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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

A HISTÓRIA DE MANUEL MARIA DU BOCAGE - VÁRIOS SONETOS /SÁTIRAS/ERÓTICOS

Bocage - Biografia e obras

n.       15 de setembro de 1765.
f.        21 de dezembro de 1805.

É considerado como um dos nossos melhores poetas, e depois de Camões o mais popular e celebrado de todos.
Nasceu em Setúbal a 15 de setembro de 1765, faleceu em Lisboa a 21 de dezembro de 1805. Era filho do bacharel José Luís Soares de Barbosa, antigo juiz de fora, ouvidor, e depois advogado, e de D. Mariana Joaquina Xavier Lestof du Bocage. A ascendência da sua família é a mesma do Dr. José Vicente Barbosa du Bocage 

Sua mãe era segunda sobrinha da célebre poetisa francesa, madame Marie Anne Le Page du Bocage, tradutora do Paraíso de Milton, imitadora da Morte de Abel, de Gessner, e autora da tragédia As Amazonas e do poema épico em dez cantos A Columbiada, que lhe mereceu a coroa de louros de Voltaire e o primeiro premio da academia de Rouen.

Passados os anos da puerícia nos primeiros estudos, com um mestre que o maltratava, entrou na aula régia de gramática do padre espanhol D. João de Medina, e ali aprendeu a língua latina. Era então moda a educação humanista, ainda pouco acompanhada pelo estudo das ciências naturais. No país havia, contudo, dois homens que a par duma cultivavam a outra: José Anastácio da Cunha e José Monteiro da Rocha, ambos lentes da Universidade de Coimbra, novamente fundada pelo marquês de Pombal, e ambos poetas de elevado merecimento. 

O primeiro, militar infeliz, vítima do seu génio brusco e das ideias da época; o segundo, jesuíta insigne, reitor daquele estabelecimento de instrução, e preceptor dos príncipes. Bocage, que sentia admiração por tudo que é grande e belo, extasiava-se ao ler as poesias daqueles sábios, e até aos estranhos as inculcava por muito superiores às suas; procedimento raro, que define o seu excelente carácter.

No ano de 1779 assentou praça de cadete no Regimento de Infantaria n.º 7 de Setúbal, vindo estudar para Lisboa aos 14 anos de idade. O desprezo constante pelos actos do ex-ministro de D. José, levara os conselheiros da rainha D. Maria I a criar em Lisboa, em 5 de agosto de 1779, uma instituição, a que chamaram Academia real de marinha, dando aos que a frequentavam as mesmas regalias que tinham o estudantes da Universidade. 

Foi nesse instituto que Bocage recebeu a sua educação científica, indo talvez mais tarde aperfeiçoá-la na Academia dos guardas marinhas, criada em 14 de agosto de 1782. Sete anos passou Bocage em Lisboa a estudar ciência e a compor versos. 
Carpindo acerbas mágoas, e sofrendo cruciantes dores, que o seu viver demasiado livre lhe acarretava continuamente, aquela musa brilhantíssima expandia-se em lágrimas, em suspiros e em queixumes amorosos, ora de ternura inexcedível, ora de aspereza selvática. 

Assim descansava o vate enamorado, para quem as paixões levianas eram tudo. As damas que julgava requestar, constituíam o seu único pensamento. Por elas fazia sacrifícios, que somente a sua alma de poeta podia compreender, e enlevado nas mais doces ilusões quase nunca a realidade aparecia ao seu brilhante espírito. Confiando nos seus dotes de claro entendimento, estava tão certo de agradar às belas, que notava com espanto a resistência dalguma, que porventura se esquivava aos seus galanteios. 

Tomava como correspondência amorosa o aplauso unânime que obtinha nas salas ao recitar os seus versos. E assim viveu sempre em toda esta primeira fase das suas aventuras, a amar e a padecer. 

O nome de Gertruriaque muitas vezes invocava apaixonado, tornava-se o seu pensar constante; anagrama imperfeito de Gertrudes, ficção poética ou realidade histórica; foi este nome que por muito tempo e mais profundamente o inspirou.
Era estreitíssimo; asfixiante, o ambiente que então se respirava na capital. Por um lado os medos da propagação das doutrinas filosóficas traziam empenhados o tribunal da Inquisição, a polícia e o intendente Pina Manique, seu chefe, na indagação minuciosa dos factos, ainda os de menor alcance, que pudesse cada indivíduo praticar com intuitos liberais; e já para escapar à perseguição havia emigrado para França em 1778 o padre Francisco Manuel do Nascimento, Filinto Elísio, acusado pela espionagem ao Santo Ofício. 

Por outro lado não estava ainda extinta a luta dos ódios contra o marquês de Pombal, a quem as famílias dos nobres, por ele castigados, acusavam violentamente, imputando-lhe acções desonrosas, delitos infamantes, e tentando reabilitar-se como inocentes no atentado contra el-rei D. José. Época de incertezas, de dúvidas, de receios e de perseguições. 

Como poderia florescer no mais elevado grau a literatura portuguesa, embora tivesse por cultor um génio como Barbosa du Bocage? O gosto de então, a moda predominante, eram as canções brasileiras, cantadas à guitarra ou à viola, desde as reuniões de família, até ás orgias dos botequins. 

Todos os poetas davam à porfia letras para estas árias, e Manuel Maria, como Bocage era ordinariamente conhecido, não foi dos menos pródigos. Demais, o poeta, que sempre sonhava parecer-se o seu destino com o de Camões, que só invejava a imorredoura glória do grande épico, comparava a sua mocidade livre com a que ele tivera, e pensava porventura que também este na corte compunha e recitava versos, requestava donzelas, e cantava a Natércia. Camões tinha ido ao Oriente, Bocage foi também.


Em 1786, antes de terminar um mês depois de alcançado o despacho de guarda-marinha, por decreto de 4 de fevereiro daquele ano, partia o nosso poeta a visitar as terras que inspiraram o imortal cantor dos Lusíadas. A nau de viagem, Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena, comandada por José Rodrigues Magalhães, transportava a seu bordo o vate enamorado, que na força da vida e no vigor do talento ia procurar novos horizontes para melhor desenvolver as suas formosíssimas concepções poéticas. 

A nau de viagem arribou ao Rio de Janeiro, por causa de tempestade que se levantou. Bocage ali se demorou, sendo muito bem recebido pelo vice-rei do Brasil, Luís de Vasconcelos e Sousa, e pela melhor sociedade fluminense. Voltando ao país, em abril de 1786, tornava a partir na mesma nau, Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena, e chegava finalmente a Goa a 29 de outubro deste referido ano. 

O portentoso engenho de Bocage poderia elevar-se imenso, se houvesse tido outra educação literária e científica, e soubesse subtrair-se à influência do meio social em vez de buscar nele efémera popularidade. Camões era não só um génio, mas o primeiro sábio da sua época, Bocage aprendera bem as línguas, o latim, o francês e o italiano, trocara, porém, pelo culto exclusivo das musas os conhecimentos de ciências naturais, que alcançara nas academias de marinha. 

Foi por tudo isto, certamente, que ao chegar a Goa nem se impressionou com a luxuriante vegetação oriental, nem com as religiões, raças, línguas e costumes daqueles povos, e continuou cantor da arcádia preso às regras horacianas, e não conseguiu produzir um poema. 

Satirizou primorosamente os índios, lamentou em magníficos versos a decadência de Goa e das possessões portuguesas, e o seu espírito não descansou enquanto esteve ausente da pátria. Em Goa encontrou muita estima no desembargador Sebastião José Ferreira Barroco, também poeta, e um dos maiores amigos de Filinto Elísio, conhecido em Lisboa pelo nome arcádico de Albano, quando fazia versos à bela Alcipe, marquesa de Alorna, nos celebrados outeiros de Chelas. Em 25 de fevereiro de 1789 havia sido promovido a tenente, de infantaria da 5.ª companhia da guarnição da praça de Damão, onde chegou a 6 de abril do mesmo ano, mas logo dois dias depois dali desapareceu em companhia doutro oficial da mesma praça, indo ter, pela Porta do Campo, a Macau, onde sofreu inclemências, em resultado desta arrojada aventura. 

O que obrigaria Bocage a desaparecer tão precipitadamente da praça de Damão, e a apresentar-se na colónia de Macau? Movê-lo-ia ainda o desejo de imitar Camões, o prazer de visitar todos os lugares que ele percorrera? 
Seria apenas excentricidade do seu temperamento irrequieto, ou extravagância do seu espírito volúvel? Ninguém o poderá dizer, talvez nem ele o soubesse. Nestas paragens foi ainda mais infeliz do que nas possessões da Índia, e só teve dois homens que lhe valeram: Lázaro da Silva Ferreira, governador de Macau, que o não pronunciou por haver desertado de Damão, e o negociante Joaquim Pereira de Almeida, que recebendo-o e dando-lhe agasalho o apresentou na sociedade macaense. Mas absolvida a culpa, o poeta não descansava com saudades da pátria, dos amigos e dos amores.

Tratou logo de partir, e em Agosto de 1790 entrava a barra do Tejo. Chegava então a Lisboa o eco da revolução francesa de 1789. A liberdade era o hino que se cantava às escondidas por toda a parte, porque a polícia estava cada vez mais intransigente. 

O poeta cantou logo contra o despotismo, chamando-lhe sanhudo, inexorável, monstro que em pranto, em sangue a fúria ceva, mas que não tiraniza do livre coração a independência, e compôs muitos sonetos em honra da liberdade. Eram estes os sentimentos políticos de Bocage e de todos os sócios da Nova Arcádia, salvas poucas excepções. Nem escapava ao influxo o padre José Agostinho de Macedo, ex-frade graciano, amigo do vate no seu regresso ao país, mais tarde seu declarado inimigo, e por fim reconciliado com ele no período curto da fatal doença que o prostrou. 

Nova Arcádia, chamava-se uma sociedade de poetas daquela época, para onde Bocage entrara em 1791, tomando o nome pastoril de Elmano Sadino, e contra a qual se indispôs em 1793. 
Em todo o tempo que durou esta guerra com os seus colegas, levantada por vaidades de poetas e de literatos, jogaram-se as mais acerbas sátiras e vibraram-se epigramas os mais frisantes. 
O Dr. Luís Correia do Amaral França, o Abade de Almoster, Joaquim Franco de Araújo Barbosa, e Caldas Barbosa foram os mais atingidos nesta polémica poética. Com José Agostinho de Macedo ainda a luta se tornou mais acesa. 

O forte despotismo da época não podia deixar de. perseguir a quem possuía sentimentos liberais, e Bocage era pouco acautelado na manifestação das suas crenças políticas e. religiosas. No ano de 1797 foram denunciados à intendência da polícia, como escritos pelo poeta, uns papeis ímpios, sediciosos e satíricos, que apareciam clandestinamente com o título de Verdades duras, e continham entre outras coisas a epístola Pavorosa ilusão da eternidade. Bocage soube-o, e tentou fugir, mas foi preso a 10 de agosto do referido ano, a bordo da corveta Aviso, que se destinava a partir para a Baía. 

Nas suas odes pinta o infeliz poeta os dissabores por que passou, a entrada no Limoeiro, como ali o apalparam, o segredo em que foi lançado, as perguntas que lhe fizeram, finalmente, tudo quanto sofreu até à transferência, por solicitação de amigos e protectores, em 7 de novembro, para os cárceres da inquisição. E tão rápido aí andaram com o processo, que a 17 de fevereiro de 1798 dava entrada no mosteiro de S. Bento da Saúde, de Lisboa, e a 22 de março passava ao hospício de Nossa Senhora das Necessidades dos clérigos de S. Filipe Néri. 

Os frades do Oratório com facilidade o doutrinaram, pois que em poucos meses ficou desfrutando outra vez a liberdade, que alcançou por lhe não terem encontrado no processo motivos de condenação, e também devido à protecção do ministro José de Seabra e Silva. Uma beata, Maria Teodora Severiana Lobo Ferreira, denunciou-o mais tarde, em 23 de novembro de 1802, ao Santo Ofício como pedreiro livre, mas o processo apenas principiado não teve seguimento.


