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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Documentos culpam governo da Espanha pela morte de Garcia Lorca






Poeta foi fuzilado em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola

O poeta espanhol Frederico Garcia Lorca é nome fundamental na literatura mundial / Divulgação

O poeta espanhol Frederico Garcia Lorca é nome fundamental na literatura mundial



Pela primeira vez na história, vem a público um documento oficial que comprova a responsabilidade do governo espanhol no fuzilamento do poeta Federico García Lorca pelas forças antirrepublicanas durante a Guerra Civil Espanhola.

Um registro policial e cartas de ministros revelam que o Lorca foi preso e assassinado por motivos políticos.
Em entrevista ao jornal El País a sobrinha do poeta, Laura García Lorca, afirmou a importância histórica desses documentos, que encerrariam as diferentes versões que circularam ao longo das últimas oito décadas sobre o fuzilamento do escritor.

"A polícia reconhece o que já sabíamos: que foi um crime político porque o consideravam, nessa ordem, socialista, amigo de (líder socialista) Fernando de los Ríos, maçom e homossexual", disse Laura.

O autor de Bodas de sangue foi fuzilado aos 38 anos, em 19 de agosto de 1936 - um mês após o início da Guerra Civil Espanhola. Seus restos mortais jamais foram encontrados.
Os documentos revelados agora são de 9 de julho de 1965 -29 anos depois, portanto, da morte de García Lorca. Na época, a ditadura franquista havia pedido a informação à polícia a pedido de Marcelle Auclair, uma hispanista francesa que trabalhava em uma biografia sobre o escritor.

A informação, no entanto, acabou sendo censurada pelo regime, como comprova a correspondência entre ministros espanhóis também encontrada agora.

O que a ditadura franquista, que governou a Espanha de 1939 a 1976, quis esconder é um relatório escrito à máquina por um policial da 3ª Brigada Regional de Investigação Social de Granada. O texto não deixa dúvidas de que a ordem de prisão do poeta -identificado como "socialista pela tendência de suas manifestações"- foi um pedido do governo.

"No quartel da Falange, instalado na rua San Jeronimo, se encontravam o chefe do batalhão don Miguel Rosales Camacho quando nele se apresentaram o deputado obrerista pela CEDA, don Ramón Ruiz Alonso, don Juan Trescastro, don Federico Martín Lagos e outra pessoa que não foi possível identificar, com uma ordem de detenção emitida pelo Governo Civil contra FEDERICO GARCÍA LORCA".

No parágrafo seguinte, o documento descreve o que aconteceu com Federico García Lorca, depois de ter sido detido em uma operação que envolveu, segundo o documento, soldados das Guardias de Asalto (as forças de segurança do regime franquista).

O poeta foi levado aos "calabouços (da sede do) Governo Civil" de Granada, cidade onde nasceu e viveu durante toda a vida. Mais adiante, o registro diz que ele foi retirado do local e conduzido a Viznar, onde foi fuzilado depois de "confessar".
BRUMAS

Ao El País, José Luis Ledesma, professor de história contemporânea da Universidade de Zaragoza, comentou que a revelação desses documentos é algo sem precedentes. Ele também destaca o caráter confidencial do arquivo, que reconhece abertamente o que já era sabido -embora jamais confirmado- por pesquisadores de Lorca e da Guerra Civil Espanhola.

"Publicamente, até onde sei, nunca aceitaram que a morte do Lorca procedesse de uma ordem superior. Sempre aludiam a disputas fora de controle, cercando-a de brumas", disse Ledesma.




jconline.ne10.uol.com.br


MORTE DE FEDERICO GARCÍA LORCA





                                                    
Em 1937, Pablo Neruda perguntava:  “Como se atrever a destacar um nome dessa imensa selva de nossos mortos?”  É certo: todas as vidas têm o mesmo valor desmedido.  Mas há mortes que ganham força e alcance pelo símbolo em que se convertem, como sublinha a filóloga Isabel Clúa na introdução  da antologia poética;  “O Crime foi em Granada”.

“O Crime foi em Granada”, assim se erguia a voz de Antonio Machado na primeira reação poética diante de um assassinato tão absurdo e injusto.  A terra natal de Lorca convertida em seu leito de morte.  Morrer na própria terra como símbolo universal da pior das guerras (sim, existem as piores): aquela em que se enfrentam pessoas de uma mesma raiz e de um mesmo sangue.

“Eu sou espanhol por inteiro e me seria impossível viver fora dos meus limites geográficos; mas odeio ao que é espanhol e nada mais; sou irmão de todos e execro o homem que se sacrifica por uma ideia nacionalista, abstrata, pelo simples fato de que ama a sua pátria com uma venda nos olhos.  

O chinês bom está mais perto de mim que o mau espanhol.  Canto a Espanha e a sinto até a medula, mas, acima de tudo, sou homem do mundo e irmão de todos.  Assim, não creio na fronteira política”.  


Dado que para a sua condenação, o poeta não teve direito a julgamento nem sentença, essas palavras suas, numa entrevista dada poucos dias antes de sua morte, podem servir para ilustrar a absoluta incompatibilidade entre a sua forma de sentir e a nebulosa nacionalista que se espalhou pelo país.

