TINA MODOTTI (1896 – 1942): ENTRE ARTE E REVOLUÇÃO
Tina Modotti, hermana, no duermas, no, no duermas
tal vez tu corazón oye crecer la rosa
de ayer, la última rosa de ayer, la nueva rosa.
Descansa dulcemente, hermana.
La nueva rosa es tuya, la nueva tierra es tuya:
Te has puesto un nuevo traje de semilla profunda
Y tu suave silencio se llena de raíces.
No dormirás en vano, hermana.
Puro es tu nombre, pura es tu frágil vida
De abeja, sombra, fuego, nieve, silencio, espuma,
De acero, línea, polen, se construyó tu férrea,
tu delicada estructura.
(Epitáfio de Pablo Neruda)
Anônimo, Tina Modotti a Hollywood / 1920
No início da carreira, dedicou-se às artes do espetáculo como atriz e modelo, mas foi na fotografia onde encontrou sua maior forma de expressão. Tina Modotti, fotógrafa e ativista política. Nascida na Itália, Tina Modotti, migrou ainda adolescente com seu pai para os Estados Unidos da América. Atraída pela cena cultural de Los Angeles, tornou-se atriz dos primeiros filmes de Hollywood – The Tiger’s coat (1920). Mudando-se para o México na década de 1920, tornando-se contemporânea de Frida Kahlo, Diego Rivera e Julio Antonio Mella. Ela foi retratada em vários dos murais de Diego Rivera e, como fotógrafa de Rivera, ela o fotografou enquanto trabalhava em seus murais e depois quando os mesmos estavam finalizados.
Tina Modotti, Julio Antonio Mella / 1928
Tina Modotti, Chapéu mexicano com martelo e foice / 1927
O fotógrafo mexicano Manuel Alvarez Bravo dividiu a carreira de Modotti em duas distintas categorias. “Romântica” e “Revolucionária”, sendo que o primeiro período incluía o tempo despendido como assistente de quarto escuro, gerente, e finalmente, como parceira criativa de Edward Weston. Em geral, Edward Weston foi comovido pela paisagem e arte folclórica do México a criar trabalhos abstratos, enquanto Modotti era mais cativada pelo povo mexicano e fundiu este interesse humano com uma estética modernista. No México, Modotti fundou uma comunidade cultural e política avant-gardists. Ela tornou-se a fotógrafa favorita para o crescente movimento mexicano de murais. Seu vocabulário visual amadureceu durante este período, com seus experimentos com arquitetura de interiores, flores e paisagens urbanas, e especialmente com suas muitas imagens líricas de camponeses e trabalhadores. Sua exibição retrospectiva na Biblioteca Nacional em dezembro de 1929 foi anunciada como “A Primeira Exibição Revolucionária do México”.
Tina Modotti, Mãos de um manipulador de marionetes / 1929
Tina Modotti, Mãos lavando / 1927
Profundamente envolvida nos movimentos revolucionários de seu tempo, ela lutou na Guerra Civil da Espanha na década de 1930, quando conheceu Pablo Neruda. Anos depois, viveu na União Soviética, no entanto, lá encontrou uma atmosfera mais sufocante e repressiva ainda. Como uma das fotógrafas mais notáveis do século XX, com o tempo, desenvolveu um estilo documental único de fotografia. Profundamente influenciada pelo fervor cultural e político pós-revolucionário no México, ela se tornou internacionalmente reconhecida por suas fotografias desse país.
Tina Modotti, Mulher com bandeira / 1928
Tina Modotti, Edward Weston e Frida Kahlo / 1927
Referências:
Tina Modotti
http://www.modotti.com/
ALICE AUSTEN (1866 – 1952): O OLHAR ESTRANGEIRO
Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência.(Clarice Lispector)
Alice Austen, Self-Portrait / 1892
Alice Austen foi uma das primeiras mulheres fotógrafas norte-americanas a trabalhar fora dos limites do estúdio fotográficos. Ela ficou conhecida por suas fotografias documentais – um estilo incomum até a chegada do século XX. Com um instinto natural para fotojornalismo – cerca de 40 anos antes que a palavra foi inventada, ela viu o mundo com um olhar apurado, fotografando pessoas e lugares, como lhe apareciam (se mostravam). Ao mesmo tempo era uma artista, com uma sensibilidade estética forte e um olhar determinado. Ela sabia o que queria captar, e sabia como capturá-lo.
Alice Austen, Public Health Service Doctor / 1896
Alice Austen, Quarantine Island / 1896
O interesse de Alice na fotografia começou aos dez anos de idade quando seu tio trouxe uma câmera da Alemanha, em uma de suas muitas viagens ao exterior. Através da experimentação, ela aprendeu sozinha a operar o mecanismo de câmera complexa – administração do tempo de exposição, preparação das placas de vidro, e as impressões. Alice também tomou muitas anotações sobre o processo de imagem durante sua criação/produção. Sobre os envelopes, nos quais armazenava seus negativos, ela detalhadamente anotava a lápis o nome da marca da placa e da lente que ela tinha utilizado, o tempo de exposição, a abertura e distância focal, condições de luz, o assunto, e a descrição do momento exato em que ela capturou aquela imagem. Debruçando-se sobre esses envelopes e estudando-os minuciosamente, ela aprendeu a corrigir seus próprios erros. Até o momento, com 18 anos, Alice era ums fotógrafa experiente e altamente competente.
Alice Austen, Quarantine Island / 1896
Pelas próximas cinco décadas, Alice trabalhou de forma constante, fotografando praticamente todos os dias, produzindo no total cerca de 8.000 fotografias, algumas das quais 3.500 ainda existem. Em suas primeiras fotografias devoção de Alice para a casa dela, Clear Comfort, foi especialmente evidente. Alice também teve uma extensa série de fotografias – quase como uma atribuição profissional –, a pedido do Dr. Doty do Serviço de Saúde Pública EUA, da estação de quarentena local no início dos anos 1890. Durante este tempo, meio milhão de imigrantes por ano estavam navegando em Nova Iorque, como a maior imigração em massa na história da humanidade tem em curso. Os imigrantes foram admitidos através de estação federais recém-construídas em Ellis Island (1892), mas antes que eles fossem autorizados a entrar no porto, todos os navios tinham que parar para inspeção no centro de quarentena logo ao sul da casa Austen. Para fornecer espaço adicional para instalações de quarentena, duas pequenas ilhas ao largo da costa oriental do Staten Island foram ampliadas com aterros: Hoffman e Ilhas Swinburn. O trabalho da estação de quarentena tão fascinado Alice que ela voltou com sua câmera, ano após ano, por mais de uma década, para registrar os equipamentos, laboratórios, prédios e pessoas de Hoffman e Swinburn ilhas e da estação em terra perto de sua casa. Estas fotografias revelam seu instinto natural para o fotojornalismo.
Alice Austen, Quarantine Island / 1896
Alice Austen, Quarantine Island / 1896
A relutância de Alice a abandonar um assunto fotográfico até que ela cobriu-o bem pode ser visto nesta série exaustiva de imagens que foi encomendado e, em seguida, exibido em Buffalo no American Exposição Pan de 1901.
FRANCES BENJAMIN JOHNSTON (1864 – 1952): DENTRO DA SALA DE AULA
Não eduques as crianças nas várias disciplinas recorrendo à força, mas como se fosse um jogo, para que também possas observar melhor qual a disposição natural de cada um.
(Platão)
Frances “Fannie” Benjamin Johnston encontrou na fotografia sua maior expressão artística. Jovem, independente e cheia de vitalidade, no início de sua carreira profissional, escreveu artigos para periódicos antes de identificarmos com a linguagem fotográfica. Sua primeira câmera foi dada por George Eastman, amigo próximo da família, e inventor das novas câmeras portáteis e mais leves – Eastman Kodak. A aspirante a fotógrafa aprendeu as técnicas fotográficas com Thomas Smillie, diretor de fotografia no Instituto Smithsonian.
Durante a última década do século XIX, Johnston trabalhou na empresa Eastman Kodak, recém-formada em Washington – DC ganhando grande experiência técnica, qualidade que a fazia aconselhar clientes quanto ao conserto de suas câmeras. Em 1894, ela abriu seu próprio estúdio fotográfico em Washington – DC, sendo a única fotógrafa mulher na cidade.
