O "TURRA MUSSOLÉ"
Este conto é dedicado a uma colega da blogosfera, pessoa que, não conhecendo pessoalmente, já me merece a maior estima e admiração: a Susana B. (blogue: Palavras que me tocam).
Foi o meu segundo trabalho literário censurado após a "Revolução dos Cravos", desta vez não a lápis azul (prática da polícia política PIDE-DGS) mas a caneta de feltro amarelo fluorescente.
O "TURRA MUSSOLÉ"
Mussolé era um nome temido tanto pelas tropas portuguesas como pela população nativa que, obrigatoriamente, lhe dava abrigo. Havia pertencido a um grupo de combate integrado no nosso exército como GE (Grupos Especiais), porque, não combatendo por idealismo, o seu lugar era junto daqueles que lhe proporcionavam mais regalias. Integrava, dado o seu prestígio junto das populações, um grupo de guerrilheiros, havendo-lhe sido atribuído um cargo de chefia. O comandante supremo do seu destacamento nómada naquela zona do leste de Angola era um português, ex-alferes miliciano e com ele movimentavam-se dois ou três cubanos e um chinês. Paradoxalmente, ou talvez não - aquela guerra também se sustentava assim - o senhor alferes, pertencente a uma família abastada, havia-se passado para o outro lado e, pasmem-se os mais incrédulos, recebia e emitia a sua correspondência para a Metrópole através da PIDE-DGS !?...
Certo dia assisti a um recrutamento e selecção desses GE's. Foi colocada uma mesa rectangular ao ar livre junto à tenda do Comando, ficando sentado ao centro o alferes-médico, ladeado por um enfermeiro e pelo cabo escriturário. Os nativos aguardavam ansiosos, de pé, em fila indiana e iam sendo submetidos a um interrogatório e inspecção médica sumários. Daquele colectivo quem decidia quanto à aptidão ou não era o médico. Chegada a vez do interrogatório a um negro de aspecto robusto e convencido, e mesmo antes de preenchidos os quesitos pelo cabo escriturário, o alferes-médico olhou-o muito fixamente, estranhando o facto dele usar uns óculos de armação dourada tipo Ray-Ban com lentes de vidro translúcidas mas visivelmente sem graduação. O médico, já experimentado com situações análogas, conteve o sorriso e, já prevendo a resposta, perguntou-lhe de forma inquisitória:
- O teu nome? Quem é que receitou esses óculos ao meu amigo? Essas lentes são graduadas?
O negro sorriu e respondeu timidamente:
- Chamô-me Zé, sinhor dotori. Os óculis são p' a dar catagoria!
A resposta provocou uma risada por parte daqueles que assistiam à selecção. À semelhança do que acontecia com Mussolé, também neste negro estava arreigada a convicção de que serem militares ou guerrilheiros, ostentarem uns óculos, possuírem uma bicicleta e um rádio transistorizado eram sinais exteriores de riqueza e de promoção social, tornando-os, assim, alvo da preferência de muitas mulheres e prestigiados junto das outras pessoas.
Um dia, Mussolé foi denunciado por um marido traído, informando os militares da presença do perigoso terrorista na sua cabana, "comendo mulher e comendo a comida". Foi imediatamente emboscado e feito prisioneiro juntamente com outro camarada de deserção. Foram amarrados com cordas à volta dos pulsos e das pernas e arrastados para um cubículo contíguo à enfermaria do aquartelamento. Alí aguardariam a chegada do senhor inspector da PIDE, o qual se encontrava no gozo dumas curtas férias em Luanda. Era a ele que competia interrogar, torturar, mandar matar, enfim, decidir da sorte daqueles dois guerrilheiros terroristas. Sabia-se, contudo, que o mais certo seria a libertação, dada a ligação existente entre eles e o tal grupo misto.
Não era necessário ser-se muito inteligente para se perceber que qualquer polícia, mesmo a tenebrosa, omnipotente e omnipresente polícia política, obtinha os seus frutos ao nível da investigação, a troco de algumas facilidades concedidas aos seus informadores...
