Agricultura urbana - «Garantia alimentar no futuro»A agricultura urbana representa actualmente uma aposta de algumas autarquias, empresas e cidadãos. Para Leonardo Costa, professor na Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica do Porto, as hortas urbanas constituem um «complemento de rendimento para as famílias em dificuldades», mas também «uma forma de recreio alternativa ao consumo», de «integração social» e «educação ambiental». Para o docente a crise leva a que se equacionem outros modelos de vida e se procurem alternativas. O acesso à terra pode ser um caminho.
Ana Clara | segunda-feira, 3 de Dezembro de 2012
Café Portugal - Defendeu recentemente no congresso sobre «Agricultura do Futuro», organizado pela Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas, que a agricultura urbana pode desempenhar um papel estratégico em termos de segurança alimentar. Em que medida é que isso será vital para a vida das pessoas?
Leonardo Costa - Com a globalização do pós Segunda Guerra Mundial, a maioria da população vive em Megacidades ou grandes aglomerações urbanas e em territórios urbanos (cidades) no seio destas grandes aglomerações. Esta população não tem, em média, acesso à terra. O acesso à terra, via agricultura urbana, permitir-lhe-ia evitar situações piores como a fome, em situação de necessidade (perturbações do comércio mundial, desemprego, etc.) e ter acesso a alimentos de qualidade. O acesso à terra desta população deve ser encarado, a meu ver, como um elemento essencial de uma estratégia que vise assegurar a segurança alimentar, em particular, das famílias mais carenciadas. No princípio dos anos de 80 do século XX duas regiões industriais portuguesas viveram graves situações de desemprego e emergência social: a Península de Setúbal e o Vale do Ave. Na primeira houve fome enquanto na segunda não houve. Na primeira os operários não tinham acesso à terra. Na segunda os operários eram também agricultores. Foi o acesso à terra que evitou a fome dos operários agricultores no Vale do Ave e falta de acesso à mesma que não permitiu evitar a fome dos operários na Península de Setúbal. C.P. - De que modo a população que vive nas cidades pode ter acesso directo à terra, sabendo que nem todas dispõem de terrenos e projectos de hortas urbanas? L.C. - Nem todas as cidades dispõem de projectos de hortas urbanas, no presente. Todavia, o futuro não tem de ser igual ao presente. Acresce que o movimento das hortas urbanas é composto por iniciativas muito variadas, por vezes privadas: empresas que deixam os funcionários cultivarem as franjas circundantes dos terrenos onde se encontram instaladas (iniciativas no contexto da responsabilidade social), associações que entram em contacto com senhorios de terrenos que se encontram expectantes (no sentido de os poderem cultivar durante esse tempo de espera), hortas em estabelecimentos prisionais, em escolas, em hospitais, etc. Do ponto de vista do espaço público, o enquadramento legal dos processos de urbanização obriga à cedência de uma percentagem dos terrenos para espaços verdes e equipamentos públicos. Muitas vezes, as câmaras não têm dinheiro para fazer o tratamento de todos estes terrenos, levando a que estes fiquem em situação expectante. A cedência temporária dos mesmos para hortas urbanas permite a atribuição de um uso que se revela como um duplo benefício: para as Câmaras e para os utilizadores. A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia está, neste momento, a seguir esta estratégia, na implantação que está a fazer de hortas urbanas. C.P. - Pode-nos situar o momento do nascimento desta agricultura urbana e as causas que potenciaram o seu crescimento? L.C. - O fenómeno começa com a revolução industrial do século XIX e acentua-se nas duas grandes guerras mundiais do século XX, com jardins públicos a converterem-se em hortas, também em Portugal. No Pós Segunda Guerra Mundial, o fenómeno acompanha os processos de globalização e urbanização em curso, sendo que se vê reforçado com as preocupações ambientais, a partir dos anos 60 do século XX. No presente, o fenómeno é mundial, abrangendo países desenvolvidos e países em desenvolvimento. C.P. - À crise económica que vivemos não é alheio o crescimento do fenómeno que estamos a abordar… L.C. - Sim, na medida em que estas hortas urbanas constituem um complemento de rendimento para as famílias em dificuldades. Constituem também uma forma de recreio alternativa ao recreio do consumo. A crise faz equacionar os modelos de vida e procurar alternativas. C.P. - Qual a importância da agricultura urbana actualmente no enquadramento de uma sociedade de consumo que tende a mostrar-se desligada desta realidade? L.C. - São variados os motivos por detrás das hortas urbanas e estas mobilizam pessoas de diferentes classes sociais. Há quem procure nas hortas urbanas uma ligação à terra, um suporte à educação ambiental dos filhos. Há quem procure um complemento de rendimento. Há quem procure um destino temporário a dar a um terreno urbano expectante. Há quem procure ocupar o tempo, como é o caso dos reclusos em estabelecimentos prisionais. Há quem procure novas formas de recreio, convívio, encontro, integração social. As hortas urbanas podem também servir de terapia para problemas emocionais através do cuidar e de resposta a problemas de saúde, com a produção de alimentos saudáveis e com o exercício físico As nossas sociedades não se esgotam no consumo. Têm outros valores como: o amor, a amizade, a liberdade, o ambiente, a cultura, a identidade, a verticalidade, a transparência, a política e outros valores de cidadania. A crise actual ao limitar o consumo ajuda a perspectivar uma vida colectiva melhor – separar o que é essencial do que não é. Há mais vida, para além do consumo tout court. C.P. - Em termos ambientais, as hortas urbanas também contribuem para a sustentabilidade das cidades… L.C. - A maioria das hortas urbanas é biológica. Por outro lado, como espaços verdes que são, as hortas urbanas contribuem para o sequestro do carbono e a redução da poluição nas cidades. Permitem também a reciclagem de resíduos urbanos através da compostagem, o aumento da biodiversidade, ou seja, com maior diversidade de plantas e de animais, abrigo e alimento para a fauna, a manutenção da fertilidade do solo e a melhoria da permeabilidade do mesmo. A impermeabilização do solo é um problema importante nas cidades. C.P. - As câmaras municipais em Portugal têm apostado, nos últimos anos, de forma mais intensa nas hortas urbanas. Este esforço tem sido fundamental? L.C. - O impulso tem sido fundamental. No quadro do enquadramento legal dos processos de urbanização, as câmaras têm bolsas de terrenos que facilmente podem ceder a este tipo de utilizações (à falta de melhor utilização e tendo em conta as dificuldades orçamentais do momento). O poder local tem uma ligação com o território e uma noção das necessidades das populações locais que o poder central não tem. |
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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
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