A dor e seu manto 
Vêm mais uma vez ao nosso encontro 
E uma vez mais no beco do pranto 
Chuvosamente entro

Miguel Hernández converte a noticia terrível da morte do poeta num presságio, o de outras mortes e o do começo de uma longa ditadura.  

A notícia correu de boca em boca, primeiro do lado republicano; depois, com ressonância internacional.  Uma mancha que seguiria pesando sobre o regime que governaria depois da guerra.  Machado e Hernández, ambos poetas, acabaram também sendo vítimas da violência franquista, com armas menos estrondosas que as balas que martirizaram Lorca.  


Miguel Hernández morreu de tuberculose na prisão, enquanto Machado encontraria o destino ao cruzar a fronteira da França.

A vida de exílio é outra forma de morrer, como foi a sorte de muitos outros, entre os quais a do poeta Luis Cernuda, engrossando a sombra do sofrimento provocado pelo franquismo, que assinalou:

Por isso te mataram, porque eras / Verdura e nossa terra árida / E azul em nosso ar obscuro.


O fascismo italiano registrou o seu primeiro e simbólico caso de violência com o assassinato de um político socialista, Giacomo Matteotti.  

O nazismo, com a chamada “Noite dos Longos Punhais”, deu seu salto para a frente na radicalização política.  


Na Espanha, o assassinato de Lorca marca uma tônica distinta: a primeira vítima simbólica de um sacrifício, cuja notícia alertou o mundo, seria um poeta.  


A guerra incivil de Franco abrigou, como acontece em todas as ditaduras, travada contra os humanistas e os pensadores.  Assassinaram, prenderam e exilaram todos os intelectuais que ousaram enfrentar o poder.  

A liberdade de expressão ficou reservada aos poderosos e também aos psiquiatras.

Antonio Vallejo Nájera e outros se encarregariam de propiciar tratamentos de choque contra a decadência da raça espanhola.  

As mulheres que no teatro de Lorca tinham encontrado uma referência de igualdade (em virtudes e defeitos) com o homem, voltaram a ser relegadas a uma condição de inferioridade respaldada por Nájera, o psiquiatra favorito do regime franquista:  


“Atrofia a inteligência da mulher como as asas das mariposas da ilha de Kerguelen, visto que a missão dela no mundo não é lutar na vida, mas carregar a descendência de que tem de lutar por ela”.  


Os filhos das republicanas eram separados das mães, com o beneplácito do gabinete de Investigações Psicológicas, para isolar esse “gene vermelho”.

Ficava proibida uma condenação tão revolucionária como aquela, na obra de Lorca, dirigida pela Velha a Yerma, punida pela negação do seu direito à maternidade: 

“A culpa é de seu marido, estás ouvindo?”  


Deixaria que me cortassem as mãos.  

Nem seu pai, nem seu avô, nem seu bisavô se comportaram como homens de casta”.  
Yerma, assassinando o esposo, também assassina o filho que ele nunca quis lhe dar.  Tiradas vistas como delirantes saídas da mente de um dramaturgo homossexual.

Com Lorca morreu mais que o homem, o intelectual, o escritor, o dramaturgo, o músico e o poeta.  

Morreu uma voz que abria a Espanha ao mundo.  Fechou-se por muitos anos a porta entre a cultura oficial e a cultura dos ciganos.  

Caiu a vasta ponte lançada pelo poeta com os negros dos Estados Unidos.  Secou-se o manancial subterrâneo que desde o simbolismo e o surrealismo francês fez brotar os versos desse andaluz universal.  
Miguel de Unamuno condenou o franquismo a uma impotência intelectual e cultural que se instalou, de fato, ao longo de uma ditadura cinza e interminável: “Vencereis, mas não convencereis”, vaticinou em 1936, o filósofo.

Só o dogmatismo de um catolicismo tão obscuro como o dos piores anos da contrarreforma serviria de falso argumento a Franco.  
O ditador sem estatura não tinha o super-homem de Nietzsche como livro de cabeceira, mas a mão incorruptível de Santa Teresa.  

“Esse escritor morreu no meio dos revoltosos.  São acidentes naturais da guerra”, assim o ditador Franco, mais uma vez tendo somente o argumento do vencedor, despachava a imprensa, conforme lembra Ian Gibson, o historiador que dedicou anos da sua vida à investigação da morte de García Lorca.  


O poeta Antonio Machado exortou:

Edifiquem, amigos,/ De pedra e sonho, no Alhambra,/ Um túmulo para o poeta,/ Sobre uma fonte onde chore a água / E eternamente diga: / O crime foi em granada, / em sua Granada!

O assassinato de Lorca segue pesando sobre as frágeis asas d eum país com muitos problemas de identidade.  

Os festivais de teatro, os violões dos ciganos, as vozes de Camarón de la Isla, de Enrique Morente, de Leonard Cohen e muitas outras repetem como um eco suas obras imortais.  


A sua ausência segue rondando a árida paisagem desta terra esquartejada.

Casa dos Rosales, em Granada, onde García Lorca foi preso.


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