Dois factos simbólicos e esclarecedores sobre a situação do país foram conhecidos esta semana: soube-se que o CDS/PP ia presidir à comissão parlamentar de inquérito ao caso da compra dos submarinos portugueses à empresa alemã Ferrostaal e ficou conhecida a declaração de voto de vencida de uma das juízas do chamado caso BCP, em que esta magistrada se insurgia pelo facto de a maioria do colectivo de juízes que julgou o caso ter considerado possível que os administradores do BCP desconhecessem a titularidade das offshores a quem o banco tinha emprestado cerca de 600 milhões de euros, algumas das quais teriam mesmo servido para comprar acções do BCP, alegadamente favoráveis à maioria que apoiava esses mesmos administradores nas assembleias gerais da instituição.
É verdade que em nenhum tribunal o CDS/PP foi acusado de corrupção no caso da compra dos submarinos e da falta de garantia nas contrapartidas dadas por aquela empresa. Mas não é menos verdade que devia haver o mínimo de bom senso para não colocar a presidir a uma comissão de inquérito o partido cujo líder estava à frente do Ministério da Defesa durante essa negociação. O argumento que têm as fotocópias todas do ministério, embora poderoso, parece fraco para legitimar essa posição. Um dos maiores problemas da democracia portuguesa é esta situação de impunidade de que parecem gozar a maior parte dos poderosos em Portugal, e esta enorme promiscuidade entre interesses económicos e decisores políticos.
Quando se faz a contabilidade dos ministros e secretários de Estado das pastas das Finanças, Economia e Obras Públicas, verifica-se que a esmagadora maioria desses titulares estão em cargos de administração em grupos financeiros e económicos com que negociaram, tempos antes, contratos milionários com o Estado. O resultado desta gestão são muitos milhares de milhões de euros em parcerias público-privadas e swaps a serem pagas até ao final dos tempos pelos contribuintes, os seus filhos, netos e bisnetos, já para não falar em casos de polícia como os negócios do BPN.
Este tipo de capital rentista, que cresce à sombra do Estado e em que o risco é corrido pelos contribuintes e o lucro é embolsado só pelos accionistas e administradores, muitos deles ex-políticos, não é um exclusivo português. Há uns anos, estava eu na equipa de investigação da TVI, entrevistei a procuradora Maria José Morgado e perguntei-lhe porque é que em Portugal raramente a justiça conseguia condenar os crimes cometidos pelos poderosos. A procuradora sorriu-me e disse: "Em Portugal? Que eu saiba, em lado nenhum do mundo, os poderosos são facilmente condenados."
O capitalismo vive, historicamente, da apropriação desproporcionada e injusta do valor criado por quem trabalha, mas o capitalismo contemporâneo é ainda mais voraz e especulativo. Não se contenta com aquilo que é produzido; aposta cada vez mais naquilo que é especulado. Não se limita à própria legalidade que cria, faz cada vez mais negócios por debaixo da mesa.
Nisso, como em muita coisa, Portugal é um excelente aluno. Não é por acaso que um estudo recente, da Gallup, revela que 88% dos inquiridos afirmam que a corrupção no governo é um problema generalizado. O trabalho envolveu 160 países e Portugal atinge o quarto lugar neste estimável ranking da corrupção. Só nos impedem de alcançar uma posição mais honrosa baluartes éticos como o Gana.
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