O poeta espanhol Frederico Garcia Lorca é nome fundamental na literatura mundial
Pela primeira vez na história, vem a público um documento oficial que comprova a responsabilidade do governo espanhol no fuzilamento do poeta Federico García Lorca pelas forças antirrepublicanas durante a Guerra Civil Espanhola.
Um registro policial e cartas de ministros revelam que o Lorca foi preso e assassinado por motivos políticos.
Em entrevista ao jornal El País a sobrinha do poeta, Laura García Lorca, afirmou a importância histórica desses documentos, que encerrariam as diferentes versões que circularam ao longo das últimas oito décadas sobre o fuzilamento do escritor.
"A polícia reconhece o que já sabíamos: que foi um crime político porque o consideravam, nessa ordem, socialista, amigo de (líder socialista) Fernando de los Ríos, maçom e homossexual", disse Laura.
O autor de Bodas de sangue foi fuzilado aos 38 anos, em 19 de agosto de 1936 - um mês após o início da Guerra Civil Espanhola. Seus restos mortais jamais foram encontrados.
Os documentos revelados agora são de 9 de julho de 1965 -29 anos depois, portanto, da morte de García Lorca. Na época, a ditadura franquista havia pedido a informação à polícia a pedido de Marcelle Auclair, uma hispanista francesa que trabalhava em uma biografia sobre o escritor.
A informação, no entanto, acabou sendo censurada pelo regime, como comprova a correspondência entre ministros espanhóis também encontrada agora.
O que a ditadura franquista, que governou a Espanha de 1939 a 1976, quis esconder é um relatório escrito à máquina por um policial da 3ª Brigada Regional de Investigação Social de Granada. O texto não deixa dúvidas de que a ordem de prisão do poeta -identificado como "socialista pela tendência de suas manifestações"- foi um pedido do governo.
"No quartel da Falange, instalado na rua San Jeronimo, se encontravam o chefe do batalhão don Miguel Rosales Camacho quando nele se apresentaram o deputado obrerista pela CEDA, don Ramón Ruiz Alonso, don Juan Trescastro, don Federico Martín Lagos e outra pessoa que não foi possível identificar, com uma ordem de detenção emitida pelo Governo Civil contra FEDERICO GARCÍA LORCA".
No parágrafo seguinte, o documento descreve o que aconteceu com Federico García Lorca, depois de ter sido detido em uma operação que envolveu, segundo o documento, soldados das Guardias de Asalto (as forças de segurança do regime franquista).
O poeta foi levado aos "calabouços (da sede do) Governo Civil" de Granada, cidade onde nasceu e viveu durante toda a vida. Mais adiante, o registro diz que ele foi retirado do local e conduzido a Viznar, onde foi fuzilado depois de "confessar".
BRUMAS
Ao El País, José Luis Ledesma, professor de história contemporânea da Universidade de Zaragoza, comentou que a revelação desses documentos é algo sem precedentes. Ele também destaca o caráter confidencial do arquivo, que reconhece abertamente o que já era sabido -embora jamais confirmado- por pesquisadores de Lorca e da Guerra Civil Espanhola.
"Publicamente, até onde sei, nunca aceitaram que a morte do Lorca procedesse de uma ordem superior. Sempre aludiam a disputas fora de controle, cercando-a de brumas", disse Ledesma.
mosqueteirasliterarias.comunidades.net
Um registro policial e cartas de ministros revelam que o Lorca foi preso e assassinado por motivos políticos.
Em entrevista ao jornal El País a sobrinha do poeta, Laura García Lorca, afirmou a importância histórica desses documentos, que encerrariam as diferentes versões que circularam ao longo das últimas oito décadas sobre o fuzilamento do escritor.
"A polícia reconhece o que já sabíamos: que foi um crime político porque o consideravam, nessa ordem, socialista, amigo de (líder socialista) Fernando de los Ríos, maçom e homossexual", disse Laura.
O autor de Bodas de sangue foi fuzilado aos 38 anos, em 19 de agosto de 1936 - um mês após o início da Guerra Civil Espanhola. Seus restos mortais jamais foram encontrados.