O cabo enfermeiro sabia-o perfeitamente. Mas tinha "um pó desgraçado" aos terroristas e custava-lhe aceitar que tal acontecesse. Era conhecido pelo seu sadismo, pelas suas práticas cirúrgicas a sangue-frio realizadas de forma artesanal mesmo aos seus camaradas quando feridos. Tinha no seu currículo um vasto rol de atrocidades cometidas ao inimigo. E o inimigo, no seu ignorante entendimento, eram todos aqueles de raça negra, os quais considerava como animais selvagens, sem alma, independentemente do sexo ou idade.
Durante uma operação em que detectaram um aglomerado populacional, os próprios camaradas ficaram chocados com a sua crueldade, e eu ainda guardo uma fotografia do cadáver duma menina com aproximadamente dez anos de idade que, prostrada de joelhos, lhe implorava, chorando:
- Shindel (branco) não mata! Shindel não mata!
O cabo Miranda, de pé, com a G-3 apontada àquela criança indefesa e suplicando por misericórdia, arregalou os seus olhos verdes de felino enraivecido, esboçou na sua boca imunda um sorriso do tamanho dum cano de esgoto, e gozou à brava com aquele orgasmo pedófilo, ejaculando balas de 7,62 milímetros naquele corpinho virgem e desprotegido.
Numa outra operação em que foram dizimadas todas as criaturas encontradas, sugeriu ao comandante do pelotão (coitado, era um banana e temia-o) que preservasse uma negra alta e com um rosto e um corpo lindos, pois tinha um plano em mente que decerto iria ser do contentamento geral. Eram, salvo erro, catorze homens cansados, mal alimentados e suados, mas também perturbados. Contudo, restavam-lhes ainda forças para misturarem a sujidade mental à promiscuidade do acto que ninguém hesitou praticar. Aquela mulher negra e bela ali ficou deitada, nua, de barriga para o ar, com as pernas bem abertas e flectidas. Apenas lhe restava esperar. Fechou os olhos e voltou a cabeça para o lado. Duvido que tenha sentido a penetração dos treze monstros saltitantes. O décimo quarto e último foi o cabo enfermeiro, o qual iria desferir o golpe de misericórdia, libertando aquela bela fêmea negra do sofrimento causado pela bárbara violação colectiva.
Com a mente tão ranhosa quanto o seu membro viril, atirou-se para cima dela e "carinhosamente" manteve inerte a sua faca de mato sustentando-a com o punho contra o seu peito enquanto a ponta afiada se comprimia entre os enormes e bem machucados seios viscosos da vítima. Tombou arfando sobre ela, ejaculou a imundície contida nos seus testículos e deliciou-se enquanto se foi esfregando no sangue quente que ia jorrando e escorrendo entre os dois corpos.
No dia seguinte ao do aprisionamento de Mussolé e do seu companheiro tivemos conhecimento de que o inspector Brotas estaria de regresso. Durante o arrastamento dos prisioneiros até ao cubículo, um deles havia espetado um pedaço de madeira nas costas e foi pedido ao cabo Miranda que o tratasse. Foi para ele um prazer efectuar tal operação. Com o auxílio da faca de mato, sem qualquer anestésico, retirou-lhe o objecto estranho, provocando-lhe uma hemorragia. Aplicou-lhe uma compressa embebida em urina e um trapo bem apertado à volta do tronco. Nessa noite, o cabo Miranda, em conluio com outro soldado racista, arquitectou um maquiavélico estratagema para livrarem definitivamente da dor o Mussolé e o seu companheiro. E preservarem, sobretudo, os terroristas da proximidade com o malvado inspector da PIDE, que estava de regresso. O tempo urgia. Deixaram a porta do cubículo ligeiramente aberta, fingindo esquecimento, enquanto aguardaram impacientes o desenrolar dos acontecimentos. Tal como haviam previsto, os prisioneiros, ao darem conta da imprudente distracção dos carcereiros, abriram a porta lenta e cautelosamente, espreitaram para o exterior e intentaram a fuga. Não estava ninguém por perto. Era a hora de os oficiais e sargentos estarem a jogar e a beber, o mesmo acontecendo com os restantes militares. A fuga apresentava-se fácil. Saíram vagarosamente na direcção da sanzala. As rajadas inopinadas assustaram-nos. Todos os militares acorreram ao local, abandonando o jogo e as bebidas em cima das mesas. Cá fora, também o jogo do gato e do rato havia terminado. Obviamente, com a exterminação dos últimos em consequência da emboscada montada pelos caçadores furtivos.