Em 1801 aceitou a proposta que lhe fez o naturalista brasileiro, o padre José Mariano da Conceição Veloso para, mediante o ordenado de 24$000 réis, fazer as traduções de vários poemas didácticos: Os Jardins de Delille; As Plantas, de Castel; A Agricultura, de Roset; e O Consórcio das flores, epístola de Lacroix; deste trabalho penosíssimo e de máxima responsabilidade, se saiu Bocage brilhantemente, e é uma das coroas mais viçosas da sua glória de poeta. 

Além dos poemas franceses, traduziu vários poetas latinos e italianos. Em 1791 publicou o 1.º volume das suas Rimas, os Queixumes do pastor Elmano, e os Idílios marítimos. Em 1799 publicou o 2.º tomo das Rimas, e em 1804, o 3.º. Em 1805 declarou-se-lhe a doença, a que devia de sucumbir. Ainda nesse ano publicou Os improvisos e os Novos improvisos, escritos já durante a enfermidade. 

Os últimos cinco anos, que precederam a sua morte, foram bem dolorosos para o infeliz poeta, agitados de terrores e ansiedades, vendo-se pobre e doente. Tinha um grande amigo, o dono do café das Parras, no Rossio, José Pedro da Silva, conhecido pela alcunhado José Pedro das Luminárias, que tinha por ele como que adoração, e que na sua doença muito auxiliou com donativos pecuniários e promovendo-lhe a venda de livros, concorrendo também com as despesas do funeral. 

Aquele café tornara-se notável, por se reunirem ali habitualmente os poetas, pelas discussões e distúrbios, num gabinete reservado, que intitulavam o Agulheiro dos sábios. Fora este o período mais frisante da vida de Bocage, improvisando em outeiros, em saraus, em partidas, com uma desenvoltura de costumes que muito concorreram, talvez, para lhe abreviar a existência.


Quando o pai do poeta faleceu, veio para Lisboa sua irmã, D. Maria Francisca, e na companhia do irmão viveu numa pobre casa da travessa de André Valente, até que a morte lho roubou. Alguns dos seus inimigos se reconciliaram com ele, assistindo-lhe aos últimos momentos; Curvo Semedo, e até o próprio José Agostinho de Macedo, que mais o agredia com o seu génio maldizente e invejoso. 

Em 15 de setembro de 1865, quando se completava o centenário do nascimento do poeta popular foi apresentado nas salas do Clube Fluminense do Rio de Janeiro, uma proposta, por José Feliciano de Castilho para se lhe erigir um monumento. Abriu-se logo uma subscrição para esse fim, sendo as quantias recebidas depositadas numa casa comercial. 

Pouco depois, deu-se na praça do Rio de Janeiro, uma violenta crise, e perdeu-se grande parte do dinheiro, salvando-se apenas uma pequena parte. José Feliciano de Castilho, apesar dessa contrariedade, não desanimou, e vindo a Portugal, conseguiu realizar o seu patriótico pensamento. A 22 de novembro de 1871 a câmara municipal de Setúbal colocava a primeira pedra no monumento, que foi inaugurado a 21 de dezembro seguinte. Em 1868 a referida câmara tinha já mandado colocar uma lápide comemorativa na casa onde nascera o grande poeta. 


Para a biografia do poeta pode consultar-se o seguinte: Memórias sobre a vida de Manuel Maria Barbosa de Bocage, por António Maria do Couto; Vida de M. M. B. du B. por José Maria da Costa e Silva, no tomo IV das Poesias publicadas por Marques Leão; Biografia, que Rodrigo Felner publicou em 1846, no Panorama, vol. IX; Noticia da vida e obras de M. M. de B. du B., por José Feliciano de Castilho; Memória biográfica e literária acerca de M. M. de B. du B., de Rebelo da Silva, e também no Estudo biográfico e literário, na edição completa das Poesias de Bocage, feita, em 1853, e no tomo X do Panorama, do mesmo ano. Os documentos para a biografia de M. M. de B. du B. por F. N. Xavier, no Arquivo Universal; Bocage, por Teófilo Braga, etc.

 www.arqnet.pt



SONETO DE TODAS AS PUTAS

Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putissimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas teem reinado:

Dido fui puta, e puta d′um soldado:
Cleopatra por puta alcança a c′ròa;
Tu, Lucrecia, com toda a tua pròa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Russia imperatriz famosa,
Que inda ha pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.



Os "Sonetos" de Bocage




Casa onde nasceu Bocage

Continuando na apresentação deste poeta deixo aqui alguns dos seus muitos "Sonetos".
Este ainda durante a sua vida, conheceu grande popularidade da sua criação poética, visível na procura dos seus escritos, mas também na aura de poeta génio, irreverente e improvisador, que se ia, progressivamente, colando à sua imagem de singular criador.
Estabelece-se igualmente a distinção – depois reafirmada amplamente pela crítica romântica – entre “elmanistas” (1) e “filintistas” (2), não se podendo falar rigorosamente de “escolas literárias”, mas antes de distintas concepções poéticas, cada uma delas com seus seguidores e admiradores..

Eis Bocage, pela sua pena ...


Manuel Maria Barbosa du Bocage

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

E, continuando, com esta escolha, um pouco ao acaso, pois não nos move qualquer critério, critico ou estilístico, mas unicamente divulgar a sua obra:


Improvisos de Bocage na sua mui perigosa enfermidade, dedicados a seus bons amigos.
Lisboa, Na Imp. Regia, 1805


Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores ;
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade;
Que elas buscam piedade, e não louvores;

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores ;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração dos seus favores ;

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns, cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.

Assim cantava “Marilia” objecto de vários dos seus sonetos

Sois de Marília, sois de meus amores

Oh, tranças, de que Amor prisões me tece,
Oh, mãos de neve, que regeis meu fado !
Oh tesouro ! oh mistério ! oh par sagrado ,
Onde o menino alígero adormece !

Oh ledos olhos, cuja luz parece
Tênue raio de sol ! oh gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse !

Oh ! lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talvez o próprio Júpiter suspira !

Oh perfeições ! oh dons encantadores !
De quem sóis ?...Sois de Vênus ? - é mentira
Sois de Marília, sois de meus amores.

Como já se escreveu, Bocage sonhava assemelhar o seu destino com o de Camões, de quem só invejava a imorredoura glória do grande épico, comparava a sua mocidade livre com a que ele tivera, e pensava que também este na corte compunha e recitava versos, requestava donzelas, e cantava a Natércia. (Bocage a Marilia). Eis o que ele escreveu sobre este épico:

Luis de Camões

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.


Espero que fiquem com vontade de outras leituras para um melhor conhecimento deste poeta tão falado, mas cuja obra está um pouco (ou mesmo muito mais do que isso) no nosso esquecimento

Saudações bibliófilas


(1) Refere-se ao pseudónimo de Bocage – Elmano Sadino.
(2) Referência a Filinto Elísio.
Nasceu em Lisboa a 23 de Dezembro de 1734 e faleceu em Paris a 25 de Fevereiro de 1819. Era sacerdote e foi um poeta, e tradutor, português do Neoclassicismo. O seu verdadeiro nome era Francisco Manuel do Nascimento e o seu pseudónimo, Filinto Elísio, ou também Niceno, foi-lhe atribuído pela Marquesa de Alorna (a quem ensinou latim quando esta se encontrava reclusa no Convento de Chelas), visto Francisco Manuel do Nascimento ter pertencido a uma sociedade literária – “Grupo da Ribeira das Naus” –, cujos membros adoptavam nomes simbólicos.
tertuliabibliofila.blogspot.pt
SONETOS

Manuel Maria Barbosa du Bocage


Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores;
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade;
Que elas buscam piedade, e não louvores;
Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração dos seus favores;
E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns, cuja aparência
Indique festival contentamento,
Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.
* * *
Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza, e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:
Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura; 
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:
Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania:
Desculpa tendes, se valeis tão pouco;
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco .
* * *
De suspirar em vão já fatigado,
Dando trégua a meus males eu dormia;
Eis que junto de mim sonhei que via
Da Morte o gesto lívido, e mirrado:
Curva fouce no punho descarnado
Sustentava a cruel, e me dizia:
"eu venho terminar tua agonia;
morre, não peneis mais, oh desgraçado! "
quis ferir-me, e de Amor foi atalhada,
que armado de cruentos passadores
aparte, e lhe diz com voz irada:
"Emprega noutro objeto os teus rigores;
que esta vida infeliz está guardada
para vítima só de meus furores. "
* * *
Já sobre o coche de ébano estrelado
Deu meio giro a noite escura e feia;
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!
Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas costumado:
Só eu velo, só eu, pedindo à sorte 
Que o fio, com que está minh'alma presa
À vil matéria lânguida, me corte:
Consola-me este horror, esta tristeza;
Porque a meus olhos se afigura a morte
No silêncio total da Natureza.
* * *
Mavorte, porque em pérfida cilada
O cruel moço Alígeto o ferira,
Não faz caso da mãe, que chora e brada,
Quer punir o traidor, que lhe fugira:
Na sinistra o pavês, na destra a espada,
Nos ígneos olhos fuzilante a ira,
Pule à negra carroça ensangüentada,
Que Belona infernal côas Fúrias tira:
Assim parte, assim voa; eis que vê posto
No colo de Marília o deus alado,
No colo aonde tem mimoso encosto:
Já Marte arroja as armas, e aplacado
Diz, inclinando o formidável rosto:
"Valha-te, Amor, esse lugar sagrado! ".
* * *
Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios voando os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos:
Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem:
E em arte de Minerva se não rendem
Teus alvos curtos dedos melindrosos:
Resiste em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura:
És dos céus o composto mais brilhante; 
Deram-se as mãos Virtude e Formosura
Para criar tua alma e teu semblante.
* * *
Oh, tranças, de que Amor prisões me tece,
Oh, mãos de neve, que regeis meu fado!
Oh tesouro! oh mistério! oh par sagrado,
Onde o menino alígero adormece!
Oh ledos olhos, cuja luz parece
Tênue raio de sol! oh gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!
Oh! lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talvez o próprio Júpiter suspira!
Oh perfeições! oh dons encantadores!
De quem sóis?...Sois de Vênus? — é mentira
Sois de Marília, sois de meus amores.
* * *
Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus húmidos vapores;
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste:
Varrendo os ares o subtil nordeste
Os torna azuis: as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros, e Amores,
E torna o fresco Tejo a cor celeste;
Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:
Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza! 
* * *
Grato silêncio, trêmulo arvoredo,
Sombra propícia aos crimes, e aos amores,
Hoje serei feliz! — longe, temores,
Longe, fantasmas, ilusões do medo.
Sabei, amigos Zéfiros, que cedo,
Entre os braços de Nise, entre estas flores,
Furtivas glórias, tácitos favores,
Hei-de enfim possuir: porém segredo!
Nas asas frouxos ais, brandos queixumes
Não leveis, não façais isto patente,
Que nem quero que o saiba o pai dos numes:
Cale-se o caso a Jove omnipresente,
Porque se ele o souber, terá ciúmes,
Vibrará contra mim seu raio ardente.
* * *
Temo que a minha ausência e desventura
Vão na tua alma, docemente acesa,
Apoucando os excessos da firmeza.
Rebatendo os assaltos da ternura:
Temo que a tua singular candura
Leve o tempo fugaz, nas asas presa
Que é quase sempre o vício da beleza,
Gênio imutável, condição perjura:
Temo; e se o fado meu, fado inimigo
Confirmar Impiamente este receio,
Espectro perseguidor, que anda comigo,
Com rosto, alguma vez de mágoa cheio,
Recorda-te de mim, dize contigo:
'era fiel, amava-me e deixei-o "
* * *
Enquanto o sábio arreiga o pensamento
Nos fenómenos teus, oh Natureza 
Ou solta árduo problema, ou sobre a mesa
Volve o subtil geométrico instrumento:
Enquanto, alçando a mais o entendimento,
Estuda os vastos céus, e com certeza
Reconhece dos astros a grandeza,
A distância, o lugar, e o movimento:
Enquanto o sábio, enfim, mais sabiamente,
Se remonta nas asas do sentido
À corte do Senhor omnipresente:
Eu louco, cego, eu mísero, eu perdido
De ti só trago cheia, ó Jónia, a mente:
Do mais, e de mim mesmo ando esquecido ..
* * *
Por esta solidão, que não consente
Nem do sol, nem da Lua a claridade,
Ralado o peito já pela saudade
Dou mil gemidos a Marília ausente:
De seus crimes a mancha inda recente
Lava Amor, e triunfa da verdade,
A beleza, apesar da falsidade,
Me ocupa o coração, me ocupa a mente:
Lembram-me aqueles olhos tentadores,
Aquelas mãos, aquele riso, aquela
Boca suave, que respira amores...
Ah, trazei-me ilusões, a ingrata, a bela!
Pintai-me vós, oh sonhos, entre flores
Suspirando outra vez nos braços dela!
* * *
Marília, se em teus olhos atentara,
Do estelífero sólio reluzente,
Ao vil mundo outra vez o omnipotente,
O fulminante Júpiter baixara,
Se o deus, que assanha as Fúrias, te avistara, 
As mãos de neve, o colo transparente,
Suspirando por ti, do caos ardente,
Sugeriu à luz do dia, e te roubara:
Se a ver-te de mais perto o Sol descera,
No áureo carro veloz dando-te assento
Até da esquiva Dafne se esquecera:
E se a força igualasse o pensamento,
Oh alma da minh'alma, eu te of'recera
Com ela a Terra, o Mar, e o Firmamento .
* * *
O corvo grasnador e o mocho feio
O sapo berrador e a rã molesta,
São meus únicos sócios na floresta,
Onde carpindo estou, de angústia cheio:

