Criada em 1924, a União dos Interesses Económicos, impulsionada pela
Associação Comercial de Lisboa, serviu como ponto de encontro dos patrões
contra o sistema parlamentarista da Primeira República.
Associação Comercial de Lisboa, serviu como ponto de encontro dos patrões
contra o sistema parlamentarista da Primeira República.
“A lei do selo constitui uma violência contra o comércio”, escrevia João Pereira da Rosa, dirigente da Associação Comercial de Lisboa, num artigo publicado em O Século no dia 11 de Setembro de 1924.
O artigo de Pereira da Rosa, ligado ao movimento patronal ( e mais tarde procurador da Câmara Corporativa do Estado Novo), surgia na sequência de um conflito cada vez mais evidente entre grandes comerciantes e o Governo republicano, que ganhara novos contornos com a portaria das novas taxas de selagem para bebidas alcoólicas e perfumarias. Esta lei, publicada nos jornais de 26 de Agosto, encarecia o custo dos produtos, com benefícios para os cofres do Estado.
Menos de dois meses antes, a ACL já tinha realizado uma assembleia extraordinária onde aprovara uma moção onde defendia que as pastas da agricultura, comércio, finanças e colónias deviam ser administradas por personalidades sem “interferências políticas” e que, se necessário, o Chefe de Estado deveria impor essas medidas contra o Parlamento.A primeira reacção dá-se logo numa reunião da Associação Comercial de Lisboa (ACL) a 10 de Setembro, afirmando-se que, pelo seu impacto económico, esta “não se pode cumprir”. Decide-se ainda pela criação de uma comissão especializada e uma manifestação de desagrado, que passaria pelo encerramento dos estabelecimentos comerciais no dia em que a referida comissão fosse recebida pelo Governo. Mas se o imposto foi um mote para a demonstração de desagrado, este funcionou mais como ponto de agregação do que motivo único de descontentamento.
É ainda referida a necessidade de um “movimento patriótico tomar a responsabilidade, por delegacia nos seus melhores componentes, das pastas de natureza económica e financeira, num Governo de salvação nacional, no objectivo único de, pondo em práticas as suas doutrinas, tanta vez recusado pelos governos, salvar o País da derrocada que se avizinha”.
O tom claramente anti-parlamentarista dos responsáveis da ACL (presidida por Adriâno Júlio Coelho, tinha como vice-presidente Mosés Amzalak, que virá a ocupar a presidência em 1926) é rapidamente condenado pelo Parlamento e pelo Senado, com os republicanos a considerarem a moção um “incitamento ao crime”.
A criação da UIE
No domingo de 28 de Setembro reúnem-se “representantes de todas as associações comerciais, industriais e agrícolas de todo o País para apreciarem e deliberarem sobre a continuação do movimento iniciado pelas forças económicas da capital, acerca dos decretos sobre selo e contribuição recentemente criados”. Nascia então a União dos Interesses Económicos (UIE).
A UIE, Impulsionada pela ACL, teve o apoio dos comerciantes e industriais do Porto, seguindo-se os agricultores, cuja associação é dominada por José Pequito Rebelo (monárquico, ligado ao Integralismo Lusitano) e Joaquim Nunes Mexia (proprietário agrário, foi deputado sidonista e virá a apoiar a Ditadura Militar, assumindo a pasta da Agricultura.
Estavam plantadas as sementes da organização civil que congregará as forças dos patrões contra o regime republicano, mesmo se a UIE era dominada pelos comerciantes, cujos interesses, muitas, vezes, se opunham aos dos industriais.
O ponto de viragem do patronato dera-se entre 1922 e 1923. Por um lado, sente uma necessidade de união após a noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921 (que conduz ao exílio voluntário, ou fuga, de Alfredo da Silva, proprietário da CUF, que chega a ser alvo de atentado em Leiria, quando se dirigia para Espanha), e perante o perigo de avanço do programa dos radicais. Por outro lado, a sua luta deixa se ter como alvo principal o operariado, focando-se, assim, mais nos programas de Governo.
