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sexta-feira, 5 de abril de 2013


importante texto de Agostinho Lopes


A propósito do Manifesto pela Democratização do Regime


FATAL COMO O DESTINO...

Ou de como lavar as responsabilidades de PS, PSD e CDS (pelas políticas dos últimos 37 anos), que conduziram Portugal ao desastre…

A 12 de Março, 59 estimáveis cidadãos deste País pronunciaram-se através de um Manifesto pela Democratização do Regime, sobre «A tragédia social, económica e financeira a que vários governos conduziram Portugal» e a pretensão a indiciar o caminho para lhe responder.

Para os subscritores do Manifesto, o «sistema político» /«sistema eleitoral» é responsável por todas as desgraças e problemas do País. O «pior dos males que afecta a democracia portuguesa». Impede «o aparecimento de verdadeiras alternativas». Permite uma «rotação no poder» que «não tem servido os interesses do povo» e desperdiça «oportunidades» como os «apoios recebidos da União Europeia». Permite o assalto das «juventudes partidárias» com «inexperiência governativa e a impreparação» «ao topo do poder político». É responsável pelo descrédito da Assembleia da República e dos deputados. É responsável por «Governos sem ideias, sem convicções, sem sabedoria nem estratégia». Enfim, da falta de soluções para a crise. E porquê? Porque «nada será possível sem um processo de reformas profundas no Estado e na economia» (Quais??? O Manifesto não esclarece!). E os «obstáculos» a essas reformas, que não se alcança quais sejam, estão em «primeiro lugar, nos interesses de uma classe política instalada e na promiscuidade entre o poder político e os interesses financeiros». Logo, «impõe-se uma ruptura» do «sistema político» /« sistema eleitoral», com «três passos fundamentais»: 1) «eleições primárias dos candidatos»; 2)» apresentação de listas nominais de cidadãos, em eleições para a Assembleia da República» e «obrigatório o voto nominal nas listas partidárias»; 3) «igualdade de condições no financiamento das campanhas eleitorais».

Como se vê, é fácil resolver os problemas do País! Muda-se as leis eleitorais e tudo será diferente. Mesmo que PS, PSD, e CDS mantenham as mesmas opções e programas políticos! Se há subscritores que assinaram de boa-fé e convictos o Manifesto, teremos de assinalar a sua enorme ingenuidade política. Porque de facto trata-se de um projecto político de um enorme tartufismo e hipocrisia política.

Um Manifesto sem responsáveis pelo estado a que o País chegou
Em 20 parágrafos, não se identifica uma vez que seja os partidos políticos dos eleitos – dos deputados, membros do governo, autarcas, presidentes da República, etc. Uma anónima «classe política» tudo oculta.
É notável que num texto político que fala de «rotação no poder», de «partidos» e «direcções partidárias», que critica o «poder político» e os «governos», não se refira uma única vez o PS, PSD e CDS, os tais partidos do dito arco governamental, que fizeram a «rotação». Ou pretende-se incluir o PCP e outros? Gostaríamos de saber! Quais os partidos e as maiorias parlamentares que suportaram os «governos» que «colocaram os portugueses numa situação de falência, sem esperança, rumo ou confiança»? Quem são os que enveredam pela «afronta de culpar os portugueses e dividi-los»? O Manifesto não esclarece!
Mas não são apenas estes, os réus da situação e da crise, que ficam por identificar. Nada dizem sobre os responsáveis do processo de integração europeia, sobre os partidos e os agentes políticos que há muito e hoje dirigem a União Europeia? Estão inocentes? Não têm nenhumas culpas no cartório? Os que orientam e decidem na troika nada têm a ver com os nossos problemas actuais? Pior, o Manifesto, sem qualquer rebate crítico, fala dos «políticos com visão» que «souberam colocar Portugal na Europa», fala de participar «no relançamento do projecto europeu»! Qual? O que impôs a troika («a vigilância internacional» segundo o Manifesto!) e o pacto de agressão? O que mergulhou Portugal numa profunda recessão, com mais de um milhão de desempregados? O «projecto» que é causa de que «o Estado Social» esteja «a desmoronar-se»? O projecto que dá todo o seu apoio à política responsável «pelos sacrifícios impostos aos trabalhadores»? Responsável pelo «futuro de dezenas de jovens sem emprego ou com salários que não permitem lançar um projecto de vida»? Responsável pelos «sacrifícios exagerados impostos aos mais pobres e à classe média»? Então não há responsabilidade da «Europa» e de um «projecto europeu», que assiste a tudo isto, e bate palmas ao bom e obediente aluno, o Governo PSD/CDS, Coelho/Portas, e a todos os anteriores governos? Então não há responsabilidades dos agentes políticos dos países do directório das grandes potências, dos conservadores do PPE (onde estão PSD e CDS), dos sociais-democratas do PSE (onde está o PS), e de outros que tais, que estão nos órgãos da União Europeia e no BCE?
Tão grave como os «esquecimentos» atrás referidos, é o silêncio total do Manifesto na identificação – das entidades e indivíduos – dos «interesses financeiros» que participam da «promiscuidade» com «o poder político». São a Banca e os banqueiros»? São os grupos económicos monopolistas? Os grupos da grande distribuição estão incluídos? Moita carrasco! Nem uma palavra sobre a subordinação, ao longo destes anos, do poder político ao poder económico, aos tais grupos, violando gravemente a Constituição da República!
Também a responsabilização das opções e políticas concretas de sucessivos governos PS, PSD e CDS ficou no tinteiro, ou no teclado. Governos «sem ideias, sem convicções, sem sabedoria» segundo o Manifesto. O que aliás é rotundamente falso, porque as políticas que levaram a cabo representavam «ideias» – as do capitalismo neoliberal –, traduziam «as convicções» de deputados e governos do PS, PSD e CDS – e até tiveram a «sabedoria» para as concretizar, atropelando a Constituição e os interesses nacionais, apesar da resistência dos trabalhadores e do povo português. Mas é evidente que não quer o Manifesto falar das causas, das políticas (do PS, PSD e CDS) que conduziram o País à crise. Não fala nem quer falar das condições de adesão à CEE, do processo de privatizações e liberalizações, da reconstituição (e da estratégia) dos grupos económicos monopolistas, do papel central e dominante atribuído ao investimento estrangeiro e da desvalorização do mercado interno, das políticas comunitárias, do comércio externo, da PAC, da Política Comum das Pescas, da adesão ao euro, da subversão do SNS e da Escola Pública. Componentes centrais da política de recuperação capitalista e monopolista, levadas a cabo por sucessivos governos do PS, PSD e CDS, responsáveis pelo brutal endividamento do País, pelo desastre económico e social que enfrentamos.
O Manifesto não fala nem quer falar das políticas em curso do actual Governo PSD/CDS, conformes com o pacto de agressão e sob a orientação da troika, que replicam em versão agravada as causas que aqui nos conduziram.