Johnston era defensora da participação das mulheres na arte emergente da fotografia, ao ponto de publicar no periódico Ladies’ Home Journal o artigo What a Woman Can Do With a Cameraem 1897, e de ser co-curadoria com Zaida Ben-Yusuf de uma exposição de fotografias por vinte e oito mulheres fotógrafos na Exposição Universal de 1900. Aos 30 anos viajou muito, construindo uma vasta gama de fotografias artísticas e documentais de mineiros de carvão, trabalhadores do ferro, mulheres em moinhos e marinheiros da Nova Inglaterra.
Em 1899, Johnston ganhou ainda mais notoriedade quando Hollis Burke Frissell encomendou a ela uma série de fotografias dos edifícios e alunos da Hampton Normal and Agricultural Institute, a fim de registrar seu cotidiano e de divulgar o seu sucesso educacional. Fundada em 1868 por líderes afro-descendentes e brancos da American Missionary Association, após a Guerra Civil, a instituição proporcionava educação para os libertos, 10 anos depois, foi criado um programa de ensino para nativos americanos, perdurando até 1923.
Esta série sobre a educação em Hampton foi exibida na Exposé nègre na Exposição Universal de Paris em 1900.
JESSIE TARBOX BEALS (1870-1942): E ASSIM ELA NOS CONTOU
Perco a identidade do mundo em mim e existo sem garantias. Realizo o realizável mas o irrealizável eu vivo e o significado de mim e do mundo e de ti não é evidente.(Clarice Lispector. Água Viva)
Pioneira no fotojornalismo – final de 1880 e início de 1900 – Jessie Tarbox Beals é reconhecida como a primeira fotógrafa mulher contratada para compor a equipe de um jornal. Em 1902, depois de trabalhar como freelancer e de ter mostrado sua competência na arte da câmera escura, Beals se juntou à equipe do The Buffalo Inquirer. No mesmo período ensinou ao seu marido a arte da fotografia, o qual a acompanhou em sua carreira.
Além da qualidade das fotografias, Beals tem destaque e mérito, pois, nesse período, ela chegava a carregar em média 22kg de equipamento fotográfico – câmera, de 8 a 10 placas de vidro emulsionadas e um tripé. Infelizmente, as pequenas câmeras Kodak não eram confiáveis em condições adversas.
Jessie Tarbox Beals, Crianças de rua em Nova Iorque / 19-
Jessie Tarbox Beals, David R. Francis abrindo os portões da Louisiana Purchase Exposition / 30 de abril de 1904
Participou da St. Louis World’s Fair, tornando-se fotógrafa credenciada do New York Herald e de outros jornais. Em 1905, mudou-se para Manhattan, onde abriu seu próprio estúdio. Nele ofereceu, gratuitamente, à alta sociedade seus retratos fotográficos. Sua estratégia valeu a pena, pois em 1906 ela e outras fotógrafas foram destaque do Camera Club of Hartford, tendo um reconhecimento especial.
Suas imagens eram brilhantes. No início do século, quando as fotografias de notícias publicadas em jornais eram anônimas, ela era reconhecida e famosa por ter sempre as “imagens necessárias”, estando à frente de seu tempo; se fazendo conhecida.
Jessie Tarbox Beals, Criança empurrando seu cão de estimação em um carrinho de bebê ao longo de um caminho de terra. Ela está vestindo um casaco e chapéu pele-aparados / c. 1908-1918
Jessie Tarbox Beals, Boêmios de Greenwich Village, Nova Iorque / c. 1910-1920
Beals gostava da vida boêmia, enquanto seu marido era mais recluso. Em 1911, quando sua filha, Nanette Beals Brainerd, nasceu, a fotógrafa não largou sua profissão. Essa decisão fez com que mãe e filha tivessem um relacionamento conturbado.
Em 1920, Beals mudou seu foco, ao invés de fotografias do cotidiano e das ruas, volta-se aos jardins suburbanos e às propriedades luxuosas. Em 1928, na Califórnia, fotografou muitas das propriedades de Holywood, o “sonho americano”. Com a “Grande Depressão”, Beals retorna a Nova York em 1933, onde viveu e trabalhou em Greenwich Village até seu falecimento.
Jessie Tarbox Beals, Sala de estar em White Pines, Nova Iorque / 19-
Jessie Tarbox Beals / c. 1905
Independente das frustrações do passado, Nanette foi leal a sua mãe, preservando sua memória e arquivos fotográficos. No início de 1982, doou à Biblioteca Schlesinger, em Radcliffe, papéis e fotografias de Beals, onde, atualmente, estão disponíveis para estudiosos e outros interessados na história das mulheres. Segundo Jenny Gotwals, bibliotecário de Schlesinger, Beals não se especializou em nenhum tema, são fotografias de notícias, retratos, cenas de rua, interiores de casas, arquiteturas e jardins. Ela apenas seguiu em frente e fez o que precisava ser feito, e foi assim que ela foi capaz de realizar tanto em seus 71 anos de vida.
HELEN MESSINGER MURDOCH (1862-1956): AS CORES DELA
Sou livre para o silêncio das formas e das cores.(Manuel de Barros)
Na virada do século XX, a fotografia era predominantemente monocromática, a cor poderia ser adicionada posteriormente com pigmentos, no entanto com este processo de colorização não se conseguia obter “cores naturais” na fotografia. Durante a década de 1890, Murdoch fez suas primeiras fotografias monocromáticas com sua primeira câmera, emprestada de um de suas cinco irmãs.
Em 1907, o Autochrome Lumière foi comercializado, possibilitando assim o registro das cores em fotografias. Essa “revolução” fez com que as fotografias de Murdoch fossem reconhecidas como uma das mais belas e interessantes fotografias do início do século XX.
Helen Messinger Murdoch, Brides Costume, Darjeeling / c.1914
Helen Messinger Murdoch, Santa Barbara Pupil Weaving Rug / c.1915
O Autochrome foi um processo fotográfico colorido desenvolvido em 1903 e patenteado em 1907, como Autochrome Lumière. Tal processo utilizava-se, basicamente, de uma chapa de vidro sobrepostas por camadas de fécula de batata tingidas de laranja, verde e violeta (uma aproximação das 3 cores primárias: vermelho, verde e azul). A chapa com essa estranha mistura de batata era inserida na câmera fotográfica, ficando à frente da chapa com a emulsão em preto e branco. Ao fotografar determinada cena, as informações de cores eram retidas nas partículas de batata e o resto da cena era capturada normalmente em preto e branco. Após o processo de revelação, ao sobrepor ambas as chapas de vidro e iluminando-as por trás, é possível ver uma fotografia colorida.
Qualquer fotógrafo competente dessa época que já conhecia o procedimento da revelação e ampliação de fotografias P/B poderia com facilidade desenvolver o processo da placa Autochrome. Os grãos coloridas tendem a formar pontos visíveis a olho nu, criando um efeito pontilhista, o qual se tornou uma de suas maiores qualidades. O resultado era luminoso e exuberante, com um toque da paleta impressionista na ponta dos dedos do fotógrafo. O apelo romântico do Autochrome sem dúvidas foi reforçado pelo fato dele capturou um mundo que chegou a um fim abrupto com a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Helen Messinger Murdoch, Miss Muriel Cadell, London, England / 1913
Helen Messinger Murdoch, Bishareen children, Aswan, Egypt / 1914
Em 1911, com sua câmera Autochrome, Murdoch partiu para o Mediterrâneo com suas irmãs e, em seguida, passou a Londres, onde se tornou um membro da Royal Photographic Society. Em 1913, com 51 anos, decidiu embarcar em uma turnê mundial, provavelmente, foi a primeira fotógrafa mulher a fazer uma viagem dessas, fotografando em ambas as placas – Autochrome e negativos em preto-e-branco. Ela anotou em seu diário a primeira fotografia desta viagem intitulada de “O mundo em suas cores verdadeiras”. Por conta de diversos problemas encontrados durante suas viagens – climáticos, de infraestrutura, comerciais, culturais, etc – Murdoch discute em seus escritos desde problemas de exposição em uma variedade de climas até dificuldades de se obter as placas de Autochrme que tinham de ser enviados por amigos. Em suma, seus escritos dão um caráter bastante maravilhoso um grande networker. Onde quer que ela estivesse alguém sempre a ajudava a transformar e/ou adaptar um pequeno quarto ou banheiro em uma câmara escura para ela revelar suas imagens. Sempre havia pessoas, cenas e paisagens a serem fotografadas.