“A ACL pode assim orgulhar-se de, ao fim de poucas semanas de uma campanha conduzida de forma exemplar, ter conseguido unir contra a República a quase totalidade das associações patronais”, escreve António José Telo. O historiador destaca que “só numa altura de grave crise como a que então se atravessava tal seria possível”, levando assim à formação de “uma organização patronal claramente política e virada contra o sistema de partidos e a República”.
Por esta altura, numa nova reunião que envolveu elementos dirigentes da ACL, da Associação Comercial do Porto (ACP) e da Associação Industrial Portuguesa (AIP), Pereira da Rosa declara que “as forças vivas do País, num movimento colectivo, sem precedentes, vinham oferecer o seu concurso e a sua colaboração ao Governo para se fazer uma remodelação do actual serviço de impostos. O comércio, a indústria e a agricultura querem pagar mas não como querem que eles paguem”. E acrescenta: “Os erros e os desmandos que fizeram cair a monarquia hão-de derrubar igualmente este regime”. As posições iam endurecendo, e o jornal O Século começa a publicação de uma série de entrevistas com personalidades que formarão a UIE, e que se inicia com Alfredo Augusto Ferreira, da ACL, publicada a 1 de Outubro de 1924.
Este responsável é apresentado como membro da comissão organizadora da UIE. “Houve a necessidade de criar um organismo novo, a UIE, que consubstanciará as aspirações máximas das associações de classe integradas no movimento e promoverá a sua execução ampla e largamente sem ter de subordinar-se às leis estatuárias das associações de classe”, explica Augusto Ferreira. Para já, continuava a resistência à selagem das garrafas de bebidas e perfumes, entre fiscalizações do Governo e incitamentos ao seu não cumprimento por parte da ACL. E contestava-se o novo acordo com a Companhia dos Tabacos (ligada do grupo Burnay), que fazia subir as taxas de importação de tabaco estrangeiro.
Na noite de 10 de Outubro, é determinado o corte, em reunião da ACL, de “quaisquer relações com o governo actual”, ao mesmo tempo que se elabora a estratégia de protesto através do encerramento dos estabelecimentos comerciais e industriais. Na rua, um grupo de pessoas clamava contra a reunião, onde a própria polícia marcava uma presença visível, através de personalidades como o comissário geral, Ferreira do Amaral. No final da reunião, João Pereira da Rosa é preso, com a acusação de crime de sedição. Só seria solto cinco dias depois, sob fiança.
O Governo ainda tenta ir ao encontro dos patrões em Dezembro, alterando a lei. Mas em vão. A lei era uma boa arma de combate, e cinco associações comerciais de Lisboa, -- entre as quais está a ACL--, e a Associação Industrial do Porto, entregam um parecer ao Parlamento, dizendo que “esse decreto apenas contém a disposição pela qual ficam isentos do pagamento do imposto os refrigerantes vulgarmente conhecidos por «pirolitos». Tudo indicava que este recente decreto facilitasse a aplicação do imposto do selo. Tal, porém, não sucedeu”. No Parlamento, as associações contam com o apoio dos nacionalistas e dos monárquicos, que atacam o Governo.
Através de O Século, propriedade da SNT, adquirida por Mosés Amzalak, Carlos de Oliveira e João Pereira da Rosa, os patrões e a UIE foi fazendo a sua campanha. Contra eles estará o Governo de José Domingues dos Santos, apoiado pela ala esquerda do PRP, e que toma posse a 22 de Novembro de 1924.
O encerramento da ACL
A UIE começa em Dezembro desse ano a preparar-se para as eleições legislativas do ano seguinte, com uma reunião no Porto, tendo já em vista o recenseamento eleitoral. Para tal, multiplicar-se-á em deslocações para dezenas de localidades, e todas as capitais de província. Em termos organizacionais, a UIE funcionava com uma Junta Central (conselho directivo), que se reúne com o conselho de delegados das comissões distrital. Além destas, havia ainda, nas distritais, as comissões municipais e as comissões paroquiais.
