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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Histórias e Memórias da Resistência no Barreiro


No dia 30, quando Américo Tomás acompanhado pelo director geral da PIDE/DGS, o major Fernando da Silva Pais e restante comitiva do governo salazarista desfilavam pela Avenida, um petardo rebentou perante a estupefacção geral, lançando centenas de panfletos com dizeres contra o fascismo, contra a guerra colonial, pela liberdade, pela democracia.

Na hora fugaz do almoço, por vezes, aquela senhora a quem chamam “menina”, desfia memórias e histórias. Histórias de pessoas que se sentam ao nosso lado, histórias clandestinas, como tinham de ser as histórias da resistência à ditadura, com homens e mulheres que não se sentem heróis, mas foram capazes das maiores audácias. Em nome da liberdade.
A “menina”, que dedicou toda a sua vida à profissão e ainda hoje é reconhecida e estimada por várias gerações de barreirenses, fala com naturalidade de como a sua casa se tornou uma “casa de apoio do Partido”, acolhendo e escondendo da polícia política muitos militantes clandestinos. Alguns nunca chegou a vê-los, ou sequer a saber quem eram. Por vezes apanhou grandes sustos, quando à noite, os cães em alvoroço nos quintais da vizinhança alertavam para presenças estranhas. A sua casa acabaria por se tornar conhecida da polícia e a senhora, a quem chamam “menina”, teve de deixar a sua varanda florida e o Barreiro que tanto amava. Como alguns barreirenses e tantos outros portugueses, foi forçada a partir para França, de onde só voltou depois da Revolução.
Hoje falou da preparação da acção de protesto, que teve lugar no dia da inauguração do monumento a Alfredo da Silva. Em 30 de Junho de 1965, o regime deslocara-se em peso ao Barreiro, para homenagear Alfredo da Silva, com a inauguração da sua estátua. No acto estiveram presentes o Chefe do Estado Américo Tomás, os presidentes da Assembleia Nacional e Câmara Corporativa, quinze ministros e secretários de estado, chefias militares e toda a descendência do dono da CUF.
A senhora, a quem chamam “menina”, diz que os preparativos começaram dias antes, quando duas companheiras levaram para sua casa, um grande embrulho muito enfeitado com laços, para não levantar suspeitas. Era a máquina de stencil, para reprodução de documentos. Os panfletos começaram logo a ser impressos, mas demorou alguns dias, já que a tinta não secava facilmente e tinham de ficar espalhados por toda a casa. Nessas alturas ninguém podia lá entrar e ela tinha de ter cuidados redobrados pois, mesmo no andar de baixo vivia um conhecido bufo da PIDE. Quando ficaram prontos, ela não adivinhava qual o destino dos panfletos, só o soube depois.
No dia 30, quando Américo Tomás acompanhado pelo director geral da PIDE/DGS, o major Fernando da Silva Pais e restante comitiva do governo salazarista desfilavam pela Avenida, um petardo rebentou perante a estupefacção geral, lançando centenas de panfletos com dizeres contra o fascismo, contra a guerra colonial, pela liberdade, pela democracia.
Ninguém se aleijou e a acção foi tão espectacular que surpreendeu todos, sobretudo as forças policiais. Ainda hoje, a senhora a quem chamam “menina”, não sabe como, nem quem lançou o petardo.
Histórias destas, de homens e mulheres anti-fascistas que não se furtaram à luta e à acção, são muito comuns no Barreiro. Podemos ouvi-las à esquina, ou na mesa do café. O Barreiro da resistência não é um mito, ele foi uma dura realidade.

Esta senhora, a quem alguns afectuosamente chamam “menina”, conclui «isto [a liberdade, a democracia] não caiu do céu, foi preciso lutar muito.»

Rosalina Carmona

www.rostos.pt

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