Perdi todo o prazer, todo o recreio,,
Ah, malfadado amor, paixão funesta!
Urselina perdi, nada me resta,
Madre terra! Agasalha-me em teu seio;
Da víbora mordaz permite, oh Sorte,
Que nos matos aspérrimos que piso
As plantas me envenene o tênue corte!
Ah! Que é das graças? Que é do paraíso?
A minh'alma onde está? quem logra... oh Morte,
Quem logra de Urselina o doce riso?
* * *
Ânsias terríveis, íntimos tormentos,
Negras imagens, hórridas lembranças,
Amargosas, mortais desconfianças,
Deixai-me sossegar alguns momentos:
Sofrei que logre os vãos contentamentos
Que sonham minhas doidas esperanças;
A posse de alvo rosto, e loiras tranças,
Onde presos estão meus pensamentos: 
Deixai-me confiar na formosura,
Cruéis! Deixai-me crer num doce engano,
Blasonar de fantástica ventura.
Que mais mal me quereis, que maior dano
Do que vagar nas trevas da loucura,
Aborrecendo a luz do desengano?
* * *
Olha, Marília, as flautas dos pastores,
Que bom que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-te! Olha não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?
Vê como ali, beijando-se os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!
Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha pára,
Ora nos ares sussurrando gira:
Que alegre campo! que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira,
Mais tristeza que a morte me causara.
* * *
Fiei-me nos sorrisos de ventura
Em mimos femininos, como fui louco!
Vi raiar o prazer, porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:
No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido e ouço,
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:
Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce, e fúnebre transporte,
Áridos matos, lôbrega floresta! 
Ah! Não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.
* * *
Há pouco a mãe das Graças, dos Amores,
Gerada pela espuma cristalina,
Baixou da etérea região divina
Nas asas dos Favónios voadores:
"Oh das margens do Tejo habitadores!
hoje torna a luzir (disse Ericina )
o ledo instante em que nasceu Marina,
Ínclito fruto de ínclitos maiores:
Do Céu, do Mar, da Terra, os soberanos
Imprimindo-lhe encantos a milhares,
Criaram nela a glória dos humanos:
Eia, cantai-lhe os dotes singulares,
Louvai seus olhos, aplaudi seus anos,
Queimai-lhe aromas, erigi-lhe altares "
* * *
Os suaves eflúvios, que respira
A flor de Vênus, a melhor das flores,
Exalas de teus lábios tentadores,
Oh doce, oh bela, oh desejada Elmira;
A que nasceu das ondas, se te vira,
A seu pesar cantara os teus louvores;
Ditoso quem por ti morre de amores!
Ditoso quem por ti, meu bem, suspira!
E mil vezes ditoso o que merece
Um teu furtivo olhar, um teu sorriso,
Por quem da mãe formosa Amor se esquece!
O sacrílego ateu, sem lei, sem siso,
Contemple-te uma vez, que então conhece
Que é força haver um Deus, e um paraíso. 
* * *
Meu frágil coração, para que adoras
Para que adoras, se não tens ventura?
Se uns olhos, de quem ardes na luz pura,
Folgando estão das lágrimas que choras?
Os dias vês fugir, voar as horas
Sem achar neles visos de ternura;
E inda a louca esp'rança te figura
O prêmio dos martírios, que devoras!
Desfaz as trevas de um funesto engano,
Que não hás de vencer a inimizade
De um gênio contra ti sempre tirano:
A justa, a sacrossanta divindade
Não força, não violenta o peito humano,
E queres constranger-lhe a liberdade?
* * *
Os garços olhos, em que o Amor brincava,
Os rubros lábios, em que o Amor se ria,
As longas tranças, de que o Amor pendia,
As lindas faces, onde Amor brilhava:
As melindrosas mãos, que Amor beijava,
Os níveos braços, onde Amor dormia,
Foram dados, Armândia, à terra fria,
Pelo fatal poder que a tudo agrava;
Seguiu-te Amor ao tácito jazigo,
Entre as irmãs cobertas de amargura;
E eu que faço ( ai de mim! ) como não sigo!
Que há no mundo que ver, se a formosura,
Se Amor, se as Graças, se o prazer contigo
Jazem no eterno horror da sepultura?
* * *
Urselina gentil, benigna e pura,
Eis nas asas subtis de um ai cansado 
A ti meu coração voa alagado
Em torrentes de sangue, e de ternura;
Põe-lhe os olhos, meu bem, vê com brandura
Seu miserável, doloroso estado,
Que nas garras da morte já cravado
A fé, que te jurava, inda te jura:
Põe-lhe os olhos, meu bem, suavemente,
Põe-lhe os mimosos dedos na ferida,
Palpa de Amor a vítima inocente:
E por milagre deles, oh querida,
Verás cerrar-se o golpe, e de repente
Em ondas de prazer tornar-lhe a vida .
* * *
Em veneno letífero nadando
No roto peito o coração me arqueja;
E ante meus olhos hórrido negreja
De morais aflições espesso bando;
Por ti, Marília, ardendo, e delirando
Entre as garras aspérrimas da Inveja,
Amaldiçoo Amor, que ri, e adeja
Pelos ares, cós Zéfiros brincando;
Recreia-se o traidor com meus clamores -
E meu cioso pranto... oh Jove, oh nume
Que vibras os coriscos vingadores!
Abafa as ondas do tartáreo lume,
Que para os que provocam teus furores
Tens inferno pior, tens o ciúme.
* * *
Oh retrato da morte, oh Noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!
Pois manda Amor, que a ti somente os diga, 
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga:
E vós, oh cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos como eu, da claridade!
Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.
* * *
Vinde, Prazeres, que por entre as flores,
Nos jardins de Cítera andais brincando,
E vós, despidas, Graças, que dançando
Trinais alegres sons encantadores:
Deusa dos gostos, deusa dos amores,
Ah! dos filhinhos teus ajunta o bando,
E vem nas asas de Favónio brando
Dar força, dar beleza a meus louvores.
Da linda Anarda minha voz aspira
A cantar o natal; tu, por clemência,
O teu fiel cantor, deidade, inspira;
Do trácio vate empresta-me a cadência,
E faze que mereça a minha lira
Os cândidos sorrisos da inocência .
* * *
Canta ao som dos grilhões o prisioneiro,
Ao som da tempestade o nauta ousado,
Um, porque espera o fim do cativeiro,
Outro, antevendo o porto desejado;
Exposta a vida ao tigre mosqueado
Gira sertões o sôfrego mineiro,
Da esperança dos lucros encantado,
Que anima o peito vil, e interesseiro: 
Por entre armadas hostes destemido
Rompe o sequaz do horrífico Mavorte,
Co'o triunfo, co'a glória no sentido:
Só eu (tirano Amor! tirana Sorte! )
Só eu por Nise ingrata aborrecido
Para ter fim meu pranto espero a morte.
* * *
Triste quem ama, cego quem se fia
Da feminina voz na vã promessa!
Aspira a vê-la estável! mais depressa
O facho apagará, que espalha o dia:
Alada exalação, que na sombria
Tácita noite os ares atravessa,
Foi comigo a paixão volúvel dessa
Que o peito me afagava, e me feria:
Do desengano o bálsamo lhe aplico,
E a teus laços, Amor, sem medo exponho
Dos benéficos céus o dom mais rico:
Vejo mil Circes plácido, risonho;
E se fé me prometerem, ouço e fico
Como quem despertou de aéreo sonho .
* * *
Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei do Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas:
Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se (conhecendo o mal) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas,
É teu fim, seu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo: 
Queres que fuga de Marília bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela.
* * *
Oh trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra, e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza:
Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim Plutão se goza,
Não aterreis esta alma dolorosa,
Que é mais triste que vós minha tristeza;
Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura:
Volvei pois, sombras vãs, ao fogo eterno:
E lamentando a minha desventura,
Movereis a piedade o mesmo inferno.
* * *
Já o Inverno, espremendo as cãs nervosas,
Geme, de horrendas nuvens carregado;
Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
Investe ao Pólo em serras escumosas;
Oh benignas manhãs! tardes saudosas,
Em que folga o pastor, medrando o gado,
Em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!
Voltai, retrocedei, formosos dias;
Ou antes vem, vem tu, doce beleza
Que noutros campos mil prazeres crias;
E ao ver-te sentirá minh'alma acesa
Os perfumes, o encanto, as alegrias
Da estação, que remoça a Natureza. 
* * *
Mimosa, linda Anarda, atende, atende
Às doces mágoas do rendido Elmano;
Cum meigo riso, cum suave engano
Consola o triste amor, que não te ofende:
De teus cabelos ondeados pende
Meu coração, fiel para seu dano;
Côa luz dos olhos teus Cupido ufano
Sustenta o puro fogo, em que me acende;
Causa gentil das lágrimas que choro,
A tudo te antepõe minha ternura,
E quanto adoro o céu, teu rosto adoro:
O golpe, que me deste, anima e cura ...
Mas ai! que em vão suspiro, em vão te imploro:
Não pertence a piedade à formosura.
* * *
Oh deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importunos astros vigilantes;
Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio da Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem de amor os sôfregos instantes;
Tétis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado sol teu níveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!
Tarde ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire,
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.
* * *
O ledo passarinho, que gorjeia
D'alma exprimindo a cândida ternura, 
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia:
O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da aurora alegre e pura,
A rosa, que entre os zéfiros ondeia;
A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glorias que consigo,
A deusa das paixões, e de Cítera:
Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera,
Nada se pode comparar contigo.
* * *
De cima dessas pedras escabrosas
Que pouco a pouco as ondas têm minado,
Da lua co'o reflexo prateado
Distingo de Marília as mãos formosas:
Ah! que lindas que são, que melindrosas!
Sinto-me louco, sinto-me encantado;
Ah! Quando elas vos colhem lá no prado,
Nem vós, lírios, brilhais, nem vós, oh rosas!
Deuses! céus, tudo o mais que tendes feito
Vendo tão belas mãos, me dá desgosto;
Nada, onde elas estão, nada é perfeito .
Oh quem pudera uni-las ao meu rosto!
Quem pudera aperta-las no meu peito!
Dar-lhe mil beijos, e expirar de gosto!
* * *
Debalde um véu ocioso, oh Nise, encobre
Intactas perfeições ao meu desejo;
Tudo o que escondes, tudo o que não vejo
A mente audaz e alígea descobre:
Por mais e mais que as sentinelas dobre 
A sisuda Modéstia, o cauto Pejo,
Teus braços logro, teus encantos beijo,
Por milagre da idéia afoita, e nobre;
Inda que prêmio teu rigor me negue,
Do pensamento a indômita porfia
Ao mais doce prazer me deixa entregue:
Que pode contra Amor a tirania,
Se as delícias, que a vista não consegue,
Consegue a temerária fantasia?
* * *
Das faixas infantis despido apenas
Sentia o sacro fogo arder na mente;
Meu retro coração inda inocente,
Iam ganhando as plácidas Camenas;
Faces gentis, angélicas, serenas,
De olhos suaves o volver fulgente,