A Junta Central era formada por João Pereira da Rosa (presidente da Junta Central da UIE), Levi Marques da Costa (vice-presidente da AIP e vice-presidente da Junta Central), Alfredo Ferreira (ACL), Carlos de Oliveira (ACL), Roque da Fonseca(ACL), Nunes Mexia (União Agrária), , César Azevedo (AIP), António de Assis Camilo (ACL) e Eduardo Maria Rodrigues (Associação Comercial de Lojistas). Afonso Galvão de Castro era o seu secretário-geral.
No entanto, a 5 de Fevereiro de 1925 a ACL é dissolvida pelo Governo. O Século publica a nota do Diário de Governo onde a decisão é anunciada, e onde se afirma que “ultimamente, a Associação Comercial de Lisboa, por mais de uma vez, se tem desviado do cumprimento dos fins para que foi instituída, claramente expressos nos seus estatutos; considerando que essa atitude tomou, recentemente, um carácter de verdadeira rebelião contra os poderes constituídos, revelada já pelo modo como promoveu o não acatamento dos seus consócios da lei 1:633 de 17 de Julho de 1924 e o seu regulamento respeitante imposições fiscais”.
Esta, dizia-se, passou a ser um “grémio político, tendente a promover a desordem e capaz de gerar males sociais difíceis de calcular (...)”. Poucas semanas depois, a UIE sofre um atentado à bomba contra a sua sede provisória do Porto. E, com o encerramento da ACL, a campanha da UIE perde intensidade e velocidade, embora não cesse, avançando com a publicação das suas directrizes e apelando ao recenseamento dos seus apoiantes. Entre as suas reivindicações e teorias estão o apoio às forças produtivas nacionais, menor peso e intervenção estatal, e a aproximação ao proletariado. Para todos os efeitos, defendia-se um Governo de força e ordem.
O princípio do fim da República
A 18 de Abril dá-se um golpe militar conservador encabeçado general Sinel de Cordes, com o Governo a responder com o estado de sítio, suspensão das garantias constitucionais, e censura à imprensa.
O Século é encerrado sob suspeita de ligação ao golpe, e apenas sairá de novo para as ruas no dia 6 de Maio. Carlos de Oliveira, destacado dirigente da UIE e um dos proprietários do jornal, é preso, após ter sido descoberto um documento incriminatório relacionado com o golpe em sua casa, no segredo da sua secretária pessoal.
O Século é encerrado sob suspeita de ligação ao golpe, e apenas sairá de novo para as ruas no dia 6 de Maio. Carlos de Oliveira, destacado dirigente da UIE e um dos proprietários do jornal, é preso, após ter sido descoberto um documento incriminatório relacionado com o golpe em sua casa, no segredo da sua secretária pessoal.
A polícia faz mesmo uma rusga a O Século. João Pereira da Rosa, esse, deslocara-se para o estrangeiro, afirmando o diário que motivado por questões “de doença”. Pereira da Rosa dirá, meses mais tarde, que se o Chefe do Governo tivesse ouvido as associações patronais, na figura da ACL, com o desejo de nomeações técnicas para as pastas ministeriais de relevo, “talvez se tivesse evitado o 18 de Abril”. A Associação Comercial de Lisboa acaba por ser reaberta a 11 de Julho, sob a égide da UIE e onde marcam presença todos os responsáveis das associações patronais lisboetas.
Logo na semana seguinte, a 19 de Julho, dá-se novo golpe de Estado, onde desponta como líder um dos responsáveis pela implantação da República, José Mendes Cabeçadas. As forças conservadoras tentavam a sua sorte, e a UIE envereda agora por uma campanha política mais profunda, ao mesmo tempo que O Século chega a defender os golpes de 18 de Abril e de 19 de Julho.