Os documentos revelados agora são de 9 de julho de 1965 -29 anos depois, portanto, da morte de García Lorca. Na época, a ditadura franquista havia pedido a informação à polícia a pedido de Marcelle Auclair, uma hispanista francesa que trabalhava em uma biografia sobre o escritor.
A informação, no entanto, acabou sendo censurada pelo regime, como comprova a correspondência entre ministros espanhóis também encontrada agora.
O que a ditadura franquista, que governou a Espanha de 1939 a 1976, quis esconder é um relatório escrito à máquina por um policial da 3ª Brigada Regional de Investigação Social de Granada. O texto não deixa dúvidas de que a ordem de prisão do poeta -identificado como "socialista pela tendência de suas manifestações"- foi um pedido do governo.
"No quartel da Falange, instalado na rua San Jeronimo, se encontravam o chefe do batalhão don Miguel Rosales Camacho quando nele se apresentaram o deputado obrerista pela CEDA, don Ramón Ruiz Alonso, don Juan Trescastro, don Federico Martín Lagos e outra pessoa que não foi possível identificar, com uma ordem de detenção emitida pelo Governo Civil contra FEDERICO GARCÍA LORCA".
No parágrafo seguinte, o documento descreve o que aconteceu com Federico García Lorca, depois de ter sido detido em uma operação que envolveu, segundo o documento, soldados das Guardias de Asalto (as forças de segurança do regime franquista).
O poeta foi levado aos "calabouços (da sede do) Governo Civil" de Granada, cidade onde nasceu e viveu durante toda a vida. Mais adiante, o registro diz que ele foi retirado do local e conduzido a Viznar, onde foi fuzilado depois de "confessar".
BRUMAS
Ao El País, José Luis Ledesma, professor de história contemporânea da Universidade de Zaragoza, comentou que a revelação desses documentos é algo sem precedentes. Ele também destaca o caráter confidencial do arquivo, que reconhece abertamente o que já era sabido -embora jamais confirmado- por pesquisadores de Lorca e da Guerra Civil Espanhola.
"Publicamente, até onde sei, nunca aceitaram que a morte do Lorca procedesse de uma ordem superior. Sempre aludiam a disputas fora de controle, cercando-a de brumas", disse Ledesma.
jconline.ne10.uol.com.br
MORTE DE FEDERICO GARCÍA LORCA
Em 1937, Pablo Neruda perguntava: “Como se atrever a destacar um nome dessa imensa selva de nossos mortos?” É certo: todas as vidas têm o mesmo valor desmedido. Mas há mortes que ganham força e alcance pelo símbolo em que se convertem, como sublinha a filóloga Isabel Clúa na introdução da antologia poética; “O Crime foi em Granada”.
“O Crime foi em Granada”, assim se erguia a voz de Antonio Machado na primeira reação poética diante de um assassinato tão absurdo e injusto. A terra natal de Lorca convertida em seu leito de morte. Morrer na própria terra como símbolo universal da pior das guerras (sim, existem as piores): aquela em que se enfrentam pessoas de uma mesma raiz e de um mesmo sangue.
“Eu sou espanhol por inteiro e me seria impossível viver fora dos meus limites geográficos; mas odeio ao que é espanhol e nada mais; sou irmão de todos e execro o homem que se sacrifica por uma ideia nacionalista, abstrata, pelo simples fato de que ama a sua pátria com uma venda nos olhos.
O chinês bom está mais perto de mim que o mau espanhol. Canto a Espanha e a sinto até a medula, mas, acima de tudo, sou homem do mundo e irmão de todos. Assim, não creio na fronteira política”.
Dado que para a sua condenação, o poeta não teve direito a julgamento nem sentença, essas palavras suas, numa entrevista dada poucos dias antes de sua morte, podem servir para ilustrar a absoluta incompatibilidade entre a sua forma de sentir e a nebulosa nacionalista que se espalhou pelo país.
O chinês bom está mais perto de mim que o mau espanhol. Canto a Espanha e a sinto até a medula, mas, acima de tudo, sou homem do mundo e irmão de todos. Assim, não creio na fronteira política”.
Dado que para a sua condenação, o poeta não teve direito a julgamento nem sentença, essas palavras suas, numa entrevista dada poucos dias antes de sua morte, podem servir para ilustrar a absoluta incompatibilidade entre a sua forma de sentir e a nebulosa nacionalista que se espalhou pelo país.