Nota: Os nomes relatados neste texto são fictícios.
Certo dia, na Rua Augusta, em Lisboa, deparei com o ex-cabo enfermeiro, acompanhado da
presumível esposa e ladeados por duas lindas crianças louras. Ele reconheceu-me mas eu afastei-me para o outro lado da rua, ignorando-o.
Foi o meu segundo trabalho literário censurado após a "Revolução dos Cravos", desta vez não a lápis azul (prática da polícia política PIDE-DGS) mas a caneta de feltro amarelo fluorescente.
O "TURRA MUSSOLÉ"
Mussolé era um nome temido tanto pelas tropas portuguesas como pela população nativa que, obrigatoriamente, lhe dava abrigo. Havia pertencido a um grupo de combate integrado no nosso exército como GE (Grupos Especiais), porque, não combatendo por idealismo, o seu lugar era junto daqueles que lhe proporcionavam mais regalias. Integrava, dado o seu prestígio junto das populações, um grupo de guerrilheiros, havendo-lhe sido atribuído um cargo de chefia. O comandante supremo do seu destacamento nómada naquela zona do leste de Angola era um português, ex-alferes miliciano e com ele movimentavam-se dois ou três cubanos e um chinês. Paradoxalmente, ou talvez não - aquela guerra também se sustentava assim - o senhor alferes, pertencente a uma família abastada, havia-se passado para o outro lado e, pasmem-se os mais incrédulos, recebia e emitia a sua correspondência para a Metrópole através da PIDE-DGS !?...
Certo dia assisti a um recrutamento e selecção desses GE's. Foi colocada uma mesa rectangular ao ar livre junto à tenda do Comando, ficando sentado ao centro o alferes-médico, ladeado por um enfermeiro e pelo cabo escriturário. Os nativos aguardavam ansiosos, de pé, em fila indiana e iam sendo submetidos a um interrogatório e inspecção médica sumários. Daquele colectivo quem decidia quanto à aptidão ou não era o médico. Chegada a vez do interrogatório a um negro de aspecto robusto e convencido, e mesmo antes de preenchidos os quesitos pelo cabo escriturário, o alferes-médico olhou-o muito fixamente, estranhando o facto dele usar uns óculos de armação dourada tipo Ray-Ban com lentes de vidro translúcidas mas visivelmente sem graduação. O médico, já experimentado com situações análogas, conteve o sorriso e, já prevendo a resposta, perguntou-lhe de forma inquisitória:
- O teu nome? Quem é que receitou esses óculos ao meu amigo? Essas lentes são graduadas?
O negro sorriu e respondeu timidamente:
- Chamô-me Zé, sinhor dotori. Os óculis são p' a dar catagoria!
A resposta provocou uma risada por parte daqueles que assistiam à selecção. À semelhança do que acontecia com Mussolé, também neste negro estava arreigada a convicção de que serem militares ou guerrilheiros, ostentarem uns óculos, possuírem uma bicicleta e um rádio transistorizado eram sinais exteriores de riqueza e de promoção social, tornando-os, assim, alvo da preferência de muitas mulheres e prestigiados junto das outras pessoas.
Um dia, Mussolé foi denunciado por um marido traído, informando os militares da presença do perigoso terrorista na sua cabana, "comendo mulher e comendo a comida". Foi imediatamente emboscado e feito prisioneiro juntamente com outro camarada de deserção. Foram amarrados com cordas à volta dos pulsos e das pernas e arrastados para um cubículo contíguo à enfermaria do aquartelamento. Alí aguardariam a chegada do senhor inspector da PIDE, o qual se encontrava no gozo dumas curtas férias em Luanda. Era a ele que competia interrogar, torturar, mandar matar, enfim, decidir da sorte daqueles dois guerrilheiros terroristas. Sabia-se, contudo, que o mais certo seria a libertação, dada a ligação existente entre eles e o tal grupo misto.