Murdoch fez muitas amizades por onde passou. Com seu carisma e amor pela vida, foi a pioneira na arte da fotografia colorida. Suas imagens até hoje emocionam ao serem lidas como registro da existência e apreciadas como desenho da cor.
Helen Messinger Murdoch, Woman standing by a tree / c. 1910
Helen Messinger Murdcoh, Portrait of a woman in a pink dress / c. 1915
PHILIPPE HALSMAN (1906-1979): PULAR, SALTAR, FOTOGRAFAR
Cada rosto que vejo parece esconder – e às vezes fugaz para revelar – o mistério de outro ser humano. Capturar esta revelação tornou-se o objetivo e paixão da minha vida. (Philippe Halsman)
Philippe Halsman (1906-1979) nasceu em Riga, Letônia, antigo Império Russo. Sua carreira fotográfica inicia-se em Paris, onde em meados de 1934 inaugurou um estúdio fotográfico especializado em retratos, nele fotografou muitos artistas e escritores conhecidos – André Gide, Marc Chagall, Le Corbusier, e André Malraux, utilizando um inovador twin-lens reflex que ele projetou para si mesmo.
Philippe Haslman, Self-portrait / 1950
Parte do grande êxodo de artistas e intelectuais que fugiram dos nazistas, Halsman chegou aos Estados Unidos com sua jovem família em 1940, tendo obtido um visto de emergência através da intervenção de Albert Einstein. Teve a possibilidade de conviver com estadistas, cientistas, artistas e animadores do século XX. Seus retratos apareceram em mais de 100 capas da revista Life, um recorde que nenhum outro fotógrafo conseguiu ultrapassar.
O sucesso do Halsman é o resultado de dois fatores – a alegria de viver e sua imaginação – que combinados com sua destreza e domínio da técnica o tornaram um dos fotógrafos de retrato mais importantes do século XX. Em 1945, ele foi eleito o primeiro presidente da Sociedade Americana de Revista Fotógrafos (ASMP), onde liderou a luta para proteger os direitos dos fotógrafos. Em 1958, Halsman foi nomeado por seus colegas e contemporâneos um dos dez maiores fotógrafos do mundo. De 1971 a 1976 ele ministrou um seminário na The New School, intitulado Retrato Psicológico.
Philippe Haslman, Eva Marie Saint / 1954 e Edward Steichen / 1959
Halsman e Salvador Dali tiveram uma parceria criativa que perdurou por 37 anos, a qual resultou em um fluxo de incomum de fotografias de ideias. No início de 1950, Halsman iniciou uma série de fotografias, nas quais ele solicitava a seus clientes que saltassem para a sua câmera, ao final de cada sessão. Estas imagens são únicas e importante marco para o legado fotográfico.
Segundo Halsman em seu livro Jump Book, “Quando olhamos para o rosto de alguém, não sabemos o que ele pensa ou sente. Nós nem sequer sabemos o que ele é como. (…) todo mundo usa uma armadura. Todo mundo se esconde atrás de uma máscara”.
Philippe Haslman, Marilyn Monroe / 1954 e Audrey Hepburn / 1955
Jumpology era a sua versão do Rorschach. Ele chegou a essa concepção no início dos anos 1950, quando ele foi contratado para fotografar toda a família Ford, por ocasião do 50º aniversário da empresa. Como regra geral, Halsman acreditava os “saltadores” sem movimentos do braço não gostavam de se comunicar, enquanto os que saltavam com os braços abertos mostravam sinais de ambição.
In a Jump, escreveu ele, “a pessoa, em uma súbita explosão de energia, supera a gravidade. Ela não pode controlar simultaneamente suas expressões, seus músculos faciais e dos membros. A máscara cai. O verdadeiro eu se torna visível”.
Philippe Haslman, Jump Book / 1959
HENRY PEACH ROBINSON (1830-1901): COMPOSIÇÕES FOTOGRÁFICAS, O INÍCIO DA FOTOMONTAGEM
A produção de uma obra fotográfica diz respeito ao conjunto dos mecanismos internos do processo de construção da representação, concebido conforme uma certa intenção, construído e materializado cultural, estética/ideológica e tecnicamente, de acordo com a visão particular de mundo do fotógrafo. (KOSSOY, 2002, p.42)
Segundo Margot Pavan em seu texto Fotomontagem e Pintura Pré-Rafaelina, a fotomontagem surgi como resposta a dois problemas técnicos – a impossibilidade de fotografar ao mesmo tempo céu e paisagem, pois o azul do céu imprimia-se muito mais rápido, saturando a fotografia; e a imperfeita focalização dos diversos planos permitida pela lente fixa. No entanto, com o tempo, as dificuldades técnicas tornam-se secundárias, pois a fotomontagem permitiu que a fotografia ingressasse no universo das Belas Artes em igualdade com a pintura.
Henry Peach Robinson / When the Day’s Work is Done, 1877 /Composição fotográficas com seis negativos
Henry Peach Robinson / Autumn, 1863
Henry Peach Robinson / Estudo para A Holiday in the Wood, 1860 /Fotografia impressa em papel salgado com interferências de grafite e aquarela
Oscar Gustva Reijlander, contemporâneo e mestre de Robinson escreveu o primeiro texto da história da fotografia o qual falava especificamente da fotomontagem, por ele denominada photographic composition. Neste texto, ele defendeu a fotomontagem, pois com ela rompia-se com a falsa ideia de que a fotografia era uma “coisa simples”, sem elaboração, a fotografia apresentava-se não apenas como “registro” ou “ajuda” a ser utilizada por artistas, e por fim, com a composição fotográfica, seria possível construir uma perspectiva regular sem o desfoque.
Henry Peach Robinson continuou o trabalho iniciado por Reijlander, além de demonstrar grande habilidade técnica, dedicava-se à tratadística da época. Robinson também fotografava, escolhendo cuidadosamente cenas bucólicas e figuras do cotidiano, evitando completamente os temas ideais.
Henry Peach Robinson / A Moving Tale, 1885
Henry Peach Robinson e Nelson King Cherrill / Seascape at night, ca. 1872. / Fotografia impressa em albúmen
Henry Peach Robinson / In Kilbrennan Sound, 1895
“A fidedignidade obtida por Robinson era em si mesma um duplo constructo (tal qual a imagem de Reijlander): além da preparação da natureza que envolvia um estúdio muito equipado (cenários, luzes, tipos, poses…) havia ainda o recurso à fotomontagem.”
Dessa maneira, as fotografias e fotomontagens impressionam os dias de hoje, pois nelas encontramos a recriação do mundo físico ou imaginado, tangível ou intangível, produto de um elaborado processo de criação do fotógrafo, no qual uma nova realidade é construída.
FÉLIX NADAR (1820–1910): PARIS EM SEUS DIFERENTES PONTOS DE VISTA
Albert Humbert - Caricatura de Nadar e seu balão / Litografia pintada / 1863
Uma vez que você tenha experimentado voar, você andará pela terra com seus olhos voltados para céu, pois lá você esteve e para lá você desejará voltar.
O século XIX foi um período da história rico em homens renascentistas e Nadar certamente é um desses homens fascinantes. Ele era escritor, artista, fotógrafo e estava profundamente interessado em ciência e política. Nadar – Gaspard-Félix Tournachon –, nasceu em Paris no ano de 1820.
Félix Nadar - O balão Le Geant / Setembro de 1864 / Xilogravura feita a partir de desenho de Nadar
Félix Nadar - Segunda ascensão do balão de Nadar em Paris / Parte da frente da estereoscopia /Outubro de 1863
Interessou-se por fotografia como ferramenta necessária para o desenvolvimento de seus desenhos. Em 1855, ele e seu irmão abriram um estúdio fotográfico especializado em retratos, cinco anos depois, em 1860, Nadar abriu seu próprio estúdio no coração de Paris. Excêntrico e peculiar, Nadar era um homem alto, grande, com cabelo e bigode vermelhos flamejantes, tudo ao seu redor era vermelho, até o roupão com o qual recebi seus convidados.