Da idéia me extraíam de repente
Mil simples, maviosas cantinelas
O tempo me soprou fervor divino,
E as Musas me fizeram desgraçado,
Desgraçado me fez o Deus Menino;
O Amor quis esquivar-se, e ao dom sagrado:
Mas vendo no meu gênio o meu destino,
Que havia de fazer? Cedi ao fado.
* * *
Minh'alma se reparte em pensamentos
Todos escuros, todos pavorosos;
Pondero quão terríveis, quão penosos
São, existência minha, os teus momentos:
Dos males que sofri, cruéis, violentos,
A Amor, e aos Fados contra mim teimosos,
Outro inda mais tristes, mais custosos
Deduzo com fatais pressentimentos. 
Rasgo o véu do futuro, e lá diviso
Novos danos urdindo Amor e aos Fados,
Para roubar-me a vida após do siso.
Ah! Vem, Marília, vem com teus agrados,
Com teu sereno olhar, teu brando riso
Furtar-me a fantasia a mil cuidados.
* * *
O Céu não te dotou de formosura,
De atractivo exterior, e a Natureza
Teu peito inficionou côa vil torpeza
De ingrata condição, falaz e impura;
Influiu-me os extremos da ternura
A Constáncia, o fervor, e a singeleza,
Esses dons mais gentis que a gentileza,
Dons, que o tempo fugaz não desfigura;
Apesar da traição, do fingimento
Que te inflama, e desluz, se envela e pára
Em ti, alma infiel, meu pensamento;
Nas paixões a razão nos desampara,
Se a razão presidisse ao sentimento,
Tu morrerás por mim, eu não te amara .
* * *
Às margens do Regaça cristalino
Nos olhos de Tirseia ardi contente;
Brandos olhos gentis, dos quais pendente
Estava o meu prazer, e o meu destino;
O tenro Deus, o cândido Menino
Pagava meu fervor puro, inocente;
Mas cedo me impeliu a sorte inclemente
Para vós, tristes margens, que abomino;
Aqui desde que aponta a luz febéia
De lugar em lugar deliro, e corro,
Com suspeitas nutrindo a turva idéia . 
Não posso contra Amor achar socorro;
Perdi todo o meu bem, perdi Tirseia
Ela vive sem mim, sem ela eu morro.
* * *
Que idéia horrenda te possui, Elmano?
Que ardente frenesi teu peito inflama?
A razão te alumie, apaga a chama,
Reprime a raiva do ciúme insano:
Esperanças consome, ou vive ufano,
Ah! Foge, ou cinge da vitória a rama:
Ama-te a bela Armia, ou te não ama?
Seus ais são da ternura, ou são do engano?
Se te ama, não consternem teus queixumes
Os olhos de que estás enfeitiçado,
Do puro céu de Amor benignos lumes:
Se outro n'alma de Armia anda gravado,
Que fruto hás de colher dos vãos ciúmes?
Ser odioso, além de desgraçado.
* * *
Às águas e às areias deste rio
Às flores, e aos Favórios deste prado,
Meus danos conto, minhas mágoas fio,
Dou queixas contra Ismene, Amor e o Fado:
A paz do coração posta em desvio,
O gosto em desenganos sufocado,
Lágrimas com lembranças desafio,
E pela tarda morte às vezes brado;
Tão maviosos sãos meus ais mesquinhos,
Tanto pode a paixão que em mim suspira,
Que se esquecem das mães os cordeirinhos:
O vento não se mexe, nem respira;
Deixam de namorar-se os passarinhos,
Para me ouvir chorar ao som da lira. 
* * *
O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite feia;
Mugindo sobre as rochas, que salteia,
O mar, em crespos montes levantado:
Desfeito em furacões o vento irado,
Pelos ares zunindo a solta areia,
O pássaro noturno, que vozeia
No agoureiro cipreste além pousado;
Formam quadro terrível, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato à fereza
Do ciúme, e saudade, a que ando, afeito:
Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.
* * *
Nos torpes laços de beleza impura
Jazem meu coração, meu pensamento;
Esforçada ao servil abatimento
Contra os sentidos a razão murmura:
Eu, que outrora incensava a formosura,
Das que enfeita o pudor gentil, e isento,
A já corrupta idéia hoje apascento
Nos falsos mimos de venal ternura:
Se a vejo repartir prazer, e agrado
Àquele, a este, côa fatal certeza
Fermenta o vil desejo envenenado;
Céus! quem me reduziu a tal baixeza?
Quem tão cego me pôs? ...ah! foi meu fado,
Que tanto não podia a Natureza.
* * *
Perdi tudo ( ai de mim! ) perdi Marfida,
Marfida, a glória minha, a minha amada; 
Tenra flor, a esperança malograda
Do mimoso matiz caiu despida:
Pede meu coração mortal ferida,
Só aos ditosos a existência agrada;
Vida entre angústias equivale ao nada,
No risonho prazer consiste a vida.
Eia, amante infeliz, teu fim procura!
Fantástico terror não te reporte,
Nos túmulos não reina a formosura.
Diga triste letreiro a minha sorte;
Dai-me piedosa sombra à sepultura
Teixas, ciprestes, árvores da morte.
* * *
Lá onde o Fado impenetrável mora,
Voa o menino Amor entre os Amores:
Loureja a trança, que matizam flores,
Cintila o facho, que a Razão devora:
Entra, saúda o nume, ao nume implora
Que de Marília os olhos tentadores
Vejam sempre ante as Graças, e os Louvores
De seus anos gentis surgir a aurora:
Fronte rugosa vezes três sacode
O deus, cujo poder tudo atropela,
E às súplicas de Amor destarte acode:
"Escape às minhas leis Marília bela,
seja, seja imortal; durar não pode,
o mundo sem amor, amor sem ela ".
* * *
Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Razão, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido!
Tal, que em grau venerando, alto e luzido, 
Como que até reagia a mão do fado,
Onde o sol, bem de todos, lhe é vedado
Depois com ferros vis se vê cingido:
Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo de existência à morte!
Travam-se gosto, e dor; sossego, e lida;
É da lei da Natureza, é lei da sorte
Que seja o mal e o bem matriz da vida.
* * *
Oh tu, consolador dos malfadados,
Oh tu, benigno dom da mão divina,
Das mágoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:
Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vós, sonhos de amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visão de seus agrados:
Filha das trevas, frouxa sonolência,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausência!
Ah! findou para mim tão leda sorte;
Agora é só feliz minha existência
No mudo estado, que arremeda a morte.
* * *
Tu, maligno dragão, cruel harpia,
monstro dos monstros, fúria dos infernos,
que em vil murmuração, ralhos eternos
Estragas sem descanso a noite, e o dia:
Tu, que nas horas em que o mocho pia,
Caluniaste meus suspiros ternos,
Sacode a carga de noventa invernos
Nas descarnadas mãos da morte fria: 
Cai de chofre no báratro profundo,
Cai nas entranhas da voraz fornalha,
Deixa em sossego o miserável mundo:
E entre a maldita, réproba canalha,
Lá bem longe de nós, lá bem no fundo,
Arde, murmura, amaldiçoa, e ralha.
* * *
Usurpando um minuto a meu lamento
Amigo sono os olhos me ocupava,
E enquanto o débil corpo descansava,
Velava amor, velava o pensamento:
Eis que em deserto e lúgubre aposento,
Que semimorta luz mais afeava,
Cri, Gertrúria (ai de mim!) que te avistava
Já sem cor, já sem voz, já sem alento:
Súbito acordo em lágrimas banhado,
E, das trevas palpando o véu medonho
Em vão busco teu corpo delicado:
Mas inda em ânsias trémulo suponho
Que me vaticinou meu negro fado
Dos males o pior no horrível sonho.
* * *
A lva Gertrúria minha, a quem saudoso
Mando trémulos ais enternecidos;
gertrúria, que encantaste os meus sentidos
Cum meigo riso, cum olhar piedoso:
Amor, o injusto Amor, nume doloso,
insensível penedo a meus gemidos,
Me exala sobre os tímidos ouvidos
Estas vozes cruéis em tom raivoso:
"Tu, que já desfrutaste os meus favores,
tu, que na face de Gertrúria bela
Néctar bebeste, mitigaste ardores, 
Não tornarás, não tornarás a vê-la:
lamenta, desgraçado, os teus amores,
Acusa, desgraçado, a tua estrela."
* * *
Usurpando um minuto a meu lamento
Amigo sono os olhos me ocupava,
E enquanto o débil corpo descansava,
Velava amor, velava o pensamento:
Eis que em deserto e lúgubre aposento,
Que semimorta luz mais afeava,
Cri, Gertrúria (ai de mim!) que te avistava
Já sem cor, já sem voz, já sem alento:
Súbito acordo em lágrimas banhado,
E, das trevas palpando o véu medonho,
Em vão busco teu corpo delicado:
Mas inda em ânsias trémulo suponho
Que me vaticinou meu negro fado
Dos males o pior no horrível sonho.
* * *
Alva Gertrúria minha, a quem saudoso
Mando trémulos ais enternecidos;
Gertrúria, que encantaste os meus sentidos
Cum meigo riso, cum olhar piedoso:
Amor, o injusto Amor, nume doloso,
Insensível penedo a meus gemidos,
Me exala sobre os tímidos ouvidos
Estas vozes cruéis em tom raivoso:
"Tu, que já desfrutaste os meus favores,
Tu, que na face de Gertrúria bela
Néctar bebeste, mitigaste ardores,
Não tornarás, não tornarás a vê-Ia:
Lamenta, desgraçado, os teus amores,
Acusa, desgraçado, a tua estrela." 
* * *
Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado,
Mansa corrente deleitosa, amena,
Em cuja praia o nome de Filena
Mil vezes tenho escrito, e mil beijado:
Nunca mais me verás entre o meu gado
Soprando a namorada e branda avena,
A cujo som descias mais serena,
Mais vagarosa para o mar salgado:
Devo enfim manejar por lei da sorte
Cajados não, mortíferos alfanjes
Nos campos do colérico Mavorte;
E talvez entre impávidas falanges
Testemunhas farei da minha morte
Remotas margens, que humedece o Ganges.
* * *
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez perdendo o Tejo
Arrostar co'o sacrílego gigante:
Como tu, junto ao Ganges sussurrante
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante:
Ludíbrio, como tu, da sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura:
Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!...
Se te imito nos transes da ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
* * *
Adeja, coração, vai ter aos lares,
Ditosos lares, que Gertrúria pisa; 
Olha, se inda te guarda a fé mais lisa,
Vê, se inda tem pesar dos teus pesares:
No fulgor dos seus olhos singulares
Crestando as asas, tua dor suaviza,
Amor de lá te chama, te divisa,
Interpostos em vão tão longos mares:
Dize-lhe, que do tempo o leve giro
Não faz abalo em ti, não faz mudança,
Que ainda lhe és fiel neste retiro:
Sim, pinta-lhe imortal minha lembrança;
 Dá-lhe teus ais, e pede-lhe um suspiro,
Que alente, coração, tua esperança.
* * *
Já por bárbaros climas entranhado,
Já por mares inóspitos vagante,
Vítima triste da fortuna errante,
dos mais desprezíveis desprezado:
Da figueira esperança abandonado,
Lassas as forças, pálido o semblante,
Sinto rasgar meu peito a cada instante
A mágoa de morrer expatriado:
Mas ah! Que bem maior, se contra a sorte
Lá do sepulcro no sagrado hospício
Refúgio me promete a amiga Morte!
Vem pois, oh nume aos míseros propício,
Vem livrar-me da mão pesada e forte,
Que de rastos me leva ao precipício!
* * *
Melizeu, o menor entre os nascidos,
De face cadavérica e nojosa,
Tísico em verso, apoquentado em prosa,
Hórrido aos olhos, hórrido aos ouvidos:
Soltando dissonantes alaridos 
Da boca transversal erma, e gulosa,
Insulta a quem de Febo os mimos goza,
Estafa-se em preceitos não cumpridos:
Ao vate Elmano plagiário chama,
Sendo o mais desprezível plagiário,
Que o que pilha desluz, corrompe, infama:
Profanador do Aónio santuário,
Lobisomem do Pindo, orneia, ou brama,
Até findar no Inferno o teu fadário!
* * *
Quem se vê maltratado, e combatido
Pelas cruéis angústias da indigência
Quem sofre de inimigos a violência,
Quem geme de tiranos oprimido:
Quem não pode ultrajado, e perseguido
Achar nos Céus, ou nos mortais clemência,
Quem chora finalmente a dura ausência
De um bem, que para sempre está perdido:
Folgará de viver, quando não passa
Nem um momento em paz, quando a amargura
O coração lhe arranca e despedaça?
Ah! Só deve agradar-lhe a sepultura
Que a vida para os tristes é desgraça,
A morte para os tristes é ventura.
* * *
Aceso no almo ardor, que a mente inflama.
Vivo de Amor, de Amor suspiro e canto;
Na face agora o riso, agora o pranto,
De árvore tua, oh Febo, eu cinjo a rama:
Prezo a doce moral, na voz da fama
Meu nome, pouco a pouco aos céus levanto
Mas turba vil, que abato, anseio e espanto,
Urde em meu dano abominável trama; 
