Jorge Cadima
Nunca é demais recordar que o actual governo é “um governo do PS”, com o essencial das opções de fundo que identificam o PS como um dos partidos da política de direita.
Esta situação, é certo, ficaria mais à vista em todas as áreas se não se tratasse de um governo minoritário. Mas em política externa e de defesa, como é tradicional, não é só a política de direita que se exprime: é também a direita da política.
Na véspera da visita a Portugal do Secretário-Geral da NATO, os Ministros da Defesa e Negócios Estrangeiros publicaram um artigo no Público (25.1.18): uma lamentável posição de submissão e seguidismo, contrária à Constituição de Abril.
Conseguem, num mesmo parágrafo, recordar que Portugal é membro fundador da NATO (sem lembrar que foi no tempo do fascismo) e afirmar que «a NATO é, pela história e pelo presente, uma parcela marcante da nossa forma de conceber a Defesa Nacional, integrando o seu código genético».
Os genes do passado andam por aí.
O artigo junta a sigla NATO à palavra «segurança». Refere com orgulho que «Portugal é dos maiores contribuintes» para a missão NATO no Afeganistão «com quase 200 militares envolvidos». Mas o que é o Afeganistão ocupado, após décadas de subversão e 17 anos de guerra EUA/NATO?
No sábado anterior ao artigo, um ataque talibã matou 22 pessoas e no fim-de-semana seguinte um veículo-bomba matou 100. O New York Times (27.1.18) citando a ONU, diz que ao longo de 2017 morreram em média dez civis por dia, sem recordar que muitos morreram em ataques aéreos dos EUA/NATO.
A agência da ONU para os Refugiados (UNHCR) fala em cerca de 2,5 milhões de refugiados afegãos, só no Paquistão e Irão. Segundo outra agência da ONU, a UNODC, a produção de ópio, quase totalmente erradicada no ano anterior à invasão, disparou após 2001, tendo em 2017 a área de cultivo de papoilas aumentado 63% e a produção de ópio 87%.
Papoilas afegãs produzem 90% da heroína mundial e o Afeganistão é o país com a maior percentagem de heroinómanos (BBC, 11.4.13). Nos EUA os utilizadores de heroína aumentaram de 189 mil em 2001 para 4,5 milhões hoje (Chossudovsky, globalresearch.ca, 27.1.18). O jornalista A. Vltchek mostra campos de papoilas junto à base dos EUA em Bagram (21stcenturywire.com, 5.8.17).
São antigas e bem documentadas as ligações entre os serviços secretos dos EUA e o tráfico de drogas. Quando o artigo diz que «somos […] produtores de paz e segurança […] em tantas outras partes do globo», citando concretamente o Afeganistão, é disto que fala.
Todas as guerras NATO geraram tragédias semelhantes, com um rastro de destruição dos Balcãs à Líbia e Médio Oriente.
Os ministros anunciam que no «futuro próximo» Portugal irá «reforçar as capacidades, nomeadamente através da aquisição de novas aeronaves de transporte médio e do reforço da nossa capacidade naval» no âmbito da NATO.
Entretanto, adia-se investimentos no SNS, transportes públicos ou na prevenção e combate a incêndios.
Defendem «que a NATO se mostre cada vez mais preparada para a sua vocação a 360 graus», ou seja, o auto-proclamado ‘direito’ a intervir em toda a parte e sob qualquer pretexto. Mas a NATO é uma ferramenta criminosa de guerra, destruição, mentira e agressão imperialista.
Que se acha acima da lei.
Querem comprometer Portugal em futuras guerras contra o Irão, a RPD Coreia ou mesmo a Rússia e a China, decididas pelos EUA/Trump? Com que consequências? Para quê?
Não é apenas em matéria de UE que este governo não rompe com políticas contrárias aos interesses do povo e do País. Tal como Tony Blair, há quem no Governo PS queira ser dos mais fiéis mordomos da NATO, agora sob a tutela Trump.
É uma tradição antiga nas nossas classes dirigentes, trocar a soberania por um prato de lentilhas. Mesmo que seja, como em 1580, para se submeter a potências em declínio.
Em declínio, mas criminosas e perigosas.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2305, 1.02.2018
www.odiario.info
Sem comentários:
Enviar um comentário