Fascinado pela fotografia e sua capacidade de capturar o tempo e sua transformação, buscou em diversos lugares algo a ser fotografado, revelando ao público diferentes pontos de vista daquilo que aparentemente era comum e corriqueiro. Fotografou as profundezas de Paris, seus esgotos e catacumbas e foi o primeiro a produzir fotografias aéreas a partir de um balão, mostrando ao mundo a paisagem de outro ponto de vista, a dos pássaros.
Félix Nadar - Trabalhadores nas catacumbas de Paris / 1860
Félix Nadar - O Arco do Triunfo e o Grand Boulevard, Paris / 1868
Por volta de 1863, Nadar construiu um enorme balão de ar quente, com cerca de 6000 m3, chamado Le Géant (O Gigante), inspirando na obra Cinq semaines en ballon[2] (Cinco Semanas em um Balão) de Júlio Verne (1928–1905).
Nadar acreditou e fez campanha para o avanço da aeronáutica. Em 1863, criou a The Society for the Encouragement of Aerial Locomotion by Means of Heavier than Air Machines (Sociedade de Incentivo à Aérea locomoção por meio de Mais pesado que o ar Machines), tendo ele como presidente, e Júlio Verne como secretário.
Durante a guerra contra a Itália, Napoleão III solicitou a Nadar que tirasse fotografias aéreas para o governo francês, mas por razões políticas ele se recusou. Mais tarde, em 1870, durante uma guerra com a Prússia, Nadar ajudou a quebrar um bloqueio que havia em Paris por meio da realização do correio por balão de ar, de Paris a Normandia. Assim iniciou-se o primeiro serviço de correio aéreo do mundo.
Félix Nadar - Primeira fotografia aérea / 1858
[2] Foi a primeira obra ficional publicada por Jílio Verner em 1963. Sinopse: Na época dourada das grandes explorações ao continente africano, o Dr. Samuel Fergusson dispõe-se a fazer a viagem mais arrojada de todas: atravessar a África, de leste a oeste, num balão. Acompanhado pelo jovem Joe Wilson, o seu fiel criado, e pelo seu amigo de longa data Dick Kennedy, um intrépido e bravo caçador escocês, partem da ilha de Zanzibar a bordo do Victoria, um aeróstato especialmente concebido por Fergusson para a ocasião. Aventurando-se por territórios desconhecidos, a coragem dos três amigos é constantemente posta à prova perante os inúmeros perigos com que se vão deparando. Desde nativos aguerridos a animais ferozes nunca antes vistos por olhos europeus, passando por paisagens desoladoras e por outras fabulosas, somos levados numa aventura fantástica como só a prodigiosa mente de Júlio Verne poderia criar.
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FOTOGRAFIA DE ESPÍRITOS
O século XIX foi marcado pela abundância de descobrimentos nas diversas áreas da ciência que fizeram com que o homem compreendesse de maneira mais complexa a si próprio e seu meio.
Nesse cenário, a então nova a fotografia encontra a consolidação do pensamento do Espiritismo, o qual enxergava a existência da alma de forma que poderia existir sem um corpo para contê-la.
Por se tratar de uma crença que possuía capital e influência, em uma sociedade que procurava pelo contato com um mundo espiritual e, ao mesmo tempo, enxergava a câmera fotográfica como um olhar imparcial da realidade e um processo semi-mágico no seu fazer. Isso foi o suficiente para atrelar a atividade do fotógrafo à seus ritos, gerando essa “contaminação” do espiritismo com a fotografia.
Em 1862 na cidade de Boston, uma das capitais financeiras dos Estados Unidos, William H. Mumler (1832 – 1884) montou o que seria uma mistura de estúdio fotográfico com centro espírita, onde oferecia os serviços de fotografar retratos com a presença de celebridades, familiares e amigos que já haviam falecidos. O que economicamente era muito rentável, já que enquanto um retrato encomendado custava em torno de alguns centavos de dólar, as fotografias “assombradas” de Mumler custavam entre $5 a $10 dólares. Sua imagem mais famosa é a da viúva Mary Todd Lincoln com o fantasma de seu marido, o recente assassinado presidente Abraham Lincoln.
Fotografia de Mary Todd com o espírito de Abraham Lincoln ao seu lado.
A que tudo indica Mumler conseguia as imagens dos espíritos mais “populares” graças a situação que vivia o país em meio a guerra civil.
Neste período a quantidade de fotografias realizadas para as correspondências era muito alta e por causa dessa vantagem ele utilizava como base para seus espíritos as fotografias já realizadas dos soldados que haviam morrido em batalha. Curiosamente, o fotógrafo acabou por ser condenado não pelo seu charlatanismo, mas dentre outras coisas, por invadir casas a procura de fotografias de falecidos.
Mais adiante, temos um novo motivo que veio alimentar a fotografia de espíritos, o lançamento comercial dos filmes infravermelhos na década de 1930. Até então as fotografias de espíritos trabalhavam com retratos de estúdio, nunca conseguindo chegar às sessões espíritas, porque elas eram escuras. Com a chegada desses filmes, os fotógrafos puderam levar consigo lâmpadas de baixa frequência que emitiam uma luz vermelha fraca no ambiente, mas suficiente para iluminar o registro.
A médium escocesa Helen Duncan (1897-1956), foi uma das precursoras a unir suas sessões com a fotografia infravermelha, recebendo da empresa Ilford Photo, em 1932, uma amostra da nova série de chapas fotográficas infravermelhas que viriam a entrar no mercado em breve e todo o suporte necessário para que ela testasse.
Fotografia de Harvey Metcalfe de umas das sessões da Sra. Duncan em que claramente é possível identificar uma boneca feita de papel machê envolta em tecido atrás da médium.
Posteriormente em 1931 a organização London Spiritualist Alliance acaba por desmascarar a Sra. Duncan através da análise das próprias fotografias realizadas em suas sessões, comprovando que, o que ela dizia ser o ectoplasma o qual expelia pela boca durante as sessões, era na verdade uma mistura feita de gaze, clara de ovo e papel higiênico que previamente engolia e, que durante a sessão auto provocava a regurgitação, simulando uma experiência sobrenatural.
Um pouco adiante, houve o estudo do casal Kirlian, em 1939, que descobriu a aparição de imagens nas chapas fotográficas após sofrerem uma descarga elétrica de alta voltagem. Inicialmente acreditavam que eles estavam fotografando a áurea dos objetos, e assim produziram uma imensa quantidade de imagens de vegetais, que segue até hoje como empresa que produz estas imagens com finalidade de pesquisa.
O que veio derrubar a ideia de que este processo registrava a áurea dos objetos foi o teste realizado em vácuo, onde não era mais possível registrar o campo que contornava os corpos. Um artigo da revista Science de 1976 justifica que a humidade é um elemento determinante para a aparição destes campos e nas influência das cores, que pelo contato é transferida do objeto para a emulsão da chapa causando uma alteração nos padrões de carga elétrica do filme.
Ainda hoje na Rússia e parte do Leste Europeu o processo ainda é pesquisado e aceito fora da comunidade médica como procedimento laboratorial.
Processo Kirlian de fotografia
Assim como os monstros que sumiram dos antigos mapas, a presença de espíritos vem desaparecendo do imaginário da fotografia. A maneira como a fotografia se tornou mais íntima na sociedade fez com houvesse hoje uma familiarização menos mágica com processo fotográfico e alterou também o entendimento da confiabilidade da imagem fotográfica, fechando espaço para estas aparições nos dias de hoje. O que não faz com que estas peças produzidas no século XIX e início do século XX percam seu valor, elas nos evocam uma elegante poética surreal que sobrepõe elementos fantásticos tais como figuras etéreas, redemoinhos vaporosos, e objetos mágicos a ambientes ordinários.
Hoje podemos entender que a principal função da fotografia de espíritos no século XIX não foi a de encontrar estes seres sobrenaturais, mas sim a de re-encantar uma sociedade que se viu como num sopro distante de todo os mistérios da vida. Podemos entender também que esta vasta produção inevitavelmente alimentou o imaginário dos artistas que viriam a desenvolver o Surrealismo e Dada com suas fotomontagens.