Não era necessário ser-se muito inteligente para se perceber que qualquer polícia, mesmo a tenebrosa, omnipotente e omnipresente polícia política, obtinha os seus frutos ao nível da investigação, a troco de algumas facilidades concedidas aos seus informadores...
O cabo enfermeiro sabia-o perfeitamente. Mas tinha "um pó desgraçado" aos terroristas e custava-lhe aceitar que tal acontecesse. Era conhecido pelo seu sadismo, pelas suas práticas cirúrgicas a sangue-frio realizadas de forma artesanal mesmo aos seus camaradas quando feridos. Tinha no seu currículo um vasto rol de atrocidades cometidas ao inimigo. E o inimigo, no seu ignorante entendimento, eram todos aqueles de raça negra, os quais considerava como animais selvagens, sem alma, independentemente do sexo ou idade.
Durante uma operação em que detectaram um aglomerado populacional, os próprios camaradas ficaram chocados com a sua crueldade, e eu ainda guardo uma fotografia do cadáver duma menina com aproximadamente dez anos de idade que, prostrada de joelhos, lhe implorava, chorando:
- Shindel (branco) não mata! Shindel não mata!
O cabo Miranda, de pé, com a G-3 apontada àquela criança indefesa e suplicando por misericórdia, arregalou os seus olhos verdes de felino enraivecido, esboçou na sua boca imunda um sorriso do tamanho dum cano de esgoto, e gozou à brava com aquele orgasmo pedófilo, ejaculando balas de 7,62 milímetros naquele corpinho virgem e desprotegido.
Numa outra operação em que foram dizimadas todas as criaturas encontradas, sugeriu ao comandante do pelotão (coitado, era um banana e temia-o) que preservasse uma negra alta e com um rosto e um corpo lindos, pois tinha um plano em mente que decerto iria ser do contentamento geral. Eram, salvo erro, catorze homens cansados, mal alimentados e suados, mas também perturbados. Contudo, restavam-lhes ainda forças para misturarem a sujidade mental à promiscuidade do acto que ninguém hesitou praticar. Aquela mulher negra e bela ali ficou deitada, nua, de barriga para o ar, com as pernas bem abertas e flectidas. Apenas lhe restava esperar. Fechou os olhos e voltou a cabeça para o lado. Duvido que tenha sentido a penetração dos treze monstros saltitantes. O décimo quarto e último foi o cabo enfermeiro, o qual iria desferir o golpe de misericórdia, libertando aquela bela fêmea negra do sofrimento causado pela bárbara violação colectiva.
Com a mente tão ranhosa quanto o seu membro viril, atirou-se para cima dela e "carinhosamente" manteve inerte a sua faca de mato sustentando-a com o punho contra o seu peito enquanto a ponta afiada se comprimia entre os enormes e bem machucados seios viscosos da vítima. Tombou arfando sobre ela, ejaculou a imundície contida nos seus testículos e deliciou-se enquanto se foi esfregando no sangue quente que ia jorrando e escorrendo entre os dois corpos.