Réu me delata de hórrida maldade,
Projecta aniquilar-me o bando rude,
Envolto na leteia escuridade:
Que falsa ideia, oh zoilos, vos ilude?
Furtais-me a paz? Furtais-me a liberdade?
Fica-me a glória, fica-me a virtude.
* * *
Bem hajas, oh Morfeu! À fantasia
Que cena divinal me deste agora!
Nise, qual sai da noite a grata aurora,
Surgiu-me dentre as sombras da agonia.
Mais belo inda a saudade me fingia
O gesto encantador, que os céus namora;
Cuido que inda me afaga, que inda chora
Pranto, que morta flor viver faria.
Graças oh nume, de meus ais magoado!
Alta mercê meu coração te deve,
Por este acinte, que fizeste ao fado:
Só tua divindade a tal se atreve;
Mas ah! Que eras prazer de um desgraçado
Sempre mostraste, oh sonho, em ser tão breve.
* * *
Em sórdida masmorra aferrolhado,
De cadeias aspérrimas cingido,
Por ferozes contrários perseguido,
Por línguas impostoras criminado:
Os membros quase nus, o aspecto honrado
Por vil boca, e vil mão roto, e cuspido,
Sem ver um só mortal compadecido
De seu funesto, rigoroso estado:
O penetrante, o bárbaro instrumento
De atroz, violenta, inevitável morte
Olhando já na mão do algoz cruento: 
Inda assim não maldiz a iníqua sorte,
Inda assim tem prazer, sossego, alento,
O sábio verdadeiro, o justo, o forte.
* * *
Tu, que em torpes desejos atolado
Vergonhosos prostíbulos frequentas:
Tu, que os olhos famintos alimentas
No cofre, de tesouros atulhado:
Tu, que do ouro e da púrpura adornado
Quase de igual a Júpiter ostentas,
bebendo as frases vis, e peçonhentas
Do bando adulador, que tens ao lado:
momentos, que desonrais a humanidade,
Desprezando a pobreza atribulada,
E transgredindo a lei da caridade:
O Desengano ouvi, que assim vos brada:
"Tremei da pavorosa eternidade,
Tremei filhos do pó, filhos do nada!"
* * *
Oh Rei dos reis, oh Árbitro do mundo,
Cuja mão sacrossanta os maus fulmina,
E a cuja voz terrífica, e divina
Lúcifer treme no seu caos profundo!
Lava-me as nódoas do pecado imundo,
Que as almas cega, as almas contamina:
O rosto para mim piedoso inclina,
Do eterno império Teu, do Céu rotundo:
Estende o braço, a lágrimas propício,
Solta-me os ferros, em que choro e gemo
Na extremidade já do precipício:
De mim próprio me livra, oh Deus supremo!
Porque o meu coração propenso ao vício
É, Senhor, o contrário que mais temo. 
* * *
Nos campos o vilão sem sustos passa,
inquieto na corte o nobre mora;
O que é ser infeliz aquele ignora,
Este encontra nas pompas a desgraça:
Aquele canta e ri; não se embaraça
Com essas coisas vãs que o mundo adora:
Este (oh cega ambição!) mil vezes chora,
Porque não acha bem que o satisfaça:
Aquele dorme em paz no chão deitado,
Este no ebúrneo leito precioso
Nutre, exaspera velador cuidado:
Triste, sai do palácio majestoso; .
Se hás-de ser cortesão, mas desgraçado,
Antes ser camponês, e venturoso!
* * *
Neste horrível sepulcro da existência
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razão se vê sem arte,
Com que dome a frenética impaciência:
Aqui pela opressão, pela violência
Que em todos os sentidos se reparte,
Transitório poder quer imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotência!
Aqui onde o que o peito abrange, e sente,
Na mais ampla expressão acha estreiteza,
Negra idéia do abismo assombra a mente.
Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e não gozar da Natureza?
* * *
Minh'alma quer lutar com meu tormento;
Contenda inútil! É por ele o Fado: 
Antes de oprimir-me está cansado
Eterna força lhe refaz o alento:
Mais vale que delire o pensamento
Te agora co'a Razão debalde armado;
É menos triste, menos duro estado
A Desesperação, que o Sofrimento:
A Desesperação soluça e chora,
A Desesperação mil ais desata,
Parte do mal nas queixas se evapora:
O Sofrimento azeda o que recata;
Prende suspiros, lágrimas devora,
tiraniza, consome, e às vezes mata.
* * *
Aqui, onde arquejando estou curvado
À lei, pesada lei, que me agrilhoa,
De lúgubres ideias se povoa
Meu triste pensamento horrorizado:
Aqui não brama o Noto anuviado,
O Zéfiro macio aqui não voa,
Nem zune insecto alígero, nem soa
Ave de canto alegre, ou agourado;
Expeliu-me de si a humanidade,
Tu, astro benfeitor da redondeza,
Não despendes comigo a claridade:
Só me cercam fantasmas da tristeza:
Que silêncio! Que horror! Que escuridade!
Parece muda, ou morta a Natureza.
* * *
Com ampla mão, benéfica largueza,
mil vezes me hás dourado a vida escura;
aos fados meus, de horrível catadura,
mil vezes tens despido a atroz dureza:
Blasone embora a túmida nobreza 
Dos timbres, que lhe engole a sepultura;
Esse esplendor dos grandes é ventura;
Teu esplendor, ó Freire, é natureza:
Ante a luz, que do céu mil raios lança,
dignidade sem mérito é desdouro,
mérito estreme a eternidade alcança:
teu gênio benfeitor supre um tesouro;
e eu, que obtive das Musas farta herança,
pago-te em verso o que te devo em ouro.
* * *
Já com ténue clarão, já quase escura
A nocturna Diana o céu volteia,
sobre o Tejo azul, que mal prateia,
Vai duplicando a trémula figura:
Aura subtil nas árvores murmura,
No lago adormecido a rã vozeia,
Mocho importuno agouros mil semeia,
Dentre as umbrosas moitas da espessura:
Letárgico vapor Morfeu derrama,
Com que insinua um doce desalento
No livre coração de quem não ama:
Triste de mim! Se repousar intento
Os olhos me abre Amor, Amor me inflama,
E Anália me persegue o pensamento.
* * *
Vós, que de meus extremos sois a história,
por negro zoilo em vão roubados,
nascidos da Ternura, e restaurados
co'o pronto auxílio de fiel memória:
Da Inveja conseguindo alta vitória
Ide, meus versos, em Amor fiados,
Que dele só dependem vossos fados,
Que dele só demando a minha glória: 
Não vos importe o público juízo;
Da voz, que pelo mundo se derrama,
Os vivas caprichosos não preciso.
Voai aos olhos, cuja luz me inflama;
Tereis de Anarda aprovador sorriso,
Um sorriso de Anarda é mais que a Fama.
* * *
Se é doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias, e os verdores
Mole e queixoso deslizar-se o rio:
Se é doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando, e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio
Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados:
Mais doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados
Morte, morte de amor, melhor que a vida.
* * *
No abismo tragador da Humanidade
(dela, dela não só, de quanto existe)
co'a mesma rapidez, Elmano, ah! viste
sumir-se a florescente, e a murcha idade!
Olha em muros, que veste a escuridade,
Olha a cor de teu fado, a cor mais triste:
Talvez (agora!... agora!...) ele te aliste
No volume, em que lê a eternidade!
Oh tochas funerais! Clarão medonho!
Da morte, oh! mudas, solitárias cenas!
Em vós arrepiado os olhos ponho!... 
Ah, porque tremes, louco? Ah! Porque penas?
sonhas num ermo, e surgirás do sonho
em climas de ouro, em regiões amenas.
* * *
Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana:
De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua orgia dana.
Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos:
Deus, oh Deus!... Quando a morte à luz me roube
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.
* * *
Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura:
Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento;
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura!
Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:
Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente impia,
Rasga meus versos, crê na eternidade! 
* * *
Mimo das graças te floresce o canto,
De ternas sensações inda orvalhoso;
D'alma, que em néctar inundei saudoso,
Foge a dor, foge o mal, foge o quebranto:
São melodia os ais, delícia o pranto,
Que excita o verso teu, gentil, mimoso;
Por ele jura Amor ser mais piedoso,
E sente a Natureza um novo encanto;
Estro do coração! Teus sons, teus lumes,
Dos montes de perene amenidade
Tentem no longo adejo os flóreos cumes:
Versos, não vos merece a férrea idade;
Gozai no Olimpo, oh música dos numes,
Vosso ouvinte imortal, a Eternidade!
* * *
Cara de réu, com fumos de juiz,
Figura de presepe, ou de entremez,
Mal haja quem te sofre, e quem te fez,
Já que mordeste as décimas que fiz:
Hei-de pôr-te na testa um T com giz,
Por mais e mais pinotes, que tu dês;
E depois com dois murros, ou com três,
Acabrunhar-te os queixos, e o nariz:
Quem da cachola vã te inflama o gás,
E a abocanhares sílabas te induz,
Ó dos brutos e alarves capataz?
Nem sabes o A B C, pobre lapuz;
E pasmo de que, sendo um Satanás,
Com tinta faças o sinal da Cruz!
* * *
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura, 
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento
E somente no altar amando os frades:
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
* * *
Adamastor cruel! De teus furores
Quantas vezes me lembro horrorizado!
Ó monstro! Quantas vezes tens tragado
Do soberbo Oriente os domadores!
Parece-me que entregue a vis traidores
Estou vendo Sepúlveda afamado,
Co'a esposa e co'os filhinhos abraçado,
Qual Mavorte com Vénus e os Amores.
Parece-me que vejo o triste esposo,
Perdida a tenra prole e a bela dama,
Às garras dos leões correr furioso.
Bem te vingaste em nós do afoito Gama!
Pelos nossos desastres és famoso.
Maldito Adamastor! Maldita fama!
* * *
Ó Céus! Que sinto n'alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!
Tal era, doce amada, o meu lamento; 
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: A que se expõe quem não receia
Contemplar Ursulina um só momento!
Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrílega loucura:
De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
À tua linda ingrata algum suspiro.
* * *
Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá de Túbal no empório celebrado,
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.
Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e enfim meu fado,
Dos irmãos e do pai me pôs distante.
Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da Pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.
E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.
* * *
Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n'alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas;
Razão feroz, o coração me indagas.
De meus erros a sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas. 
Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co'a ideia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.
Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.
* * *
A frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paixão requer paixão, fervor e extremo;
Com extremo e fervor se recompensa.
Vê qual sou, vê qual és, vê que diferença!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
Em sombras a razão se me condensa.
Tu só tens gratidão, só tens brandura,
E antes que um coração pouco amoroso
Quisera ver-te uma alma ingrata e dura.
Talvez me enfadaria aspecto iroso,
Mas de teu peito a lânguida ternura
Tem-me cativo e não me faz ditoso.
* * *
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não Caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo que desmaia.
Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao mortal, que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo. 
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, oh Liberdade!
* * *
Liberdade querida e suspirada,
Que o Despotismo acérrimo condena;
Liberdade, a meus olhos mais serena,
Que o sereno clarão da madrugada!
Atende à minha voz, que geme e brada
Por ver-te, por gozar-te a face amena;
Liberdade gentil, desterra a pena
Em que esta alma infeliz jaz sepultada;
Vem, oh deusa imortal, vem, maravilha,
Vem, oh consolação da humanidade,
Cujo semblante mais que os astros brilha;
Vem, solta-me o grilhão da adversidade;
Dos céus descende, pois dos Céus és filha,