As vantagens de não se pôr os nomes aos bois
O silêncio do Manifesto sobre os autores e agentes dos crimes cometidos contra o País –os partidos PS, PSD e CDS, as suas maiorias, e os seus governos –, sobre os autores e agentes do grande capital, sobre os autores e agentes da integração capitalista europeia, sobre as políticas económicas e sociais, onde convergiram e que defenderam, não é fortuito, nem esquecimento.
Assim se absolvem as políticas de direita e as responsabilidades políticas de PS, PSD e CDS, dos seus dirigentes e direcções partidárias, dos seus governos. Assim se absolve o papel do capital monopolista e financeiro reconstituído por aquelas políticas e governos. Assim se absolve a integração capitalista europeia, e a sua evolução neoliberal, federalista, e imperialista.
E se estes políticos e estas políticas não são culpados, alguma coisa terá de ser. Era fatal como o destino! Falhando as medidas económicas e sociais da troika e pacto de agressão, postas em prática pelo Governo PSD/CDS e apoiadas no fundamental pelo PS, a culpa vai parar inteirinha no sistema político/sistema eleitoral. Isto é, no regime democrático de Abril, na Constituição da República!
Não sendo a culpa das desgraças do País do PS, PSD e CDS, do grande capital, das políticas da União Europeia, é culpado o sistema eleitoral, o número de deputados, o número de freguesias e concelhos, os executivos não homogéneos das câmaras, etc, etc, etc.
Há outra razão para os «esquecimentos» do Manifesto: alguns dos seus subscritores subscreveram, avalizaram, apoiaram, votaram durante anos aqueles partidos e políticas, foram deputados e ministros e responsáveis políticos dos que governaram, etc, etc, etc.
E depois de tão grande montanha proclamativa, um rato anão e raquítico, e vesgo nas propostas… para emendar o sistema eleitoral!
Assinale-se a ausência, provavelmente considerada insignificante, sobre os rumos de uma política alternativa. Sobre o programa político que permita «corrigir um rumo que nos conduziu à actual crise e realizar as mudanças que isso implica». Sobre o que pensam os «manifestantes» sobre «as reformas profundas no Estado e na economia». Coincidem com as do Governo PSD/CDS, com as propostas da troika? Não se sabe!
Mas atenda-se às propostas de «ruptura» no sistema eleitoral. Algumas interrogações ou reflexões devia o Manifesto fazer.
Como explica o Manifesto que países com regimes eleitorais (e mesmo estruturas partidárias) tão diversos, tenham sido conduzidos a situações económico-financeiras e sociais tão semelhantes, como Portugal, a Grécia, a Irlanda, a Espanha e a Itália, (e outros)??? Será que a actual homogeneidade de situações é o resultado de políticas ou de sistemas eleitorais? Têm ou não as maiorias político-partidárias – simplificando, conservadoras ou sociais-democratas – que se foram e vão revezando no poder (e há exemplos para todos os gostos) – responsabilidades no cartório!?
Será que a apresentação de «listas nominais de cidadãos em eleições»/«candidaturas independentes» nas autarquias revolucionou /constituiu uma «ruptura» na política autárquica» nacional? Será que os isaltinos, os valentins loureiro, as fátimas felgueiras, são bons exemplos dessa ruptura? Será a eleição (das listas) de Beppe Grillo a ambição do Manifesto?