No campo político, e apesar de tudo o seu esforço, o resultado da UIE é pouco animador para os seus defensores. Os patrões vêem seis deputados serem eleitos, dos quais cinco são empossados, e um senador eleito e empossado. Entre os nomes estão Joaquim Nunes Mexia, Eduardo Fernandes de Oliveira, José Maria Álvares, José Rosado da Fonseca e San’Ana Marques.
Após as eleições, a UIE parece esmorecer, com as associações a assumirem novamente a dinâmica de representação de classes. A 17 de Dezembro, depois das legislativas de Novembro que voltam a dar a vitória do Partido Democrático, toma posse o 45º Governo, liderado por António Maria da Silva. Sem que se soubesse, este ficaria para a História como o último Governo da 1.ª República.
“O Governo foi forçado a demitir-se ante a galharda atitude do Exército, fiel intérprete do sentimento pátrio”. Era assim que O Século se referia, a 30 de Maio, ao movimento militar iniciado no Norte pelo General Gomes da Costa e que está na origem da Ditadura Militar, berço do Estado Novo. Acrescentava o jornal: “Não devem esquecer, os revolucionários triunfantes, que, enquanto os partidos dominarem, aberta ou encapotadamente” iriam persistir, dizia, os casos de corrupção e fraude, com perdas de dinheiro para o erário público.
Era dado todo o apoio das forças económicas ao golpe, com forte peso da ACL, sublinhando a ideia anti-parlamentarista, mas, mais do que isso, anti-partidária, sinónimo de corrupção. Na noite de 7 de Junho, reunida em assembleia, a ACL apoia de forma incondicional o golpe, oferecendo a sua colaboração. E, no simbólico dia 10 de Junho, reúne-se a Junta Central da UIE, oferecendo o seu apoio ao Governo, afirmando que “a UIE não quer senão boa administração, ordem, liberdade de trabalho e aproveitamento máximo dos valores sociais que formam a reserva produtora do País”.
António de Oliveira Salazar faz a sua estreia como ministro da Finanças, e o Tenente-Coronel Passos e Sousa assume a pasta do comércio. No mesmo dia, este último tem ainda a oportunidade de participar no 92º aniversário da ACL. Aqui, afirma-se que “fora assim que a Associação Comercial, levando os seus protestos a toda a província, conseguira fazer o ambiente propício ao movimento de salvação que acabava de sair vitorioso”. Cumprido o seu objectivo, a UIE acabaria por ser oficialmente extinta em 1937, já com Estado Novo de Oliveira Salazar fortemente estabelecido no país.
Principais fontes e bilbiografia:
Jornal O Século, 1 de Janeiro de 1924 a 16 de Junho de 1926; Livro de actas da Associação Comercial de Lisboa, 1924 – 1926; Relatórios da Associação Comercial de Lisboa de 1923 a 1926.FRANÇA, José-Augusto, «Os anos 20 em Portugal»; História de Portugal, direcção de José Mattoso; TELO, António José. As associações patronais e o fim da República, in «O fascismo em Portugal»; TRINDADE, Luís, «História da Associação Comercial de Lisboa»
www.publico.pt
1 comentário:
RECORDAR É VIVER BELO SERVIÇO PRESTADO AOS PORTUGUESES QUE NÃO VIVEREM ESSA ÉPOCA. ESTAMOS AGORA NUMA ENCRUZILHADA DR CENSURA TOTAL ATRAVÉS DOS MEIOS DIGITAIS, COMO SE COMPROVA PELO REFUGIADO NORTE EMERI8CANO EDWARD SNOWDON. REFUGIADO EM MOSCOVO. Todas as palavras que aqui escrevo são seleccionadas e catalogadas através do big brother no google para serem apreciadas e verem o perigo que eu posso representar. isto sim é censura a serio. assim continuará até eu ser substituída por um robot, espero que seja na era pos trump.
Enviar um comentário