Mãe dos prazeres, doce Liberdade! 

POEMAS ERÓTICOS

 [SONETO NAPOLEÓNICO] 


Tendo o terrivel Bonaparte à vista,
Novo Hannibal, que esfalfa a voz da Fama,
"Ó cappados heroes!" (aos seus exclama
Purpureo fanfarrão, papal sacrista):

"O progresso estorvae da atroz conquista
Que da philosophia o mal derrama?..."
Disse, e em fervido tom sauda, e chama, [férvido]
Sanctos surdos, varões por sacra lista:

Delles em vão rogando um pio arrojo,
Convulso o corpo, as faces amarellas,
Cede triste victoria, que faz nojo!

O rapido francez vae-lhe às cannellas;
Dá, fere, macta: ficam-lhe em despojo
Reliquias, bullas, merdas, bagatellas.




 [SONETO DO EPITAPHIO]

La quando em mim perder a humanidade
Mais um daquelles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o theologo, o peralta,
Algum duque, ou marquez, ou conde, ou frade:

Não quero funeral communidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gattarrões, gente de malta,
Eu tambem vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada edosa
Sepulchro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitaphio mão piedosa:

"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".


[SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO]

Esse dysforme, e rigido porraz
Do semblante me faz perder a cor:
E assombrado d'espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para traz:

A espada do membrudo Ferrabraz
De certo não mettia mais horror:
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz.

Creio que nas fodaes recreações
Não te hão de a rija machina soffrer
Os mais corridos, sordidos cações:

De Venus não desfructas o prazer:
Que esse monstro, que alojas nos calções,
É porra de mostrar, não de foder.



 [SONETO (DES)PEJADO]

Num cappote embrulhado, ao pé de Armia,
Que tinha perto a mãe o cha fazendo,
Na linda mão lhe foi (oh céus) mettendo
O meu caralho, que de amor fervia:

Entre o susto, entre o pejo a moça ardia;
E eu solapado os beijos remordendo,
Pela fisga da saia a mão crescendo
A chamada sacana lhe fazia:

Entra a vir-se a menina... Ah! que vergonha!
"Que tens?" — lhe diz a mãe sobresaltada:
Não pode ella encobrir na mão langonha:

Suffocada ficou, a mãe corada:
Finda a partida, e mais do que medonha
A noite começou da bofetada.



 [SONETO AO ARCADE FRANÇA]

No cantho de um venal salão de dansa,
Ao som de uma rebeca desgrudada,
Olhos em alvo, a porra arrebitada,
Bocage, o folgazão, rostia o França. (2)

Este, com mogigangas de creança,
Com a mão pelos ovos encrespada,
Brandia sobre a roxa fronte alçada
Do assanhado porraz, que quer lambança.

Veterana se faz a mão bisonha;
Tanto a tempo meneia, e sua o bicho,
Que em Bocage o tesão vence a vergonha:

Quiz vir-me por luxuria, ou por capricho;
Mas em vez de acudir-lhe alva langonha
Rebenta-lhe do cu merdoso esguicho.



[SONETO DO VELHO ESCANDALOSO] 

Tu, ó demente velho descarado,
Escandalo do sexo masculino,
Que por alta justiça do Destino
Tens o impotente membro deceppado!

Tu, que, em torpe furor incendiado
Soffres d'impia paixão ardor maligno, [ímpia]
E a consorte gentil, de que és indigno,
Entregas a infructifero castrado!

Tu, que tendo bebido o menstruo immundo,
Esse amor indiscreto te não gasta
D'impia mulher o orgulho furibundo! [ímpia]

Em castigo do vicio, que te arrasta,
Saiba a inclita Lysia, e todo o mundo
Que és vil por genio, que és cabrão, e basta.




[SONETO DA CAGADA] 

Vae cagar o mestiço e não vae só;
Convida a algum, que esteja no Gará,
E com as longas calças na mão ja
Pede ao cafre canudo e tambió:

Destapa o banco, atira o seu fuscó,
Depois que ao liso cu assento dá,
Diz ao outro: "Ó amigo, como está
A Rittinha? O que é feito da Nhonhó?"

"Vieste do Palmar? Foste a Pangin?
Não me darás noticias da Russu,
Que desde o outro dia inda a não vi?"

Assim prosegue, e farto ja de gu,
O branco, e respeitavel canarim
Deita fora o cachimbo, e lava o cu.




 [SONETO DA DONZELLA ANSIOSA]

Arreitada donzella em fofo leito,
Deixando erguer a virginal camisa,
Sobre as roliças coxas se divisa
Entre sombras subtis pachacho estreito:

De louro pello um circulo imperfeito
Os pappudos beicinhos lhe matiza;
E a branca crica, nacarada e lisa,
Em pingos verte alvo licor desfeito:

A voraz porra as guelras encrespando
Arruma a focinheira, e entre gemidos
A moça treme, os olhos requebrados:

Como é inda boçal, perde os sentidos:
Porem vae com tal ansia trabalhando,
Que os homens é que veem a ser fodidos.


 [SONETO DA ESCULTURA ESCANDALOSA]

Esquentado frisão, brutal masmarro
Girava em Santarém na pobre feira;
Eis que divisa ao longe em couva ceira
Seus bons irmãos seráficos de barro:

O bruto, que arremeda um boi de carro
Na carranca feroz, parte à carreira,
Os sagrados bonecos escaqueira,
E arranca de ufania um longo escarro:

N'alma o santo furor lhe arqueja, e berra;
Mas vós enchei-vos de íntimo alvoroço,
Povos, que do burel sofreis a guerra:

Que dos bonzos de barro o vil destroço
É presságio talvez de irem por terra
Membrudos fradalhões de carne e osso!


 [SONETO DA ESCULPTURA ESCANDALOSA]

Esquentado frisão, brutal masmarro
Gyrava em Sanctarem na pobre feira;
Eis que divisa ao longe em couva ceira
Seus bons irmãos seraphicos de barro:

O bruto, que arremeda um boi de carro
Na carranca feroz, parte à carreira,
Os sagrados bonecos escaqueira,
E arranca de ufania um longo escarro:

N'alma o sancto furor lhe arqueja, e berra;
Mas vós enchei-vos de intimo alvoroço,
Povos, que do burel soffreis a guerra:

Que dos bonzos de barro o vil destroço
É presagio talvez de irem por terra
Membrudos fradalhões de carne e osso!


[SONETO DA COPULA ESCULPIDA]

Nesta, cuja memoria esquece à Fama,
Feira, que de Sanct'rem vem de anno em anno,
Jazia co'uma freira um franciscano;
Eram de barro os dois, de barro a cama:

Co'a mão, que à virgindade injurias trama,
Pretendia o cabrão ferrar-lhe o panno;
Eis que um negro barrasco, um Frei Tutano
O espectaculo vê, que os rins lhe inflamma:

"Irra! Vens me attiçar, gente damnada!
Não basta a felpa dos bureis opacos,
Com que a carne rebelde anda rallada?"

"Fora, vis temptações, fora, velhacos!..."
Disse, e ao rispido som de atroz pattada
O escandaloso par converte em cacos.


 [SONETO DO PRAZER MAIOR]

Amar dentro do peito uma donzella;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Fallar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janella:

Fazel-a vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertal-a nos braços casta e bella:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a bocca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vel-a rendida emfim a Amor fecundo;
Dictoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que ha no mundo.

 [SONETO DO PAU DECIFRADO]

É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,
Bem que duas gamboas lhe lobrigo;
Dá leite, sem ser arvore de figo,
Da glande o fructo tem, sem ser sobreiro:

Verga, e não quebra, como zambujeiro;
Oco, qual sabugueiro tem o umbigo;
Brando às vezes, qual vime, está comsigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:

À roda da raiz produz carqueja:
Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-sancto mais negreja!

Para carvalho ser falta-lhe um U; [carualho]
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar metta-o no cu.


 [SONETO DO PREGADOR PECCADOR]

Bojudo fradalhão de larga venta,
Abysmo immundo de tabaco esturro,
Doutor na asneira, na sciencia burro,
Com barba hirsuta, que no peito assenta:

No pulpito um domingo se apresenta;
Prega nas grades espantoso murro;
E acalmado do povo o grão sussurro
O dique das asneiras arrebenta.

Quattro putas mofavam de seus brados,
Não querendo que gritasse contra as modas [qu'rendo]
Um peccador dos mais desaforados:

"Não (diz uma) tu, padre, não me engodas:
Sempre me ha de lembrar por meus peccados
A noite, em que me deste nove fodas!"
 

 [SONETO DO PADRE PATIFE] 

Aquelle semiclerigo patife,
Si eu no mundo fizera ainda apostas,
Apostara comtigo que nas costas
O grande Pico tem de Tenerife.

Celebre traste! É justo que se rife;
Eu tambem prompto estou, si disso gostas;
Não haja mais perguntas, nem respostas;
Venha, antes que algum taful o bife.

Parece hermaphrodita o corcovado;
Pela rachada parte (que appeteço)
Parece que emprenhou, pois anda opado!

Mas desta errada opinião me desço;
Pois que traz a creança no costado,
Deve ter emprenhado pelo sesso.




 [SONETO DO CARALHO POTENTE]

Porripotente heroe, que uma cadeira
Sustens na poncta do caralho teso,
Pondo-lhe em riba mais por contrapeso
A cappa de baetão da alcoviteira:

Teu casso é como o ramo da palmeira,
Que mais se eleva, quando tem mais peso;
Si o não conservas açaimado e preso,
É capaz de foder Lisboa inteira!

Que forças tens no horrido marsapo, [hórrido]
Que assentando a dysforme cachamorra
Deixa connos e cus feitos num trappo!

Quem ao ver-te o tesão há não discorra
Que tu não podes ser sinão Priapo,
Ou que tens um guindaste em vez de porra?



[SONETO DO PRAZER EPHEMERO]

Dizem que o rei cruel do Averno immundo
Tem entre as pernas caralhaz lanceta,
Para metter do cu na aberta greta
A quem não foder bem ca neste mundo:

Tremei, humanos, deste mal profundo,
Deixae essas lições, sabida peta,
Foda-se a salvo, coma-se a punheta:
Este prazer da vida mais jucundo.

Si pois guardar devemos castidade,
Para que nos deu Deus porras leiteiras,
Sinão para foder com liberdade?