Hoje podemos entender que a principal função da fotografia de espíritos no século XIX não foi a de encontrar estes seres sobrenaturais, mas sim a de re-encantar uma sociedade que se viu como num sopro distante de todo os mistérios da vida. Podemos entender também que esta vasta produção inevitavelmente alimentou o imaginário dos artistas que viriam a desenvolver o Surrealismo e Dada com suas fotomontagens.
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Marcelo Parducci é fotógrafo e sua pesquisa tem foco em formas experimentais e/ou alternativas dentro do universo da fotografia que trabalhem construindo poéticas.
LEWIS CARROLL (1832–1898): PARA ALÉM DAS FOTOGRAFIAS DE ALICE
Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: Às vezes apenas um segundo. (Lewis Carroll)
Desde criança, Charles Lutwidge Dodgson, já se interessava por mágica e ilusionismo, ao tornar-se Lewis Carroll esse gosto tomou maiores proporções. Apaixonado por jogos inventou grande número de enigmas, jogos matemáticos e de lógica ao mesmo tempo em que criava seus enredos envoltos de magia e seres fantásticos que contagiaram gerações e gerações de eleitores.
Muitas polêmicas surgiram entorno de sua vida pessoal, principalmente por causa de sua admiração por jovens meninas. Independente de suas escolhas, Carroll dedicou-se incansavelmente a um único propósito, ser um artista. Em seu processo criativo, a fotografia foi um veículo frutífero. Em 1856 fotografou pela primeira vez com o processo químico denominado colódio úmido[2], processo fotográfico inventado em 1848 pelo inglês Frederick Scott Archer (1813-1857), mas apenas introduzido em março de 1851.
A partir de um processo químico e físico o instante fugaz do tempo torna-se eterno; a infância, com sua beleza e inocência, congela-se na fotografia. Cabe destacar que o ar natural de seus modelos o coloca entre os retratistas ingleses do século XIX que transcenderam as limitações técnicas de então. Jovens meninas eram as personagens preferidas da lente de Carrol, a mais famosa delas foi Alice Lidell.
Vários foram os motivos que levaram Lewis Carroll a abandonar a arte da fotografia no começo de 1880. O advento da técnica do colódio seco contribuiu para a sua aposentadoria. No entanto, é de se notar que o casamento de Alice Lidell foi por essa mesma época. Logo, foi como se a adoração de Carroll por ela, que se tornara proibida, e a paixão pela fotografia tivessem se extinguido em um sopro.
[2] Archer descobriu que o colódio, uma solução viscosa de piroxilina, quando misturada a outros reagentes e que em contato com nitrato de prata, se torna um material sensível à luz. A técnica consiste na aplicação deste colódio ainda líquido em uma placa de metal ou vidro que deve estar bem limpa, criando-se então uma película muito fina. Esta placa é submersa por alguns minutos em uma solução de nitrato de prata tornando-se assim fotosensível. asicamente, o que temos até aqui é o colódio como uma solução ligante entre o suporte (placa de metal ou vidro) e o nitrato de prata. Esta placa quando retirada do banho de nitrato de prata, agora fotosensível, é colocada ainda úmida em um dark slide para que seja exposta através da câmera. O tempo de exposição destas placas para que seja possível gravar uma imagem é longo dependendo das condições climáticas.
LEE MILLER (1907–1977): AS FACES DO MAL, FOTOGRAFIAS DE GUERRA
Disse o SENHOR a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está em teu poder; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor.” (Jó 1:12)
A história de Jó está presente em todos os livros religiosos, nela há a penetrante e persistente presença da violência e da brutalidade, da injustiça e da crueldade. Para Primo Levi (1919-1987), é uma história que se repete e que uma vez ocorrida, sempre poderá ser refeita. Nessa história, o leitor é convidado a compreender a realidade em que vive o ser humano em toda a sua crueza e sem concessões, de modo que ele deveria refletir sobre as tensões existentes na vida, em busca de um melhor caminho para a compreensão de si mesmo e dos princípios que ordenam o mundo. Da mesma forma a fotografia torna-se a escritura do século XX, testemunho das atrocidades que o homem pode ser capaz de realizar contra a si próprio.
Lee Miller / Lee Miller in Adolf Hitler’s bathtub, Munich / 1945
Lee Miller, Elizabeth “Lee” Miller, posteriormente conhecida como Lady Penrose, escondeu durante anos suas “memórias” de guerra, até que a esposa de seu filho, Suzzana, as encontrou no sótão da casa da família, eram negativos e fotografias referentes à II Guerra Mundial e de seu momento posterior. Desde então, seu filho, Antony Penrose (1947 – ) dedica sua vida à tarefa de permanecer viva a incrível e inspiradora história de sua mãe.
Lee Miller / Ruínas de Saint Malo / 1944
Lee Miller / Capela bombardeada / 1940
Sua carreira como fotógrafa inicia-se quando ainda é muito jovem. Em Paris, em meados do início da década de 1930, o Surrealismo foi sua grande influência. Tornou-se reconhecido pelos seus retratos e fotografias de moda. Miller retorna a Nova Iorque em 1932, onde durante 2 anos tem um estúdio fotográfico bem sucedido. Ao casar-se com o empresário egípcio Aziz Eloui Bey, muda-se para o Cairo, Egito. Suas lentes buscavam agora as paisagens desérticas e as aldeias isoladas. As fotografias desse período tornam-se anunciações do que as mesmas lentes iriam registrar anos depois, só que ao invés de ruínas arquitetônicas ela encontraria o próprio ser humano como uma ruína, como o fragmento de uma existência. Em1937, ela conheceu Roland Penrose (1900-1984), o artista surrealista que viria a ser seu segundo marido, dois anos depois mudou-se para Londres, onde trabalhou como fotógrafa freelancer da Vogue.
Lee Miller / Mulher italiana observando morto / 1944
Lee Miller / Criança morta do exército alemão / 1945
Em 1944, tornou-se correspondente credenciada do Exército dos Estados Unidos da América unindo-se ao fotógrafo David E. Scherman (1916-1997) da Revista Life. No dia Dia D (6 de junho de 1944) acompanhou de perto as tropas norte-americanas no exterior. Miller foi provavelmente a única mulher fotojornalista na linha de frente do combate na Europa. Suas lentes testemunharam entre tantos combates, a libertação de Paris, de Buchenwald e de Dachau. Após a queda dos nazistas, junto com o fotógrafo Dave E. Sherman fotografaram as ruínas de Munique, e entre essas fotografias está uma das mais simbólicas, na qual Miller, despida de sua roupa, parecer tomar banho na banheira do apartamento de Adolf Hitler (1889-1945) e Eva Braun (1912-1945) que, no mesmo instante em que Hitler suicidava-se em seu bunker em Berlim.
Lee Miller / Oficial da SS num canal, perto de Dachau / 1945
Penetrando profundamente na Europa Oriental, ela cobriu cenas angustiantes de crianças que morrem em Viena, a vida camponesa na Hungria pós-guerra e, finalmente, a execução do primeiro-ministro Lazlo Bárdossy (1890-1946). Suas lentes registraram o inarrável, na tarefa-renúncia de combater a guerra com a única arma que tinha – a câmera fotográfica. Suas fotografias mostraram ao mundo as várias faces do mal. E desse mal ela nunca mais se recuperou. As imagens de dor, sofrimento e morte a perseguiram por toda a vida, como um preço a pagar pelo dom que recebeu – ser fotógrafa.
Devemos ser escutados: acima de nossas experiências individuais, fomos coletivamente testemunhas de um evento fundamental e inesperado, fundamental justamente porque inesperado, não previsto por ninguém. Aconteceu contra toda previsão; aconteceu na Europa; incrivelmente, aconteceu que todo um povo civilizado, recém-saído do intenso florescimento de Weimar, seguisse um histrião cuja figura, hoje, leva ao riso; no entanto, Adolf Hitler foi obedecido e incensado até a catástrofe. Aconteceu, logo pode acontecer de novo: este é o ponto principal de tudo quanto temos a dizer (LEVI, 1990, p. 124).
