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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

“Com Tom Jobim foi tudo platónico” diz a Garota de Ipanema


É a musa da segunda música mais tocada no mundo: Garota de Ipanema. 

Agora que o Rio de Janeiro faz 453 anos, recordamos 

a entrevista onde Heloísa Pinheiro conta como enfeitiçou 

Vinicius e Jobim

“Com Tom  Jobim foi tudo platónico” diz a Garota de Ipanema

Para quem não sabe, "a coisa mais linda" e "mais cheia de graça" que inspirou Vinicius de Moraes e António Carlos (Tom) Jobim a comporem o tema Garota de Ipanema – segunda música mais tocada no mundo, atrás de Yesterday, dos Beatles – existe, está viva e lançou em 2012 um livro no Brasil [altura em que deu esta entrevista à SÁBADO]: A Eterna Garota de Ipanema. Mais: aos 67 anos, a empresária e apresentadora Helô Pinheiro continua bonita e bem-humorada. Ao telefone, quando a jornalista pediu desculpa pela voz roufenha, justificando-se com uma constipação, ela brincou, com sotaque português: "Está cons-ti-pa-da?! Aqui a gente usa esse termo para falar de mal da barriga." A conversa começou assim, a rir.
Fala muito bem português.



A família do meu marido é portuguesa. A mãe de Penafiel, o pai das Taipas. E tenho portugueses do lado da minha avó, mas mais para trás. Fiz a lua-de-mel em Portugal, sabia?

Sabia. E para ir conhecer a família do seu marido recusou um convite enviado pelo Palácio de Buckingham para tomar chá com a Rainha.
É. Fui comer no Pedro dos Leitões, na Bairrada, e de lá fomos para casa de umas tias, em Taipas. Não podia deixar a minha família para ir visitar a família de Inglaterra.

Tanto estou apaixonado que a gente fez esta música para você.' Comecei a pensar que aquilo podia ter um fundo de verdade, mas era uma coisa tão fora das minhas expectativas. Ele tinha 30 anos, era casado, tinha filhos e eu era... virgem. Heloísa Pinheiro sobre Tom Jobim
Tinha 19 anos quando António Carlos (Tom) Jobim, que mal conhecia, quis casar consigo.
Ele pediu para falar comigo, sentámo-nos num banco, na praia, e ele disse, de supetão: ‘Quero casar com você.’ Achei que estava brincando. Depois, com mais calma, explicou-me que não estava bem com a mulher, que se tinha apaixonado por mim. Ele era tão lindo... Eu estava namorando firme mas tremi. Para me convencer, ele falou: "Tanto estou apaixonado que a gente fez esta música para você." Comecei a pensar que aquilo podia ter um fundo de verdade, mas era uma coisa tão fora das minhas expectativas. Ele tinha 30 anos, era casado, tinha filhos e eu era... virgem.

Foi a primeira conversa, mas já o conhecia.
Em 1962, quando eu tinha 16 anos, passava em frente de um bar, o Veloso, e eles – o Tom, o Vinicius – brincavam: "Bonitinha, vem cá." Eu morria de vergonha, era muito tímida. Mas não sabia que era o Tom, que era o Vinicius, sabia que eram uns homens que brincavam sempre que eu passava, vinda da escola, muitas vezes de uniforme.

No seu livro conta que Tom levou Vinicius ao Veloso para a ver passar.
Foi o Tom que me revelou, anos mais tarde. Disse que eles ficaram me esperando e eu não passava. Quando passei, o Tom perguntou ao Vinicius: "Não é a coisa mais linda?" E Vinicius respondeu: "A mais cheia de graça."

Astrud Gilberto, uma das intérpretes do tema, chegou a ser dada como Garota de Ipanema.
Ela cantava muito a música nos Estados Unidos e achavam que era ela a Garota. Mas depois, com montes de meninas aparecendo e reclamando o título, Tom e Vinicius decidiram contar. Em 1965, Vinicius chamou-me e fizemos uma reportagem para a revista Manchete. Mais tarde, quando fui capa da Playboy, foi o Tom que escreveu o texto: "Heloísa, minha brisa/minha terna inspiração/quando eu vejo Helô Pinheiro/corro para o banheiro, vou tomar a extrema unção"...

Era completamente apaixonado por si.
Mas sempre foi uma coisa platónica. Na última página do meu livro tem um cartãozinho, que só agora mostrei, com a letrinha dele: "Para a minha paixão platónica."
O seu marido tinha ciúmes dele e do Vinicius.
Até dizia que ia bater neles. Mas depois de os conhecer, ficaram amigos. Saíamos juntos.

Vinicius era seu confidente. Com o Tom ficou sempre uma pedra no sapato, verdade?
Sim, mas ele foi meu padrinho de casamento. Não queria, dizia que nos casamentos em que era padrinho a noiva separava-se rápido. Não quis saber. Foi, vestiu um fato, que era uma coisa difícil de conseguir, e gravata. Vinicius estava no festival de Cannes.

A seguir, Tom Jobim separou-se e casou com uma mulher parecida consigo.
Diziam que sim. Uma vez, disse-me à frente da mulher: "Você não quis casar comigo, eu casei com ela porque se parece com você." Ela ficou calada, quieta. Mas não deve ter gostado. Tanto que éramos para sair todos juntos e eles já não foram.

Tal como o Tom, era filha de pais separados. Imagino que isso não fosse comum, na época.
Foi muito difícil. Eu tinha 5 anos e fui morar com a minha avó num orfanato, que ela dirigia. Até que a minha mãe conseguiu um apartamento no Leblon, e um emprego, e a minha avó largou o orfanato para ficar connosco. Éramos nós as três, o meu irmão e o meu tio. O meu pai era militar e servia noutras bases. Sentia muito a falta dele.