Fodam-se, pois, casadas e solteiras,
E seja isto ja; que é curta a edade,
E as horas do prazer voam ligeiras! (7)


 [SONETO AO ARCADE LERENO] 

Nojenta prole da rainha Ginga,
Sabujo ladrador, cara de nico,
Loquaz saguim, burlesco Theodorico,
Osga torrada, estupido rezinga;

E não te accuso de poeta pinga;
Tens lido o mestre Ignacio, e o bom Suppico;
De ocas idéas tens o casco rico,
Mas teus versos tresandam a catinga:

Si a tua musa nos outeiros campa,
Si ao Miranda fizeste ode demente,
E o mais, que ao mundo estolido se incampa: [estólido]

É porque sendo, ó Caldas, tão somente
Um cafre, um gozo, um nescio, um parvo, um trampa,
Queres metter nariz em cu de gente.




[SONETO MAÇONICO] 

Turba esfaimada, multidão canina,
Corja, que tem por deus ou Momo, ou Baccho,
Reina, e decreta nos covis de Caco
Ignorancia daqui, dalli rapina:

Colhe de alto systema e lei divina
Imaginario jus, com que encha o sacco;
Textos gagueja em vão Doutor macaco
Por ouro, que promette alma sovina:

Circulo umbroso de venaes pedantes,
Com torpe astucia de maligna zorra
Usurpa nome excelso, e graus flammantes:

Ora mijei na sucia, inda que eu morra
Corno, arrocho, bambu nos elephantes,
Cujo vulto é de anões, a tromba é porra!



[AUTORETRACTO] 

Magro, de olhos azues, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em niveas mãos por taça escura
De zelos infernaes letal veneno.

Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de moças mil) num só momento
Inimigo de hypocritas, e frades.

Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Sahiram delle mesmo estas verdades
Num dia, em que se achou cagando ao vento.



[SONETO DRAMATICO]

Na scena em quadra tragico-hinvernosa
Zahida se impingiu (fradesco drama!)
Appareceu depois, com sede à fama,
Tragedia mais egual, mais lastimosa:

O auctor pranteia em phrase apparatosa
Esfaqueado arraes, pimpão d'Alfama;
Corno o protagonista, e puta a dama,
O machão é Simeão, e a mula é Rosa:

Espicha o rabo (eu tremo ao proferil-o)
Espicha o rabo alli o heroe na rua,
Qual Muratão nos areaes do Nilo!

Elmiro na tarefa contínua,
Ja todos pela escolha, e pelo estylo
Rosnam que a nova peça é obra sua.


 [SONETO ARCADICO]

Não tendo que fazer Apollo um dia
Às Musas disse: "Irmans, é beneficio
Vadios empregar, demos officio
Aos socios vãos da magra Academia!"

"O Caldas satisfaça à padaria;
O França d'enjoar tenha exercicio,
E o auctor do entremez do Rei Egypcio
O Pegaso veloz conduza à pia!"

"Va na Ulysséa tasquinhar o ex-frade:
Da sala o Quintanilha accenda as velas,
Em se junctando alguma sociedade!"

"Bernardo nenias faça, e cague nellas;
E Belmiro, por ter habilidade,
Como d'antes trabalhe em bagatellas!"

[OUTRO SONETO AO FRANÇA]

Rapada, amarellenta, cabelleira,
Vesgos olhos, que o cha, e o doce engoda,
Bocca, que à parte esquerda se accommoda,
(Uns affirmam que fede, outros que cheira):

Japona, que da ladra andou na feira;
Ferrugento faim, que ja foi moda
No tempo em que Albuquerque fez a poda
Ao soberbo Hidalcão com mão guerreira:

Ruço calção, que esporra no joelho
Meia e sapato, com que ao lodo avança,
Vindo a encontrar-se c'o esburgalhado artelho:

Jarra, com appetites de creança;
Cara com semelhança de besbelho;
Eis o bedel do Pindo, o doutor França.


 [SONETO AO LEITÃO]

Pilha aqui, pilha alli, vozeia auctores,
Montesquieu, Mirabeau, Voltaire, e varios;
Propõe systemas, tira corolarios,
E usurpa o tom d'emphaticos doutores:

Sciencia de livreiros e impressores
Tem da vasta memoria nos armarios;
E tractando os christãos de visionarios,
Só rende culto a Venus, e aos Amores:

A mulher, que a barriga lhe tem forra
Do jugo da vital necessidade,
Deixa em casa gemer como em masmorra:

Este biltre, labéu da humanidade,
É um tal bacharel Leitão de borra,
Lascivo como um burro, ou como um frade.


[SONETO DO DIALOGO CONJUGAL]

Não chores, cara esposa, que o Destino
Manda que parta, à guerra me convida;
A honra prezo mais que a propria vida,
E si assim não fizera, fora indigno.

"Eu te acho, meu Conde, tão menino
Que receio..." — Ah! Não temas, não, querida;
A franceza nação será battida,
Este peito, que vês, é diamantino.

"Como é crivel que sejas tão valente?..."
Eu herdei o valor de avós, e paes,
Que essa virtude tem a illustre gente.

"Porem si as forças forem deseguaes...?"
Irra, Condessa! És muito impertinente!
Tornarei a fugir, que queres mais?

[SONETO ANTICLERICAL] 

Si quereis, bom Monarcha, ter soldados
Para compor lustrosos regimentos,
Mandae desentulhar esses conventos
Em favor da preguiça edificados:

Nos Bernardos lambões, e asselvajados
Achareis mil guerreiros corpulentos;
Nos Vicentes, nos Nerys, e nos Bentos
Outros tantos, não menos esforçados:

Tudo extingui, senhor: fiquem somente
Os Franciscanos, Loios, e Torneiros,
Do Centimano asperrima semente:

Existam estes lobos carniceiros,
Para não arruinar inteiramente
Putas, pivias, cações, e alcoviteiros.






[SONETO DO MOURO DESMORALIZADO]

Veiu Muley -- Achmet marroquino
Com duros trigos entulhar Lisboa;
Pagava bem, não houve moça boa
Que não provasse o casco adamantino:

Passou a um seminario feminino,
Dos que mais bem providos se apregoa,
Onde a um frade bem fornida ilhoa
Dava d'esmola cada dia um pino:

Tinha o mouro fodido largamente,
E ja bazofiando com desdouro
Tractava a nação lusa d'impotente:

Entra o frade, e ao ouvil-o, como um touro
Passou tudo a caralho novamente,
E o triumpho acabou no cu do mouro.


[SONETO DO CORNO INTERESSEIRO]

Uma noite o Scopezzi mui contente
(Depois de borrifar a sacra espada
Que traz de rubra fita pendurada
Com cuspo, e vinho, que vomita quente):

Conversava co'a esposa em voz tremente
Sobre a grande ventura inesperada
De ser a sua Placida adorada
Por um Marquez tão rico, e tão potente:

A velha lhe replica: Isso é verdade;
Emquanto moça for, nunca o dinheiro
Faltará nesta casa em quantidade.

"Mas tu sempre és o tafulão primeiro:
Pois tendo cabrão sido noutra edade,
És agora o maior alcoviteiro!"


 [SONETO DA DAMA CAGANDO]

Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porem o ver cagar a formosura
Mette nojo à vontade mais gulosa!

Ella a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma charta d'amor de alimpadura
Serviu àquella parte malcheirosa:

Ora mandem à moça mais bonita
Um escripto d'amor que lisonjeiro
Affectos move, corações incita:

Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palacio do alcatreiro!




OUTRO SONETO DO PRAZER EPHEMERO] 

Quando do grão Martinho a fatal Marca
O termo fez soar no seu chocalho,
Levou trez dias a passar caralho
Do medonho Charonte a negra barca;

Eis no terceiro dia o padre embarca,
E o velho, que a ninguem faz agasalho,
Em premio quiz só ter do seu trabalho
O gaudio de ver porra de tal marca:

Pegou-se ao cão trifauce a voz na goela
Ao ver de membro tal as deanteiras,
E Plutão a mulher poz de cautela:

Porem Dido gritou às companheiras:
"Agora temos porra; a ella, a ella,
Que as horas de prazer voam ligeiras!"

(13) Ver o soneto XVII.

[SONETO DA PUTA NOVATA]

Dizendo que a costura não dá nada,
Que não sabe servir quem foi senhora,
A impulsos da paixão fornicadora
Sobe d'alcoviteira a moça a escada.

Seus desejos lhe pinta a malfadada,
E a tabaquanta velha seductora
Diz-lhe: "Veiu menina, em bella hora,
Que essas, que tenho, ja não ganham nada".

Matricula-se aqui a tal pateta,
Em punhetas e fodas se industria,
Emquanto a mestra lhe não rifa a greta.

Chega, por fim, o fornicario dia;
Dentro em pouco a menina de muleta
Passeia do hospital na enfermaria.

[SONETO ASCOROSO] 

Piolhos cria o cabello mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado.

Pela bocca do rosto mais corado
Halito sae, às vezes bem ascoroso; [pronuncia-se "ascroso"]
A mais nevada mão sempre é forçoso
Que de sua dona o cu tenha tocado.

Ao pé delle a melhor natura mora,
Que deitando no mez podre gordura,
Fetido mijo lança a qualquer hora.

O cu mais alvo caga merda pura:
Pois si é isto o que tanto se namora,
Em ti mijo, em ti cago, ó formosura!



[SONETO DA PORCARIA]

Que fio de ouro, que cabello ondado,
piolhos não creou, lendeas não teve?
Que raio de olhos blasonar se attreve,
que não foi de remelas mal tractado?

Que bocca se acha ou que nariz prezado
aonde monco ou escarro nunca esteve?
E de que tal crystal ou branca neve
não se viu seu besbelho visitado?

Que pappo de mais bella galhardia
que um dedo está do cu só dividido,
não mija e regra tem todos os mezes?

Si amor é tudo merda e porcaria,
e por este monturo andaes perdido,
cago no amor e em vós trezentas vezes.

 [SONETO DO CORNO CHOROSO]

Si o grão serralho do Sophi potente,
Ou do Sultão feroz, que rege a Thracia,
Mil Venus de Georgia, oh! da Circassia
Nuas prestasse ao meu desejo ardente!

Si negros brutos, que parecem gente,
Ministros fossem de lasciva audacia,
Inda assim do ciume a pertinacia
No peito me nutria ardor pungente!

Erraste em produzir-me, ó Natureza,
Num paiz onde todos fodem tudo,
Onde leis não conhece a porra tesa!

Cioso affecto, affecto carrancudo!
Zelar moças na Europa é ardua empresa,
Entre nós ser amante é ser cornudo.


 [SONETO DA BEATA EXPERTA] 

Não te crimino a ti, plebe insensata,
A van superstição não te crimino;
Foi natural, que o frade era ladino,
É experta em macaquices a beata:

Só crimino esse heroe de bola chata,
Que na eschola de Marte inda é menino,
E ao falso pastor, pastor sem tino,
Que tão mal das ovelhas cura, e tracta:

Item, crimino o respeitavel Cunha,
Que a frias petas credito não dera,
A ser philosopho, como suppunha: [dysrhythmico]


[SONETO DO FALSO MILAGRE]

De c'roa virginal a fronte ornada,
Em lugubres mortalhas envolvida
A beata fatal jaz extendida,
De assistentes contritos rodeada:

Um se tem por ja salvo em ter chegada
Ao lindo pé a bocca commovida
Outro protesta reformar a vida:
Porem ella respira, e está corada!

Que é sancta, e que morreu, com juramentos
Affirma audaz o façanhudo frade
E que prodigios são seus movimentos

O devoto auditorio se persuade:
Renovam-se os protestos e os lamentos:
Triste religião! Pobre cidade!


[SONETO DA SUPPOSTA SANCTA]

Acredite, sentado aos quentes lares
Nas noites hinvernosas de janeiro,
Relendo em Carlos Magno o sapateiro
As proezas crueis dos doze Pares:

Creiam que veem as bruxas pelos ares
A chupar as creanças no trazeiro;
Comam quanto lhes diz o gazeteiro,
De casos, de successos singulares:

Porem, que uma beata amortalhada,
Com a cara vermelha e corpo molle,
E sancta por um frade apregoada:

Que respire, que os braços desenrole,
E seja por defuncta acreditada,
Isto somente em Evora se engole!