No dia seguinte ao do aprisionamento de Mussolé e do seu companheiro tivemos conhecimento de que o inspector Brotas estaria de regresso. Durante o arrastamento dos prisioneiros até ao cubículo, um deles havia espetado um pedaço de madeira nas costas e foi pedido ao cabo Miranda que o tratasse. Foi para ele um prazer efectuar tal operação. Com o auxílio da faca de mato, sem qualquer anestésico, retirou-lhe o objecto estranho, provocando-lhe uma hemorragia. Aplicou-lhe uma compressa embebida em urina e um trapo bem apertado à volta do tronco. Nessa noite, o cabo Miranda, em conluio com outro soldado racista, arquitectou um maquiavélico estratagema para livrarem definitivamente da dor o Mussolé e o seu companheiro. E preservarem, sobretudo, os terroristas da proximidade com o malvado inspector da PIDE, que estava de regresso. O tempo urgia. Deixaram a porta do cubículo ligeiramente aberta, fingindo esquecimento, enquanto aguardaram impacientes o desenrolar dos acontecimentos. Tal como haviam previsto, os prisioneiros, ao darem conta da imprudente distracção dos carcereiros, abriram a porta lenta e cautelosamente, espreitaram para o exterior e intentaram a fuga. Não estava ninguém por perto. Era a hora de os oficiais e sargentos estarem a jogar e a beber, o mesmo acontecendo com os restantes militares. A fuga apresentava-se fácil. Saíram vagarosamente na direcção da sanzala. As rajadas inopinadas assustaram-nos. Todos os militares acorreram ao local, abandonando o jogo e as bebidas em cima das mesas. Cá fora, também o jogo do gato e do rato havia terminado. Obviamente, com a exterminação dos últimos em consequência da emboscada montada pelos caçadores furtivos.
Nota: Os nomes relatados neste texto são fictícios.
Certo dia, na Rua Augusta, em Lisboa, deparei com o ex-cabo enfermeiro, acompanhado da
presumível esposa e ladeados por duas lindas crianças louras. Ele reconheceu-me mas eu afastei-me para o outro lado da rua, ignorando-o.
contosdaguerracolonial.blogspot.pt
HISTÓRIAS DE GUERRA
Guiné 63/74 - P7150: Tabanca Grande (249): Carlos Fernandes, ex-1º Cabo Pára (CCP 122, 1971/74) e ex-elemento do Grupo Os Vingadores, do Alf Grad Marcelino da Mata
Guiné > Bula > 1973 > O grupo Os Vingadores, comandado pelo Alf Graduado Marcelino da Mata, no dia em que receberam as Boinas Vermelhas. Na foto, dois militares do BCP 12, o Cap Pára Valente dos Santos (conhecido por Capitão Asterix) e o 1º Cabo Pára Carlos Fernandes (na ponta esquerda). O grupo terá sido fuzilado pelo PAIGC, depois da independência, com excepção de um elemento gravemente ferido, evacuado para Lisboa, bem como do Marcelino da Mata, que saiu oportunamente da Guiné. A informação é do Carlos Fernandes.
Guiné > S/l > O 1º Cabo Pára Carlos Fernandes, da CCP 122 / BCP 12 (Bissalanca, 1971/74) > Legenda do autor: "Eu e aminha MG 42"...
Guiné > S/l > Brasão da CCP 122 / BCP 12... O Carlos Fernandes chegou à Guiné em Novembro de 1971 e saiu em Agosto de 1974. O Carlos diz ter pena de não ter hoje 20 anos, para poder continuar nos páras, e servir a Pátria no Kosovo ou no Afeganistão.
Fotos : © Carlos Fernandes (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. Mensagem do Carlos Fernandes, ex-1º Cabo pára-quedista, CCP 122 / BCP (Bissalanca, BA 12, 1971/74) que passa a partir de hoje a integrar, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande. Com este poste completa-se a sua apresentação e fica registada a sua vontade expressa de se reunir a este grupo, virtual, de antigos combatentes da Guiné (1963/74), unidos por laços de camaradagem e pelo desejo de partilhar memórias desse tempo e desse lugar. Em meu nome, dos demais editores e dos restantes camaradas, desejo-lhe as boas vindas (*):
Assunto: Sobre a Ambulância
Eu, Fernandes, antes de mais pretendo enviar as maiores saudações, para todos os camaradas de armas neste magnífico blog.
Pretendo e desejo dizer que não é o meu intuito falar mal de quem seja, ou chamar nomes a qualquer pessoa, se bem que por vezes temos essa vontade e também um desejo enorme de dizer algo, que nos vai na alma... Mas foi com total respeito que eu fiz a minha entrada, muito ao de leve, no teu blog e em companhia de bons amigos. Por sinal e não por acaso como dizem na gíria ser por acaso porque não existe, mas sim caso ou casualidade, que já obti notícias de ex-colegas do mesmo pelotão e da mesma companhia da Guiné. Magnífico!...