Fala dele como um homem muito afável.
Era uma pessoa maravilhosa, mas se mexessem com a família ou com os amigos  tomava as dores dos outros. Uma vez, em criança, o porteiro deu-me um cascudo [palmada na cabeça] porque achou que eu tinha riscado uma parede. Quando contei ao meu pai, parecia um dragão. Foi lá, armado, e brigou tanto com o homem que tive medo que saísse  tiro.
Questionava: "Será que isso é michê ou cachê?" Michê é negócio de mulher que entrega o corpo, sabe? Mas o orçamento lá de casa era curto e um dia pensei: "Não estou a fazer nada de mal" e fiz um anúncio para uma rádio. Heloísa Pinheiro sobre a mãe
Quando nasceu, ele nem a quis ver.
Porque era menina. Era muito machista. Minha mãe contava que ele dizia: "Para quê outro filho? Queria um filho homem, veio. Já chega." Quando ficou grávida, com medo da reacção dele, ela ficava cavalgando para ver se perdia o bebé. Não perdeu. Eu nasci e quando o meu pai soube que era mulher não quis nem ver. Mas todo o hospital ficou encantado – eu tinha olho azul e cabelo preto. Alguém comentou e ele acabou indo ver. Ficou apaixonado e foi agarrado a mim a vida toda.

Começou a fazer publicidade muito cedo, apesar da oposição da sua mãe.
No fundo, ela questionava: "Será que isso é michê ou cachê?" Michê é negócio de mulher que entrega o corpo, sabe? Mas o orçamento lá de casa era curto e um dia pensei: "Não estou a fazer nada de mal" e fiz um anúncio para uma rádio, achando que era uma coisa pequena – saiu uma foto enorme, no jornal. A minha mãe acabou por entender e passou a ir comigo a esses trabalhos. Até que veio a história da Garota de Ipanema.

Por causa da sua mãe, e do seu marido, recusou ser protagonista de um filme, viajar à volta do mundo.
Eram três contra: mãe, pai, marido. E eu não queria briga. Mas, olhando para trás, percebo que perdi grandes oportunidades.

Como é que convenceu o seu marido a deixá-la entrar numa telenovela [Cara a Cara]?
Ele perdeu tudo. Tinha uma vida boa, os pais tinham uma siderurgia com filiais em S. Paulo, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, e moravam numa casa de três andares com elevador dentro. O pai dele era português, e português não gosta de ser desleal. Importou material para o governo, o governo disse que não podia suportar a despesa, a carga deteriorou-se e, como ele fez questão de pagar a todo mundo, faliu. Enfrentámos algumas dificuldades. Nessa altura, chamaram-me para uma novela da Rede Bandeirantes. Quando contei ao Fernando, ficou passado – estava sentado no sofá e quase foi engolido pela almofada. Teve medo que eu o abandonasse. Mas fiquei ali, ao lado dele. Tinha 33 anos e três filhos. Segurei a família.

A Globo convidou-a para participar em Água Viva, que fez sucesso em Portugal.
E em Coração Alado. Achei que ia fazer carreira mas vivia em S. Paulo e não podia ir e vir assim para o Rio e o meu filho estava doente.

Teve um acidente, não foi? Ficou com sequelas?
Ficou. Tem 30 anos e é uma criança. Joga futebol, nada superbem, anda de bicicleta, mas não lê nem escreve e tem dificuldade em falar. Está sempre comigo, é superbonzinho, mas tem de fazer um monte de terapia.

Como é que o seu marido reagiu quando decidiu posar a primeira vez para a Playboy, em 1987?
Aí já tinha descambado tudo! O convite veio para ele, pedindo permissão, e ele fez algumas exigências à produção: "Não pode ter perna aberta; não pode ficar escachada." Disse-me: "É um dinheirinho para você, já que não posso te dar o que queria." Tomámos a decisão em conjunto e ficou uma coisa muito light, não ofende ninguém.

Uma das suas filhas venceu um concurso que elege a Garota de Ipanema.
A mais velha, Kiki. Tinha um corpo lindo. Ganhou porque merecia, não por ser minha filha.

Foi com ela que posou novamente para a Playboy?
Não, foi com a mais novinha, Ticiane, casada com o empresário Rodrigo Justus. Trabalham ambos na TV Record.

Teve uma guerra com os herdeiros de Tom Jobim e Vinicius de Moraes por causa da marca Garota de Ipanema.
Foi difícil mas está resolvido. Eles desistiram, e eu também, mas não voltámos a falar. De repente, nem foram eles que começaram isso, foi ideia de algum advogado para arranjar dinheiro. Na loja do Rio, que vende moda de praia, ninguém mexeu. Quando abri no shopping, em S. Paulo, devem ter pensado que eu estava rica e shopping dá muito status.
O Roberto Carlos é a coisa mais linda, mais cheia de graça, para mim. A gente teve um lancezinho de paixonite. Eu era fã mesmo, mas nada que levasse até um quarto. Heloísa Pinheiro A garota de Ipanema
Tem uma história com Roberto Carlos.
Ah, o Roberto Carlos é a coisa mais linda, mais cheia de graça, para mim. A gente teve um lancezinho de paixonite. Eu era fã mesmo, mas nada que levasse até um quarto.

Conheceram-se num voo, ele deu-lhe boleia e um beijo, e convidou-a para ir ao show dele.
É... e eu fiz a bobagem de levar todo mundo para ver o show, incluindo o meu marido. Quando fui cumprimentá-lo ao camarim e perguntei "Cadê a nossa foto, a que a gente tirou?", ele respondeu: "Joguei fora pela janela do avião" [risos]. 

entrevista em 2015

www.sabado.pt

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