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SUE FORD (1943-2009): MEMÓRIAS DE UMA VIDA
“Ao lado da história escrita, das datas, da descrição de períodos, há correntes do passado que só desapareceram na aparência. E que podem reviver numa rua, numa sala, em certas pessoas, como ilhas efêmeras de um estilo, de uma maneira de pensar, sentir, falar, que são resquícios de outras épocas.” (BOSI, 1994, p. 75)
Quando descobri as fotografias de Sue Ford fiquei impressionada. Seus retratos me perseguiam como se fossem personagens de uma história já conhecida e que há muito tempo eu não me recordava. Lendo sobre um dos temas que mais me instigam – a memória –, encontrei na autora Ecléa Bosi a relação que criei com a fotografia de Sue Ford. Esses resquícios de um passado resignificados no presente são como pontes efêmeras que transformam a maneira de lidarmos com o presente, que mesmo sendo vivido, há sempre a sensação de que os tempos nos travessam por meio da expressão artística.
Sue Ford / Annette, 1962; Annette, 1974 / 1962-1974, impresso em 1974 / Time Series 1962-74
Sue Ford / Ross, 1964; Ross, 1974 / 1964-1974, impresso em 1974 / Time Series 1962-74
No site dedicado à fotógrafa, encontrei uma citação sua, que diz: “Há uma relação nada óbvia no meu interesse pela câmera, como eu gravo a mudança do tempo”. A fotografia literalmente capta a luz e traduz em pretos, branco e meios tempos aquilo que a fotógrafa observada em determinado instante, mas a magia não se encontra no simples fato mecânico desse registro físico-químico, a fotografia torna-se o narrador desse tempo, mostrando ao observador-leitor uma outra maneira de ver e lidar com o mundo, seu tempo e espaço em constante transformação. Quando observamos um de seus trabalhos artísticos – fotografias e vídeo – somos colocados em situação provocadora, pois há uma grande troca entre as informações contidas nesses trabalhos e o conhecimento que possuímos em nosso contexto atual.
Sue Ford / Denise Gipps, 1974
Sue Ford / Tony, 1974
A série de fotografias das décadas de 1960 e 1970 foram as que consagraram Ford, com elas ganhou prêmios e fez diversas exposições individuais. Sua série Time Series é uma das mais conhecidas. Se na atualidade o retrato e o autorretrato são questões muito discutidas em diversas áreas do conhecimento, a produção fotográfica de Ford dialoga diretamente com esses questionamentos, pois nela a essência do ser humano em buscar compreender sua presença no mundo é capturada. Como Narciso em frente ao seu reflexo na água, admirando sua beleza efêmera, a fotografia torna-se uma maldição ao congelar essa imagem, pois nos confronta a passagem do tempo e suas bruscas mudanças, mostrando o quanto nossa existência é volátil, permanecendo apenas a imagem fotográfica, o passado impalpável num presente frágil, como a flor do mito acima citado.
Sue Ford / Carol, 1963
Sue Ford / Self-Portrait, 2004
HELEN LEVITT (1913–2009): DESENHOS DE UMA INFÂNCIA PERDIDA
“A criança é essencialmente um ser sensível à procura de expressão. Não possui ainda a inteligência abstraideira completamente formada. A inteligência dela não prevalece e muito menos não alumbra a totalidade da vida sensível. Por isso ela é muito mais expressivamente total que o adulto. Diante duma dor: chora – o que é muito mais expressivo do que abstrair “estou sofrendo”. A criança utiliza-se indiferentemente de todos os meios de expressão artística. Emprega a palavra, as batidas do ritmo, cantarola, desenha. Dirão que as tendências dela inda não afirmaram. Sei. Mas é essa mesma vagueza de tendências que permite pra ela ser mais total.” (ANDRADE, 1996, p.129-130)
Mário de Andrade nesta citação parece estar observando uma das fotografas de meados da década de 1940 de Helen Levitt. Tanto o escritor quanto a fotógrafa deixam-se levar pelos aspectos da cidade ainda não descobertos por todos. Põe a vislumbrar cidades na cidade tornando a todos curiosos por descobri-las. Levitt fixa o elemento fugaz de um lugar que se tornava transitório, captando com sensibilidade os detalhes, as pequenas belezas; os desenhos feitos a giz na calçada e nas ruas da, até então, Nova Iorque que anos depois se tornará irreconhecível.
Por dez anos, Levitt documentou a vida dessas crianças, imersas em criações fantásticas era por meio do desenho a giz que elas desenvolviam sua criatividade e socializavam-se com outras crianças, interessadas em reinventar imagens e histórias para o mundo ao redor delas. São nessas fotografias P/B que Levitt registra uma infância perdida, pois décadas depois, imersas em realidades virtuais, as mesmas crianças que antes, sentadas no chão, criavam mundos, agora recebem passivamente mundos criados/manipulados.
Os instantes registrados por Levitt apresenta a criança em diversos mundos: resistindo, brincando, inventivas e, por que não, entristecidas e até chorosas. É possível inferir que, diante da cidade e da criança, parece saber e mostrar-nos detalhes precisos sobre ambas convidando a viagens, cujos trajetos, propostos pela fotógrafa, resultam de uma relação intensa com a cidade e com a infância, aparente em tantas reflexões em distintas situações.
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GERDA TARO (1910–1937): A EFEMERIDADE DA EXISTÊNCIA
Gerda Taro / Soldado republicano tocando corneta, Valência, Espanha / 1937
Pioneira no fotojornalismo de guerra fora esquecida durante anos à sombra de fotógrafos, que, como ela, lutaram pela liberdade em tempos de guerra tendo a fotografia como sua única e mais potente arma contra as injustiças sociais. Gerda Taro, em sua breve existência registrou o tempo em transformação, a guerra e suas consequências. Nesse limite entre vida e morte, doou sua própria vida em nome de sua fotografia, daquilo em que acreditava. Suas fotografias até hoje emocionam a ponto de nos fazer refletir constantemente sobre nossa postura frente às adversidades pelas quais vivemos.
Gerda Taro / Vítima de ataque aéreo no Hospital de Valência, Espanha / maio de 1937
Gerda Taro nasceu em Stuttgart como Gerta Pohorylle numa família de migrantes judeus. Em 1934, após a invasão alemã, viajou para Paris, onde conheceu Friedmann Endre (1913-1954), o qual lhe ensinou a arte de fotografia, que posteriormente se auto nomeou Robert Capa.
Em suas fotografias, Taro combinava dinamismo e ângulos inusitados, características do movimento Nova Visão ou Nova Fotografia criado por Laszlo Moholy-Nagy (1895-1946) no início do século XX. Com um olhar atento aos detalhes, a fotógrafa nos aproxima emocionalmente às pessoas fotografadas; vidas finitas eternizadas no instante fotográfico.
Gerda Taro / Valsequillo, frente de Córdoba / junho-julho de 1937
Enquanto fotojornalista, ela acompanhou a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) em parceria com Robert Capa. Suas fotografias foram reproduzidas incontáveis vezes por publicações de esquerda, entre eles, o jornal francês Ce Soir, no qual assinava como Taro. Enquanto fotografava a batalha de Brunete em julho de 1937, morreu acidentalmente atropelada por um tanque de batalha durante um ataque das tropas franquistas. Seu corpo foi trasladado para Paris, onde recebeu todas as honras como uma heroína republicana, sendo considerada símbolo do fotojornalismo revolucionário e mártir da luta antifascista.
Fotografias de Gerda Taro publicadas na Revista Vu, August 29 / 1936
Durante anos, muitos de seus negativos e fotografias ficaram em posse de Robert Capa, e junto com esse arquivo a memória dessa mulher incrível que não se omitiu frente a seu dever – mostrar ao mundo sua realidade. Somente em 2002 a Fundação Cornell Capa doou cerca de 300 imagens, entre impressões e negativos, para The International Center of Photography tornando assim pública novamente as imagens de Taro.
Gerda Taro era uma jovem consciente do seu tempo, uma fotógrafa madura que mostrava um mundo em transformação. Sua morte, como todas as mortes na linha do dever, deixou o gosto amargo da injustiça.
Fred Stein / Gerda Taro / 1935
MARGARET BOURKE-WHITE (1904–1971): NO LUGAR CERTO, NA HORA CERTA
Margaret Bourke-White / Primeira capa de revista LIFE com fotografia de represa Fort Peck do rio Missouri / 1936
Certa vez, Margaret Bourke-White disse: “Nesta minha experiência, houve uma maravilha contínua: o timing de precisão que funciona através de tudo… por alguma graça especial do destino me foi depositado – como todos os bons fotógrafos gostam de estar – no lugar certo na hora certa.”[2] Primeira fotógrafa estrangeira a ter permissão para fotografar a indústria soviética, primeira fotojornalista de guerra e primeira fotógrafa mulher a trabalhar na Revista de Henry Luce – Life. Margaret Bourke-White uma das mais importantes fotógrafas do século XX, sua vida talvez seja pouco conhecida, em compensação suas fotografias, fazem parte da história da humanidade.