A dor e seu manto
Vêm mais uma vez ao nosso encontro
E uma vez mais no beco do pranto
Chuvosamente entro
Miguel Hernández converte a noticia terrível da morte do poeta num presságio, o de outras mortes e o do começo de uma longa ditadura.
A notícia correu de boca em boca, primeiro do lado republicano; depois, com ressonância internacional. Uma mancha que seguiria pesando sobre o regime que governaria depois da guerra. Machado e Hernández, ambos poetas, acabaram também sendo vítimas da violência franquista, com armas menos estrondosas que as balas que martirizaram Lorca.
Miguel Hernández morreu de tuberculose na prisão, enquanto Machado encontraria o destino ao cruzar a fronteira da França.
A notícia correu de boca em boca, primeiro do lado republicano; depois, com ressonância internacional. Uma mancha que seguiria pesando sobre o regime que governaria depois da guerra. Machado e Hernández, ambos poetas, acabaram também sendo vítimas da violência franquista, com armas menos estrondosas que as balas que martirizaram Lorca.
Miguel Hernández morreu de tuberculose na prisão, enquanto Machado encontraria o destino ao cruzar a fronteira da França.
A vida de exílio é outra forma de morrer, como foi a sorte de muitos outros, entre os quais a do poeta Luis Cernuda, engrossando a sombra do sofrimento provocado pelo franquismo, que assinalou:
Por isso te mataram, porque eras / Verdura e nossa terra árida / E azul em nosso ar obscuro.
O fascismo italiano registrou o seu primeiro e simbólico caso de violência com o assassinato de um político socialista, Giacomo Matteotti.
O nazismo, com a chamada “Noite dos Longos Punhais”, deu seu salto para a frente na radicalização política.
Na Espanha, o assassinato de Lorca marca uma tônica distinta: a primeira vítima simbólica de um sacrifício, cuja notícia alertou o mundo, seria um poeta.
A guerra incivil de Franco abrigou, como acontece em todas as ditaduras, travada contra os humanistas e os pensadores. Assassinaram, prenderam e exilaram todos os intelectuais que ousaram enfrentar o poder.
A liberdade de expressão ficou reservada aos poderosos e também aos psiquiatras.
O nazismo, com a chamada “Noite dos Longos Punhais”, deu seu salto para a frente na radicalização política.
Na Espanha, o assassinato de Lorca marca uma tônica distinta: a primeira vítima simbólica de um sacrifício, cuja notícia alertou o mundo, seria um poeta.
A guerra incivil de Franco abrigou, como acontece em todas as ditaduras, travada contra os humanistas e os pensadores. Assassinaram, prenderam e exilaram todos os intelectuais que ousaram enfrentar o poder.
A liberdade de expressão ficou reservada aos poderosos e também aos psiquiatras.
Antonio Vallejo Nájera e outros se encarregariam de propiciar tratamentos de choque contra a decadência da raça espanhola.
As mulheres que no teatro de Lorca tinham encontrado uma referência de igualdade (em virtudes e defeitos) com o homem, voltaram a ser relegadas a uma condição de inferioridade respaldada por Nájera, o psiquiatra favorito do regime franquista:
“Atrofia a inteligência da mulher como as asas das mariposas da ilha de Kerguelen, visto que a missão dela no mundo não é lutar na vida, mas carregar a descendência de que tem de lutar por ela”.
Os filhos das republicanas eram separados das mães, com o beneplácito do gabinete de Investigações Psicológicas, para isolar esse “gene vermelho”.
As mulheres que no teatro de Lorca tinham encontrado uma referência de igualdade (em virtudes e defeitos) com o homem, voltaram a ser relegadas a uma condição de inferioridade respaldada por Nájera, o psiquiatra favorito do regime franquista:
“Atrofia a inteligência da mulher como as asas das mariposas da ilha de Kerguelen, visto que a missão dela no mundo não é lutar na vida, mas carregar a descendência de que tem de lutar por ela”.
Os filhos das republicanas eram separados das mães, com o beneplácito do gabinete de Investigações Psicológicas, para isolar esse “gene vermelho”.