[SONETO DA AMADA GABADA]

Si tu visses, Josino, a minha amada
Havias de louvar o meu bom gosto;
Pois seu nevado, rubicundo rosto
Às mais formosas não inveja nada:

Na sua bocca Venus faz morada:
Nos olhos tem Cupido as settas posto;
Nas mammas faz Lascivia o seu encosto,
Nella, emfim, tudo encanta, tudo agrada:

Si a Asia visse coisa tão bonita
Talvez lhe levantasse algum pagode
A gente, que na foda se exercita!

Belleza mais completa haver não pode:
Pois mesmo o conno seu, quando palpita,
Parece estar dizendo: "Fode, fode!"


[SONETO DAS GLORIAS CARNAES] (

Cante a guerra quem for arrenegado,
Que eu nem palavra gastarei com ella;
Minha Musa será sem par cannella
Co'um felpudo conninho abraseado:

Aqui descreverei como arreitado
Num mar de bimbas navegando à vela,
Cheguei, propicio o vento, à doce, àquella
Enseada d'amor, rei coroado:

Direi tambem os beijos sussurrantes,
Os intrincados nós das linguas ternas,
E o aturado fungar de dois amantes:



[SONETO DO CARALHO APATETADO]

Fiado no fervor da mocidade,
Que me accenava com tesões chibantes,
Consumia da vida os meus instantes
Fodendo como um bode, ou como um frade.

Quantas pediram, mas em vão, piedade
Encavadas por mim balbuciantes!
Ficando a gordos sessos alvejantes
Que hemorrhoides não fiz nesta cidade!

À força de brigar fiquei mammado;
Vista ao caralho meu, que de gaiteiro
Está sobre os colhões apatetado:

Oh Numen tutelar do mijadeiro!
Levar-te-ei, si tornar ao teso estado,
Por offerenda espetado um parrameiro.


 [SONETO DO JURAMENTO]

Eu foder putas?... Nunca mais, caralho!
Has de jurar-m'o aqui, sobre estas Horas:
E vamos, vamos ja!... Porem tu choras?
"Não senhor (me diz elle) eu não, não ralho":

Battendo sobre as Horas como um malho,
"Juro (diz elle) só foder senhoras,
Das que abrem por amor as temptadoras
Pernas àquillo, que arde mais que o alho".

Co'a força do jurar esfolheando
O sacro livro foi, e a ardente sede
O fez em mar de ranho ir soluçando...

Ah! que fizeste? O céu teus passos mede!
Anda, heretico filho miserando,
Levanta o dedo a Deus, perdão lhe pede!


[SONETO ANAL]

"Ora deixe-me, então... faz-se creança?
Olhe que eu grito, pela mãe chamando!"
Pois grite (então lhe digo, amarrotando
Saiote, que em baixal-o irada cansa):

Na quente lucta lhe desgrenho a trança
A anagua lhe levanto, e fumegando,
As estreitadas bimbas separando
Lhe arrimo o caralhão, que não se amansa:

Tanto a ser giria, não gritava a bella:
Que a cada grito se escorvava a porra,
Fazendo-lhe do cu saltante pella!

— Ha de pagar-me as mangações de borra,
Basta de conno, ponha o sesso à vela,
Que nelle ir quero visitar Gomorrha.


 [SONETO DA PUTA ASSOMBROSA]

Pela rua da Rosa eu caminhava
Eram septe da noite, e a porra tesa;
Eis puta, que indicava assaz pobreza,
Co'um lencinho à janella me accenava.

Quaes conselhos? A porra fumegava;
"Hei de seguir a lei da natureza!"
Assim dizia e effeituou-se a empresa;
Prepucio para traz a porta entrava.

Sem que saude a moça prazenteira
Se arrima com furor não visto à crica,
E a bella a molle-molle o cu peneira.

Ninguem me gabe o rebolar d'Annica;
Esta puta em foder excede à Freira,
Excede o pensamento, assombra a pica!

[SONETO DO GOZADOR COÇADOR]

"Apre! não mettas todo... Eu mais não posso..."
Assim Marcia formosa me dizia;
— Não sou barbaro (à moça eu respondia)
Brandamente verás como te coço!

"Ai! por Deus, não... não mais, que é grande! e grosso!"
Quem resistir ao seu fallar podia?
Meigamente o conninho lhe battia;
Ella diz "Ah meu bem! meu peito é vosso!"

O rebolar do cu (ah!) não te esqueça
Como és bella, meu bem! (então lhe digo)
Ella em suspiros mil a ardencia expressa.

Por te unir fazer muito ao meu umbigo;
Assim, assim... menina, mais depressa!...
Eu me venho... ai Jesus!... vem-te commigo!


[SONETO DO GOZO VICTORIOSO]

Vem ca, minha Marilia, tão roliça,
So'as bochechas da cor do meu caralho,
Que eu quero ver si os beiços embaralho
Co'esses teus, onde amor a ardencia attiça:

Que abrimentos de bocca! Tens preguiça?
Hospeda-me entre as pernas este malho,
Que eu te ponho ja tesa como um alho;
Ora chega-te a mim, leva esta piça...

Ora mexe... que tal te sabe, amiga?
Então foges c'o sesso? É forte historia!
Elle é bom de levar, não, não é viga.

"Eu grito!" (diz a moça merencoria).
Pois grita, que espetada nesta espiga
Com porraes salvas cantarei victoria.

[SONETO DO LASCIVO PEZINHO]

Dormia a somno solto a minha amada,
Quando eu pé ante pé no quarto entrava:
E ao ver a linda moça, que arreitava,
Sinto a porra de gosto alvoroçada:

Ora do rosto vejo eu a nevada
Pudibunda bochecha, que encantava;
Outrora nas mamminhas demorava
Soffrega, ardente vista embasbacada:

Porem vendo sahir dentre o vestido
Um lascivo pezinho torneado,
Bispo-lhe as pernas e fiquei perdido:

Vae sinão quando, o meu caralho amado
Bem como Enéas accordava Dido,
Salta-lhe ao pello, por seguir seu fado.


[SONETO DA PORRA BURRA]

Eram oito do dia; eis a creada
Me corre ao quarto, e diz "Ahi vem menina
Em busca sua; faces de bonina,
Olhos, que quem os viu não quer mais nada".

Eis me visto, eis me lavo, e esta engraçada
Fui ver incontinenti; oh céus! que mina!
Que breve pé! Que perna tão divina!
Que mamminhas! que rosto! Oh, que é tão dada!

A porra nos calções me dava urros;
Eis a levo ao meu leito, e ella rubente
Não podia soffrer da porra os murros;

"Ai!... Ai!... (de quando em quando assim se sente)
Uma porra tamanha é dada aos burros,
Não é porra capaz de foder gente".


[SONETO DO CARALHO GOVERNANTE]

Pela escadinha de um courão subindo
Parei na sala onde não entra o pejo;
Chinelo aqui e alli suado vejo,
E o fato de chordel pendente, rindo;

Quando em miseria tanta reflectindo
Estava, me surgiu nympha do Tejo,
Roendo um fatacaz de pão com queijo,
E para mim num ai vem rebullindo:

Dá-me um grito a razão: — "Eia, fujamos,
Minha porra infeliz, ja deste inferno...
Mas tu respingas? Tenho dicto, vamos..."

Eis a porra assim diz: — "Com odio eterno
Eu, e os socios colhões em ti mijamos;
Para baixo do umbigo eu só governo".


[SONETO MATINAL]

Eram seis da manhan; eu accordava
Ao som de mão, que à porta me battia;
"Ora vejamos quem será"... dizia,
E assentado na cama me zangava.

Brando rugir da seda se escutava,
E sapato a ranger tambem se ouvia...
Salto fora da cama... Oh! que alegria
Não tive, olhando Armia, que arreitava!

Temendo venha alguem, a porta fecho:
Co'um chupão lhe saudei a rosea bocca,
E na rompente mamma alegre mexo:

O caralho estouvado o conno abocca;
Batte a gostosa greta o rubro queixo,
E a matinas de amor a porra toca.


 [SONETO DO COITO INTERROMPIDO]

"Mas si o pae accordar!..." (Marcia dizia
A mim, que à meia-noite a trombicava)
"Hoje não..." (continua, mas deixava
Levantar o saiote, e não queria!)

Sempre em pé a dizer: "Então, avia..."
Sesso à parede, a porra me aguentava:
Uma coisa notei, que me arreitava,
Era o calçado pé, que então rangia:

Vim-me, e assentado num degrau da escada,
Dando alimpa ao caralho, e mais à greta
Nos preparamos para mais porrada:

Por variar, nas mãos metti-lhe a teta;
Tosse o pae, foge a filha... Ó vida errada!
La me ficou em meio uma punheta!


 [SONETO DA COPULA CANINA]

Quando no estado natural vivia
Mettida pelo matto a especie humana,
Ai da gentil menina deshumana,
Que à força a greta virginal abria!

Entrou o estado social um dia;
Manda a lei que o irmão não foda a mana,
É crime até chuchar uma sacana,
E pesa a excommunhão na sodomia:

Quanto, lascivos cães, sois mais dictosos!
Si na egreja gostaes de uma cachorra,
La mesmo, ante o altar, fodeis gostosos:

Emquanto a linda moça, feita zorra,
Voltando a custo os olhos voluptuosos,
Põe num altar a vista, a idéa em porra.


[SONETO DA MOCETONA PUDIBUNDA]

Levanta Alzira os olhos pudibunda
Para ver onde a mão lhe conduzia;
Vendo que nella a porra lhe mettia
Fez-se mais do que o nacar rubicunda.

Toco o pentelho seu, toco a rotunda
Lisa bimba, onde Amor seu throno erguia;
Entretanto em desejos ella ardia,
Brando licor o passaro lhe inunda.

C'o dedo a greta sua lhe coçava;
Ella, machinalmente a mão movendo,
Docemente o caralho me embalava;

"Mais depressa" — Lhe digo então morrendo.
Emquanto ella signaes do mesmo dava;
Mystica pivia assim fomos comendo.


 [SONETO DO OFFICIO MERETRICIO]

Uma empada de gallico à janella,
Fazendo meia, alinhavando trappos,
Emquanto a guerra faz tudo em farrapos,
Pondo o honrado a pedir, e a virgem bella!

Vae a trombuda, sordida Michela
Fazendo guerra a marujaes marsapos,
E sem que deste mil lhe façam pappos,
C'o sesso tambem dá às porras trela:

Tudo em metal por dois canaes ajuncta;
Recrutas nunca teme, e do Castello
Se ri, que aos beleguins as mãos lhes uncta:

Nas publicas funcções vae dar-se ao prelo:
Minh'alma agora, meu leitor, pergunta
Si o ser puta não é officio bello?


 [SONETO DO CARALHO DECADENTE]

Com que magoa o não digo! Eu nem te vejo,
Meu caralho infeliz! Tu, que algum dia
Na gaiteira amorosa philistria
Foste o regalo do meu patrio Tejo!

Sem te importar o feminino pejo,
Traz a mimosa virgem, que fugia,
Ficando à terna, afadigada Armia,
Lhe pespegavas no conninho um beijo:

Hoje, canal de fetida remela,
O misanthropo do paiz das bimbas,
Apenas olhas candida donzella!

Deitado dos colhões sobre as tarimbas,
Só co'a memoria em feminil cannella
Às vezes pivia casual cachimbas.


[SONETO DO ADEUS ÀS PUTAS]

Que eu não possa ajunctar como o Quintella
É coisa que me afflige o pensamento;
Desinquieta a porra quer sustento,
E a pivia tracta ja de bagatella.

Si n'outro tempo houve alguma bella
Que o amor só desse o conno pennugento,
Isso foi, ja não é; que o mais sebento
Cagaçal quer durazia caravella.

Perdem saude, bolsa, e economia;
Nunca mais me verão meu membro ropto;
Está ahi mi'a porral philosophia.

Putas, adeus! Não sou vosso devoto;
Co'um sesso engannarei a phantasia,
Numa escada enrabando um bom garoto.





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