Com ousadia, astúcia e intuição conseguiu apreender do instante registrado a notícia que estava acontecendo. Tinha dominado de seu meio, a fotografia, mas foi com o seu talento, ambição e flexibilidade que ganhou o mundo, e o mundo ganhou suas imagens. Como um reflexo-refratado a realidade era apresentada em forma, volume, luz e sombra, era a montagem da vida por meio da luz, a história sendo contata pelas lentes de alguém que tem algo a falar. A revista Life foi sua testemunha, publicando em suas capas e páginas muitas dessas fotografias que marcaram três décadas – de 1930 a 1960.
Margaret Bourke-White / Buchenwald / 1945
Margaret Bourke-White / Brigada de mulheres russas / 1941
A modernidade era o seu tema, de início, o vislumbre pela industrialização com suas formas geométricas, a composição da nova era, no entanto, do outro lado da moeda do desenvolvimento, as guerras, e com elas o ser humano e sua finitude. Limites, proporções e desproporções mostradas pelos diversos pontos de vista adotados pela fotógrafa na busca incessante pela imagem perfeita, aquela do instante a ser eternizado, o qual se torna história à luz de sua objetiva.
Margaret Bourke-White / Cineasta russo Serguei Eisenstein sendo barbeado no terraço do estúdio fotográfico de Bourke-White no edifício Chrysler, Nova Iorque / 1932
Em meados da década de 1950, notou sinais da doença de Parkinson. Sua autobiografia, Portrait of Myself, foi iniciado em 1955 e concluído em 1963. Ela deixou para trás um legado como uma mulher determinada, uma artista visual inovadora e uma observadora compassiva da humano.
Suas fotografias estão no Museu do Brooklyn, no Museu de Arte de Cleveland e no Museu de Arte Moderna de Nova York. Ela também está representada na coleção da Biblioteca do Congresso.
Oscar Graubner / Margaret Bourke-White no topo do Edifício Chrysler, Nova Iorque / 1925
HANNAH HÖCH (1889–1978): FRAGMENTOS DO MUNDO
Hannah Höch / Bilderbuch
A fotomontagem surge como manifestação artística no período das vanguardas, torna-se reflexo de uma sociedade fragmentada que busca se reconhecer e se reconstruir em plena transformação social, política e cultural. Na passagem do século XIX para o XX, Hannah Höch nasce e com ela toda uma geração que busca por meio da arte a tão almejada mudança. Sua formação em artes gráficas e seu profundo envolvimento com o movimento Dadaísta, a tornam referência na arte da fotomontagem. O tema central de seus trabalhos é a mulher, o confronto entre a “antiga” e a moderna mulher alemã levantando questões relativas à sexualidade e aos seus papéis de gênero na nova sociedade. Com essas imagens Höch abordou medos, possibilidades e as novas esperanças para as mulheres na Alemanha moderna.
Hannah Höch / Bilderbuch
No entanto, no livro Bilderbuch Höch apresenta fotomontagens voltadas para o universo infanto-juvenil. Criado depois da Segunda Guerra Mundial, Höch montou em seu Bilderbuch – livro de imagens – um jardim zoológico com fotomontagens acompanhado por uma série de poemas simples. Infelizmente, o livro não foi publicado em sua totalidade até 1985, quando teve tiragem limitada de 200 exemplares.
Hannah Höch / Bilderbuch
No Bilderbuch, tanto as imagens quanto as palavras foram criadas por meios da montagem, justaposição e sobreposição de fragmentos fotográficos retirados de impressos, os quais juntos criam outra coisa, um resultado inesperado que possibilita o leitor sonhar acordado, fazendo florescer a infância esquecida.
Hannah Höch / Autorretrato
Segundo Walter Benjamin “Mas quando um poeta moderno diz que para cada um existe uma imagem em cuja contemplação o mundo inteiro submerge, para quantas pessoas essa imagem não se levanta de uma velha caixa de brinquedos?”. É assim que o livro Bilderbuch pode ser lido, como a possibilidade de resgate da visão pueril do mundo, cuja ordem encontra-se na desordem das partes, onde o impossível torna-se possível. Não é este o mote de toda revolução?
O QUE SE COMUNICA COM O NOSSO OLHAR (OU SOBRE QUANDO SOMOS SURPREENDIDOS AO VER A FOTO DE ALGUÉM)
A existência dela chega a nós através daquele papel amarelado pelo tempo. Secretaria de Segurança Pública, salvo conduto. Elfriede Klein. Alemã. Recife, 5 de junho de 1944. O seu rosto representado em uma 3×4 em preto e branco. Dentre os objetos pessoais apreendidos e registrados no DOPS de Pernambuco, estão fotografias de infância e de familiares. Não pelo tema das fotos, mas pelas imagens que ali estavam, a sensação que é transmitida com arquivos como o dela é um pouco do que temos em um álbum de fotografias: de uma forma quase mágica, as presenças daqueles mortos se levantam a nós.
Então, qual a distância entre a vida de quem foi fotografado e a de quem vê a foto, se nela consigo tecer fios de reconhecimento e de empatia? A experiência do outro assim posta me lembra um frase de Susan Sontag em Sobre a Fotografia:
“O que está escrito sobre uma pessoa ou um fato é, declaradamente, uma interpretação, do mesmo modo que as manifestações visuais feitas à mão, como pinturas e desenhos. Imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir.”
A imagem de Elfride me fez sentir e depois entender um dos maiores poderes da fotografia, poder este não posto por uma demanda social mas que vem daquilo que é de sua essência: como um objeto místico, a fotografia nos dá esse envolvimento de estar em contato com uma realidade compactada, e que quando vemos e tocamos a foto ela se expande, e a partir disso estamos de fato a vivenciar algo que não é da dimensão do cotidiano e do óbvio, e tudo isso pode surgir a quem vê pelo olhar do outro lançado à câmera que o registrou. O desconforto de uma pose 3×4 em nada se parece com a foto de porta retrato charmosa, ou mesmo o do instante com a família na varanda da casa. O que fotografias como as dela proporcionam a um pesquisador ou até a um curioso atento é de que as dimensões dos acontecimentos – passados e presentes – se intercalam e se visitam várias vezes graças aos olhares que provocam a memória. Entrei naquele arquivo com um conhecimento prévio sobre a Segunda Guerra Mundial no Brasil, os ataques xenófobos ocorridos, as suspeitas e investigações policiais sobre espionagem – e toda essa mala intelectual se dissolveu no encontro desse conhecimento blocado com as sutilezas e envolvimentos das histórias pessoais trazidos nos olhos de quem ali esteve.
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Texto por Renata Moraes.
Renata Moraes faz mestrado em História pela UFPE com interesse nas questões sobre imagem e imaginário.
E-mail: renatapsmoraes@gmail.com.
GERMAINE KRULL (1897–1985): AS LENTES DA MODERNIDADE
Germaine Krull - Livro Métal/1928
Walter Benjamin (1892–1940), em seu texto Pequena história da fotografia (1933), afirma que “a fotografia se liberta de certos contextos, como aqueles dados por um Sander, uma Germaine Krull, um Blossfeldt, se ela se emancipa de todo interesse fisionômico, político e científico, então ela se torna ‘criadora’. A tarefa da objetiva será a ‘visão simultânea’; o panfletário fotográfico aparece” (BENJAMIN, 2014, p. 112). Unindo fotografia e ativismo político, Germaine Krull desenvolve uma produção repleta de imagens experimentais, as quais refletem sua trajetória complicada e cheia de experiências ao longo do início do século XX.
Germaine Krull - Sem título (Métal, Prancha 47)/1928
Germaine Krull - Sem título (Métal, Prancha 14)/c.1925-1928
Krull empregou diversas técnicas fotográficas para capturar o movimento e a excitação da vida moderna na cidade. Frequentemente, suas fotografias possuíam enquadramentos e pontos de vista peculiares – ângulos extremos – produzindo composições vertiginosas, as quais se cruzavam e se sobrepunham. E com menor frequência, produziu imagens com múltiplas exposições e fotomontagens.