Luis Graça, o que de momento me leva a enviar estas palavras é para falar a respeito da notícia sobre a Ambulância, que foi capturada entre Copá e a Fronteira. Eu estive nessa operação, eu e o Capitão Asterix (que não era o Ramos, mas sim o Valente dos Santos).
Nessa altura, ou seja entre fins de 1973 a Agosto de 74, quem fez parte do COE, foram o Major Veiga da Fonseca, do Exército, já falecido, e o Capitão Pára Valente dos Santos de quem junto uma foto de grupo, onde estou eu e o Valente dos Santos [, vd. foto acima]. Foi tirada em Bula a quando da entrega das Boinas Vermelhas. Foi o nosso grupo o primeiro a usar tal cor de boina.
Hoje a Boina, que o Marcelino usa nesta foto , que também junto [, à esquerda], fui eu que lha ofereci, antes de ter vindo viver para a Madeira. Dei-lhe o crachá bem como os emblemas do grupo, os Vingadores.
Pois nessa operação, que teve por nome Gato-Zangado, em Fevereiro de 74, saímos de Bajocunda, andámos toda a noite... A operação consitia em armadilhar as linhas de água, com as "Bailarinas" e as "Viúvas Negras", pelo Alferes Tarro, do Exército. Eu fiquei encarregue de lhe fazer a segurança, a esse Alferes.
Já tinhamos colocado algumas armadilhas na zonas de água e estavamos no nosso descanso, quando aparecem dois sujeitos da população do PAIGC, com uns baldes, para irem buscar água, dentro do território deles. Aí começa a caça ao inimigo. Houve uma troca de tiros e, na perseguição, encontrámos caixotes de Armamento, granadas de RPG, bem como Armas.
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Ambulância, de origem russa, capturada ao PAIGC em Copá, Fevereiro de 1974.
Foi pedido apoio aéreo, na retirada do material, e foi numa das voltas do héli-canhão, que se deu com algo escuro, que de cima não deu para ver o que seria. Foi com base na informação do piloto do héli, que deparámos com uma viatura tipo Ambulância que se encontrava tapada, camuflada com árvores cortadas, com o sistema de ligação estragado. Foi o Marcelino que conseguiu colocá-la a trabalhar, depois de pedir combustível a Bajocunda, que era o quartel mais perto. Depois a Ambulância foi levada até Massacunda, local onde estava uma coluna de mantimentos para Copá e Bajocunda.
No dia seguinte à captura da Ambulância, tivemos um forte contacto, muito bem cedo. Era um forte grupo, isto dito pelo Marcelino, para cima de 100 guerrilheiros do PAIGC e com elementos Cubanos a comandar. Neste contacto foram feitos vários feridos e creio que também houve mortos pelo nosso lado, do lado do pessoal do Exército da coluna, que era para seguir para Copá. Essa coluna não foi levada para diante. O grupo de guerrilheiros tinha estado de noite a enviar fogo para Copá.
O Capitão Valente dos Santos pediu apoio aéreo dos Fiat e a Ambulância foi levada depois para Bajocunda e também com um grupo de Milícias a dar proteção à restante coluna.
Pois eu até levei um louvor nessa operação, bem como depois levei outro louvor, já na operação Bétula, em Março de 74 na zona de Jumbembem [ou Jemberém ?], perto de Cacine, que deu a origem a uma cruz de guerra de 4ª classe, proposta pelo Marcelino da Mata.
Nesta operação foi para dar apoio moral e também dizer ao IN que seria possível os travar nas intenções deles se bem que, no quartel de Jumbembem, estaria não uma Companhia, mas sim um Batalhão, perto de mil e tal homens, mas não tinha ordens de fazer fogo pela assinatura do Governador da Guiné.