Ficava proibida uma condenação tão revolucionária como aquela, na obra de Lorca, dirigida pela Velha a Yerma, punida pela negação do seu direito à maternidade:
“A culpa é de seu marido, estás ouvindo?”
Deixaria que me cortassem as mãos.
Nem seu pai, nem seu avô, nem seu bisavô se comportaram como homens de casta”.
Yerma, assassinando o esposo, também assassina o filho que ele nunca quis lhe dar. Tiradas vistas como delirantes saídas da mente de um dramaturgo homossexual.
“A culpa é de seu marido, estás ouvindo?”
Deixaria que me cortassem as mãos.
Nem seu pai, nem seu avô, nem seu bisavô se comportaram como homens de casta”.
Yerma, assassinando o esposo, também assassina o filho que ele nunca quis lhe dar. Tiradas vistas como delirantes saídas da mente de um dramaturgo homossexual.
Com Lorca morreu mais que o homem, o intelectual, o escritor, o dramaturgo, o músico e o poeta.
Morreu uma voz que abria a Espanha ao mundo. Fechou-se por muitos anos a porta entre a cultura oficial e a cultura dos ciganos.
Caiu a vasta ponte lançada pelo poeta com os negros dos Estados Unidos. Secou-se o manancial subterrâneo que desde o simbolismo e o surrealismo francês fez brotar os versos desse andaluz universal.
Miguel de Unamuno condenou o franquismo a uma impotência intelectual e cultural que se instalou, de fato, ao longo de uma ditadura cinza e interminável: “Vencereis, mas não convencereis”, vaticinou em 1936, o filósofo.
Morreu uma voz que abria a Espanha ao mundo. Fechou-se por muitos anos a porta entre a cultura oficial e a cultura dos ciganos.
Caiu a vasta ponte lançada pelo poeta com os negros dos Estados Unidos. Secou-se o manancial subterrâneo que desde o simbolismo e o surrealismo francês fez brotar os versos desse andaluz universal.
Miguel de Unamuno condenou o franquismo a uma impotência intelectual e cultural que se instalou, de fato, ao longo de uma ditadura cinza e interminável: “Vencereis, mas não convencereis”, vaticinou em 1936, o filósofo.
Só o dogmatismo de um catolicismo tão obscuro como o dos piores anos da contrarreforma serviria de falso argumento a Franco.
O ditador sem estatura não tinha o super-homem de Nietzsche como livro de cabeceira, mas a mão incorruptível de Santa Teresa.
“Esse escritor morreu no meio dos revoltosos. São acidentes naturais da guerra”, assim o ditador Franco, mais uma vez tendo somente o argumento do vencedor, despachava a imprensa, conforme lembra Ian Gibson, o historiador que dedicou anos da sua vida à investigação da morte de García Lorca.
O poeta Antonio Machado exortou:
O ditador sem estatura não tinha o super-homem de Nietzsche como livro de cabeceira, mas a mão incorruptível de Santa Teresa.
“Esse escritor morreu no meio dos revoltosos. São acidentes naturais da guerra”, assim o ditador Franco, mais uma vez tendo somente o argumento do vencedor, despachava a imprensa, conforme lembra Ian Gibson, o historiador que dedicou anos da sua vida à investigação da morte de García Lorca.
O poeta Antonio Machado exortou:
Edifiquem, amigos,/ De pedra e sonho, no Alhambra,/ Um túmulo para o poeta,/ Sobre uma fonte onde chore a água / E eternamente diga: / O crime foi em granada, / em sua Granada!
O assassinato de Lorca segue pesando sobre as frágeis asas d eum país com muitos problemas de identidade.
Os festivais de teatro, os violões dos ciganos, as vozes de Camarón de la Isla, de Enrique Morente, de Leonard Cohen e muitas outras repetem como um eco suas obras imortais.
A sua ausência segue rondando a árida paisagem desta terra esquartejada.
Os festivais de teatro, os violões dos ciganos, as vozes de Camarón de la Isla, de Enrique Morente, de Leonard Cohen e muitas outras repetem como um eco suas obras imortais.
A sua ausência segue rondando a árida paisagem desta terra esquartejada.
Casa dos Rosales, em Granada, onde García Lorca foi preso.
Sem comentários:
Enviar um comentário