermeira do hospital, a meu ver desnecessárias, mas que acabam por servir de escape às dores da guerra e da doença, neste livro não recomendado a estômagos frágeis.

 Uma citação: «– Ai, meu capitão! Meu capitão!

De um buraco abaixo da clavícula jorrava, a cada batida do coração, um repuxo de sangue que me atingiu a cara, os óculos e me escorreu para o nariz e para a boca. Sustentei-o debaixo dos braços e pousei-o devagar sobre as folhas das árvores, no meio da picada, enquanto toda a companhia assumia posições de defesa. Nunca consegui esquecer o sabor do sangue ainda quente e o cheiro adocicado e logo nauseabundo que me invadia as narinas. Disse-lhe uma mentira piedosa:

– Vem aí o enfermeiro. Vais ficar bem! Já mandei vir o helicóptero…

Espero que ele tenha acreditado, nos breves segundos que levou a morrer. Só que na morte não há breves segundos. É um tempo sem relógio. É toda a eternidade de um fim que parece nunca chegar. Morreu a esvair-se em sangue que ninguém poderia estancar. O que recordo com horror é a minha reacção seguinte: ainda ajoelhado junto dele, inclinei-me para o lado e vomitei, de um modo incontrolável, ali a dois passos do cadáver do meu camarada.» (p. 38)

aviagemdosargonautas.net




Também havia aviões



Agora mudando de assunto.
Esta foto está  aqui só por uma questão muito simples. Quando vamos ás escolas falar sobre a Guerra Colonial, os alunos fazem muitas perguntas, algumas das quais, se havia também aviões, e neste caso fala-se no T- 6 ou no Fiat, eles interrogam-nos: Mas que aviões eram esses? Para muitos que não sabem que aviões eram, hoje vão começar a conhecer alguns. Como eu tenho divulgado o nosso site quando vou às escolas, a partir daqui eu vou meter alguns aviões para todos ficarem a conhecer. O primeiro é o famoso T6. Fica aqui um pequeno comentário sobre este avião:
O seu browser pode não suportar a apresentação desta imagem.O T-6 foi um dos mais famosos aviões monomotores de hélice, conhecido por nomes como "Texan", "Harvard", "Yale", "Wirraway", "Mosquito", "Boomerang" e "Tomcat", conforme o país que o usava. Foi adoptado na força aérea de 55 países, desde avião de treino de pilotos, a bombardeiro. Criado em 1935 pela North American, começou a ser utilizado em força em 1940, sendo introduzido em Portugal em 1946.O T-6, podia ser convertido em caça-bombardeiro ligeiro, equipado com metralhadoras, mísseis, bombas convencionais
ou de napalm debaixo das asas ou actuar como avião de reconhecimento.
 

(Um T-6 a recolher as rodas. Foto SAAF)

Foram pintados segundo vários esquemas como com a fuselagem em cinzento metálico (alumínio), e os lemes de profundidade e de direcção, as pontas das asas e uma faixa na fuselagem traseira pintados a amarelo alaranjado, mas houve outros exoticamente personalizados.
Os T-6 utilizados em Moçambique durante a guerra colonial estavam estacionados em Nampula na base AB 5, a maioria pintada de cor de alumínio, ou com tinta anti-radiação a preto e verde-mate (baço) de protecção contra mísseis terra-ar do tipo "Strella".
Belicamente, foram usados pela última vez em Portugal, a 11 de Março de 1975. O motor deste avião fazia um barulho fora do comum. Era um barulho inconfundível! 
. 
E agora vai o primeiro texto que faz parte do Seminário “ECOS DA GUERRA DO ULTRAMAR”:
    
www.adcash.com

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