Ao Grupo do Marcelino da Mata coube dar apoio ao pessoal, em conjunto com os Fuzileiros Negros de Cacine, creio que era o Destacamento 2 comandada por um Tenente branco Fuza. Eu aí conheci o Látas, bem como o Guiné, Fuzileiros Especiais, que foram guardas-costas de um Comandante dos Fuzas, que não me recorda agora o nome dele.
Esta operação de facto teve o nome de Bétula, feita no mês de Março e iniciou-se de noite, com a saída de Cacine antes da meia noite, em botes da Marinha. Andámos rio acima, rio abaixo, tudo por culpa do Oficial da Marinha, que não soube dar com a entrada no local, fomos colocados já de manhã cedo, era dia e ao iniciarmos a entrada no tarrafo, que era lama, levámos uma emboscada de todo o tamanho, pois que o IN teve a possibilidade de fazer valas de noite, à nossa espera.
Nesta operação foi morto um chefe de grupo do IN, que tinha uma Kalash Especial, com um tambor de 40 munições, que só os chefes de grupo é que as usavam, como aconteceu em Moçambique com as Armlites, a menina R10 de alça. Os números do grupo apontados pelo Marcelino eram da ordem dos 80 elementos. A minha posição era (e sempre foi) a 3ª . O 1º era um elemento do grupo com a Kalash, em 2º o Marcelino [, foto ao lado], eu em 3º e o Capitão Valente dos Santos em 4ª posição. Eu fui guarda-costas do Valente dos Santos, era a minha função no grupo.
Tivemos metade do grupo ferido e foi nesta operação que o Marcelino foi ferido com uma bala nas costas e onde um elemento levou uma rajada nos joelhos, sendo mais tarde evacuado para Lisboa.
Quanto aos restantes elementos do grupo, tirando o Chefe e mais este da rajada, todos eles foram fuzilados pelo IN, depois da Independência da Guiné.
Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCP 122 / BCP 12 > 2 de Abril de 1972 > O 1º Cabo Pára-quedista Carlos Fernandes, apontador de MG 42, fotografado com um casal feito prisioneiro: em primeiro plano, a criança, do sexo feminino, filha do casal, completamente nua, levada pela mão do Carlos... A foto foi tirada pelo enfermeiro do pelotão, o Serra.
Quanto à operação da foto de início, que deu origem à minha entrada na Tabanca Grande (*) pretendo dizer que foi na zona da Aldeia Formosa, em que diziam que o Nino estaria por aqueles lado. Antes de sairmos para a dita operação ou para o mato, foi-nos comunicado pelo héli-canhão, que fazia reconhecimento das zonas. Fizemos um Héli-Assalto, que deu com as três figuras meios escondidas [, um homem, uma mulher e uma criança, do sexo feminino].
O Comandante Araújo e Sá estava na Aldeia [ Formosa] e foi pedido voluntários das armas pessadas, para irem buscar o casal, mais a miúda nua (que estava com muito medo devido às munições do héli, que eram de ponta vermelha incendiárias).
Quanto ao fotógrafo, foi o Enfermeiro do pelotão, o Serra, camarada de quem perdi o rastro. Não sei nada dele, desde a minha saída da Guiné, já tentei saber o paradeiro dele mas até agora não o consegui encontrar.
Já agora digo que conheço o [Sargento] Mor Rebocho. Foi por ele que eu apanhei a minha 1ª porrada na tropa. Se eu fosse mulher não me perdia de amores por ele. Isto ao fim de 3 anos... E depois daí apanhei mais 3, que no total foram 4 porradas. A 3ª tinha eu 8 dias de Guiné e foi em Teixeira Pinto.
Haveria mais coisas para contar, mas fica para uma outra altura e já agora me deixa dizer, eu não fui herói, mas sim fui um Combatente. Fui bem treinado no ano de 1968 e tenho pena, na data presente de 2010, não ter 20 anos, para poder ir até ao Kosovo ou ao Afeganistão.
Envio um forte abraço muito amigo para ti, Luis, e para todos os Camaradas de armas, sejam eles quais forem. Um bem haja a todos.
Carlos Fernandes
blogueforanadaevaotres.blogspot.pt
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