A desdita
13SábadoAbr 2013
A janela estava entreaberta. Havia um odor intenso no ar, novo, que podia provir dos limoeiros ou das flores em flor. Eu continuava sentada, frente ao ecrã branco, de olhos imóveis, inquieta, pronta a explodir a qualquer momento. Os dedos mimam o teclado mas a página contínua em branco.
Batem à porta. A estas horas… quem será? Abri.
Ainda ontem era uma criança. Como crescem, as crianças.
Ainda que desajeitado, precipita-se ao meu encontro e, em bicos de pés, diz-me ao ouvido que me ama e que me espera. E porque os silêncios que a alma humana encobre, nem sempre são decifráveis, evito cruzar o meu olhar com o seu, temendo vir a desejar o desejo dele. São muitos os lugares onde a paixão se esconde. O olhar é um dos seus esconderijos secretos, pronto a guardar ou a revelar os sonhos mais ocultos.
A sua figura, o rosto, o modo de falar, os seus gestos, tudo é de uma latejante exuberância juvenil e de uma vitalidade inigualável. Cheguei a ter ciúmes de todas as coisas inanimadas que souberam fazer-te feliz.
Ainda assim acreditei, naquele instante, ser possível concretizar os meus melhores desejos e quimeras, debruados de cores intensas e de encanto, como quem procura auferir da vida toda a sorte possível, arredando, para bem longe, a dor que transforma cada dia em ininterruptos estados de alma – de lágrimas e mágoas – que desgastam o corpo e a mente.
Cheguei a pensar que podia ser um dia ditoso.
Puro engano. Há encontros (destinos) que, apesar de únicos, andam perdidos, desencontrados, vá-se lá saber porquê. Quase como as estações do ano. Apesar de ser Primavera, os dias ainda são de um Inverno envergonhado.
Porque é que não dou grande importância a coisas tão vãs?
Talvez porque os sonhos se tenham gasto, por culpa da vida… quem sabe.
Praça do Bocage
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