Outra abordagem inovadora é o livro Métal (1928), no qual Krull apresentou 64 imagens fragmentadas de construções, máquinas e estruturas metálicas com ângulos e recortes dinâmicos. Visto o livro como um todo, onde as imagens dialogam entre si em continuidade – sem limites –, as partes incitam a participação do leitor/espectador na construção mental do espaço a partir de abstrações, é o princípio da montagem do filme no livro.
Joris Ivens (1898–1989) no filme De Brug (The Bridge, 1928) retrata as mesmas características físicas das estruturas metálicas que Krull sugere em sua fotografia, no caso, a ponte elevada em Roterdã. Ambos, cineasta e fotógrafa, estavam engajados no estudo e compreensão da montagem fílmica. No livro Germaine Krull: Photographer of Modernity (1999), Kim Sichel foi a primeira a comentar o aspecto cinematográfico do livro Métal, relacionando-o às teorias da montagem de atrações de Serguei Eisenstein. As teorias desse cineasta são de fato necessárias para compreender tanto a estética observada na construção das imagens fotográficas quanto na capacidade que este livro teve de transmitir um significado político para seus contemporâneos dos anos de 1920.
Germaine Krull - Sem título (Métal, Prancha 22)/1928
Germaine Krull - Autorretrato/1925
GERTRUDE KÄSEBIER (1852–1934): A LUZ MODELADORA
A luz revela forma, textura e volume de corpos e objetos. Ao ser eternizado, esse instante de convergência entre o visível e o invisível torna-se vestígio de uma existência, é nessa memória gravada que a fotografia de Gertrude Käserbier encontra-se. Tanto em ambientes internos quanto externos, a fotógrafa trabalha o real para alcançar o imaginário transformando o banal em sublime.
Em suas fotografias, é possível observar a influência da pintura tanto em seus temas quanto no tratamento dados às imagens, nas quais o enquadramento, a composição e o ritmo são cuidadosamente planejados. Ao mesmo tempo em que seus retratos são elaborados, há uma busca pela simplicidade, os cenários não são sofisticados, as poses não são encenadas e a iluminação é a mais natural possível advinda de uma janela ou porta abertas.
Por conta de seu olhar sensível e rigor nos processos técnicos da fotografia – seus negativos eram revelados em platina ou em emulsão de goma bicromatada e, frequentemente, alterava suas fotografias retocando o negativo e/ou refotografando uma fotografia alterada – Käserbier participou de muitos salões e mostras de fotografias, recebendo prêmios importantes. Foi membro-fundadora da Photo-Secession, em 1902 com Alfred Stieglitz (1864-1946) e no ano seguinte, suas fotografias foram publicadas na primeira edição da Revista Camera Work. Alguns anos depois, afastou-se do grupo, e em 1916 foi membro-fundadora do grupo Pictorial Photographers of America.
Seus retratos são impressionantes. Nos interiores de seus cômodos, mães e filhos se encontram, a maternidade é revelada com a delicadeza dos meios tons. A partir dessas imagens é possível compreender a tarefa-renúncia das artistas-fotógrafas que ao mesmo tempo são mães e esposas, pois nelas observa-se a capacidade de extrair das atividades do cotidiano – que por vezes são monótonas, cansativas e repetitivas – os detalhes e sutilezas da composição das formas reveladas pela luz, seu cotidiano é sua inspiração, no entanto, a fotografia é sua profissão, revelando as qualidades ocultas do que é dito normal.
JULIA MARGARET CAMERON (1815-1879): A CÂMERA-NARRADORA
Toda fotografia conta uma história, mas, e quando a fotografia é a própria história? Este pequeno texto poderia iniciar-se com um “era uma vez” como todo conto de fadas. Personagens fantásticos num tempo e espaço indeterminados. Príncipes e princesas, anjos e seres maravilhosos imersos numa atmosfera enevoada. As fotografias de Julia Margaret Cameron não apenas registram pessoas e instantes, elas revelam a preocupação da fotógrafa em apresentar composições expressivas por meio da perfeita utilização da técnica escolhida.
Cameron utilizava colódio úmido sobre placas de vidro – entre 30,48 x 25,4 cm e 38,1 x 30,48 cm – como negativo. Este era um processo complexo e exigente, um pequeno erro em qualquer fase da preparação do negativo ou na sua reveleção poderia afetar drasticamente a aparência de fotografia final e sua permanência no negativo, além de muito periogoso, pois sua composição era altamente inflamável – dissolução de algodão-pólvora (ácido sulfúrico e nítrico) em mistura de álcool e éter.
Na etapa da revelação do negativo, era utilizado um papel liso revestido por uma camada de clara de ovo e solução de nitrato de prata. Quando seco, o papel era colocado em contato com o negativo por meio de um quadro-sanduíche que pressionava um contra o outro. Expostos à luz do dia, a imagem surgia através do efeito da luz sobre o papel fotosensibilizado. Assim, o tamanho do negativo geralmente determinado o tamanho da impressão. Em sua finalização, a imagem revelada era então tonalizada, tornando-se permanente.
Mesmo com tantas regras a serem seguidas, Cameron foi além, se deixou levar pela experimentação tratando seus negativos e revelações de maneira menos ortodoxa o que possibilitou a descoberta de diversos efeitos, os quais estavam diretamente relacionados com o tema escolhido. Esses efeitos pictóricos e o uso distinto do foco, no caso o desfoque, fez com que muitos fotógrafos contemporâneos a desqualificassem por causa desses “defeitos”. Essa atitude repulsiva de alguns fez com que Cameron se associasse a fotógrafos ligados ao movimento conhecido como Pictorialismo.
No contexto onde a fotografia buscava seu reconhecimento como linguagem artística, o Pictorialismo apropriava-se de temas da tradição da pintura, como paisagens, figuras femininas idealizadas, nus, alegorias, retratos, naturezas-mortas com o intuito de equiparar a fotografia à arte maior da pintura, alicerçando assim a visualidade fotográfica em qualidades plásticas e na capacidade de criar luminosidade.
A imagem fotográfica era manipulada para abranger os efeitos da realidade, na busca pela idealização do real. Mesmo com as limitações impostas pelo caráter mecânico da câmera fotográfica, o fotógrafo não se diferenciava do pintor, pois tal como ele o fotógrafo deveria possuir um sentido instintivo da beleza da linha, da forma e da cor, obtendo a síntese pela eliminação e agrupamento dos elementos, trazendo a sensação de prazer para o espectador, como era o esperado com a pintura.
Julia Margaret Cameron com seus retratos e cenas alegóricas inspiradas em obras religiosas e literárias trouxe para a fotografia a possibilidade de narrar histórias. Com sua maneira peculiar de tratar a imagem mesclando subjetividade e teatralidade, a luminosidade de suas imagens fotográficas sempre envoltas de atmosferas insólitas, fez com que seus personagens permanecessem eternos,cujos olhares alcançassem outros olhares, cativando e encantando espectadores e fotógrafos até os dias de hoje.
2015 é ano do bicentenário do nascimento de Cameron, e em comemoração Victoria and Alfred Museum exibirá 100 fotografias de seu acervo com o intuito de refletir sobre as trocas culturais que a fotógrafa tinha com o fundador do museu, Sir Henry Cole (1808-1882), o qual organizou a primeira exposição do museu com os trabalhos da fotógrafa. Também estarão inclusos trabalhos dados e vendidos ao museu e correspondências entre ela e o diretor, as quais revelam suas reflexões sobre técnicas e práticas da fotografia. A exposição ocorrerá entre 28 de novembro de 2015 e 14 de fevereiro de 2016.
Texto por Fabiola Notari.
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Fabiola B. Notari é artista visual e pesquisadora. É doutoranda em Literatura e Cultura Russa no Departamento de Letras Orientais (DLO/FFLCH/USP) e mestre em Poéticas Visuais pela Faculdade Santa Marcelina (FASM/ASM). Leciona História da Fotografia e Fotomontagem no Curso Superior de Fotografia no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e coordena o Grupo de Estudos Livros de artista, livros-objetos: entre vestígios e apagamentos na Casa Contemporânea.
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