Será que os partidos políticos devem ou não ser responsáveis pelos seus actos – programas, opções políticas, comportamentos, correspondência entre promessas eleitorais e práticas políticas, pelas votações no Parlamento e decisões no Governo? Como assumir essa responsabilidade quando não são da sua responsabilidade a escolha dos seus candidatos, quando os seus eleitos votem em questões estruturais à revelia do partido? São os partidos simples «escadas do Poder», sem estatutos e princípios, sem programas e propostas de medidas, sem opções estratégicas e ideologia, por onde trepam para o poder, os «cidadãos» eleitos pelos «cidadãos»? Com os «cidadãos» do PCP a escolher os candidatos do PSD ou PS. Com os «cidadãos» do CDS a determinar os candidatos do PCP. Não se trata apenas de um monstruoso absurdo político. É o fartar vilanagem à demagogia e ao populismo mais estreme e infrene!
O que é isto de «garantir a igualdade de condições no financiamento das candidaturas»??? (A eleição de «políticos incompetentes» é por causa do financiamento ou das escolhas das direcções partidárias?) É acabar com o financiamento público? É estabelecer um custo campanha igual por candidato? O manifesto não esclarece e deixa mais uma vez campo à mais profunda demagogia e populismo!
Mas o estranho (ou talvez não) é o silêncio do Manifesto sobre a profunda desigualdade praticada pelos grandes órgãos de comunicação social na cobertura e na presença no espaço mediático, dos diversos partidos/candidaturas, nas campanhas eleitorais e, sobretudo, fora delas! Nada diz, sobre a multidão de comentadores e articulistas, que sob os rótulos de «independentes» ou «especialistas» divulgam e promovem as ideologias político-partidárias das maiorias PS, PSD e CDS, do tal arco do poder (dominante), de e da direita, submergindo/ocultando os partidos e políticas de esquerda que os enfrentam e afrontam. Será porque a gestão política desse espaço pertence ao outro poder dominante, o grande capital proprietário dos OCS? E no entanto ninguém liquida mais a existência de alternativa política e de políticas alternativas, impedindo a criação de uma autêntica «rotação no poder», do que a comunicação social dominante, por sempre privilegiar a alternância à alternativa!
Um gato com um rabo muito grande de fora…tão grande, que muitos até tropeçam
Resta registar outro silêncio do Manifesto. A não identificação das forças sociais e políticas, nomeadamente do PCP, que ao longo destas dezenas de anos de políticas de direita do PS, PSD e CDS previu e preveniu sobre o resultado dessas políticas. Está escrito. É fácil comprová-lo. Até a denúncia de que a degradação do regime democrático acompanharia inexoravelmente a reconstituição do poder económico e político do capital monopolista.
O Manifesto fala das «honrosas excepções» aos que fazem da Assembleia da República «um emprego garantido, conseguido por anos de subserviência às direcções partidárias, e de onde desapareceu a vontade de ajuizar e de controlar os actos dos governos». Quem são as «honrosas excepções»? Deputados individualmente considerados? Grupos parlamentares? Por que não separa o Manifesto o trigo do joio? Não informando nem esclarecendo, o Manifesto cobre com a suspeição o Grupo parlamentar do PCP (e outros), que sabe não corresponder à sua denúncia! Mas se sabe, não pode fazer «teoria» deste jaez!
Acrescente-se: algumas das propostas de mudança no sistema eleitoral do Manifesto coincidem com propostas vindas do PSD e PS, que nunca esconderam a sua vontade de reduzir através de engenharias eleitorais a influência do PCP e garantirem um seguro de vida perpétuo à sua alternância no poder, que o Manifesto diz querer combater!
Mas assim não vão lá! Lavam mais branco os responsáveis, para permitir que PSD, PS e CDS continuem uma feliz alternância! Talvez seja esse o desejo secreto dos «manifestantes».

She and Bobby McGee

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