"Sou das pessoas que compreende muito bem a luta que está a ocorrer na PT. Porque se eu fosse trabalhador da PT, estivesse na PT aos 20 ou 30 anos e fosse agora colocado numa empresa subsidiária, mantendo os meus direitos apenas por um ano... eu se calhar também estava a fazer greve e a manifestar-me...
- E estaria a pedir ao Governo legislação para impedir a empresa de fazer esse tipo manobra?
- Não. Como sou socialista, estaria a pedir ao Governo que aplicasse a legislação existente. Que aliás é o que o Governo está a fazer. A ACT está justamente a verificar se as práticas de gestão da mão-de-obra da actual gestão da PT são inconformes com a legislação portuguesa e europeia aplicável".
Sinceramente, não entendo qual a relação entre ser socialista e defender o primado da legislação que estiver em vigor. Aliás, o próprio Santos Silva tão-pouco o deve entender porque o Partido Socialista foi o partido que mais concordou em mudar a legislação laboral desde o 25 de Abril de 1974.
"Um governo que não é capaz de criar condições de vida dignas para cerca de oito milhões de trabalhadores - dois milhões obrigados, por esse facto, a desertar do país - é um governo de traição nacional" (entrevista de Mário Soares ao jornal Diálogo do Emigrante, publicado em 1973 na RFA, "Escritos no Exílio"). "O que interessa ao povo português é a resolução dos seus problemas em concreto (...) vencer o desemprego, arranjar cama e pão".
Quatro anos depois, Mário Soares afirma algo diferente: "Quem não gosta de viver melhor, de ver os seus problemas imediatamente resolvidos, de ver o seu nível de vida subir? Simplesmente resta saber se nas actuais condições da vida portuguesa isso pode ser feito! Ora não pode!" (Expresso, 10/3/1979).
Em 1976, a 28/10/1976, seguindo as orientações do Fundo Monetário Internacional, o governo socialista aprova legislação legalizando o contrato a prazo, "desde que seja certo", e até mesmo inferiores a seis meses, "quando se verifique a natureza transitória do trabalho a prestar" (DL 78/77).
Mais: "A caducidade do contrato (...) não confere direito a qualquer indemnização". No mesmo ano é aprovado lei que permite o não cumprimentos dos contratos colectivos em caso de empresa "em situação de crise económica" (DL 846/76), permitindo-se uma redução de salários dos que trabalhadores que ficarem. Em 1976, o DL 841-C/76 alarga os critérios de justa causa de despedimento e, em 1977, nova lei (Lei 48/77). A austeridade à la FMI é defendida como um "interesse nacional”. A desvalorização salarial foi a terapia usada, via importação de inflação.
Em Março de 1983 - em plena segunda intervenção do FMI, após os desmandos do governo de Sá Carneiro com Cavaco Silva nas Finanças (ler livro de José Silva Lopes "A economia portuguesa desde 1960"), o Governo Soares aceitou, introduzir na legislação laboral de "disposições que, sem pôr em causa os padrões democráticos europeus no campo dos direitos laborais e sindicais, assegurem condições de operacionalidade ao funcionamento das empresas e permitam o relançamento da sua actividade" (carta enviada por Mário Soares aos II Encontro dos Industriais Portugueses). Mais tarde, em campanha eleitoral, Mário Soares nega que o seu governo "venha a tomar determinadas iniciativas económicas que os partidos de direita não tiveram a coragem de tomar", nomeadamente na legislação laboral. Em entrevista à Antena 1 sobre a lei dos despedimentos: "Temos que discutir essa e outras leis, em conjunto com os sindicatos e os empresários e julgamos que há possíbilidade de encontrar sínteses que sejam mutuamente vantajosas para todos" (Acção Socialista, 10/3/1983).
Seis meses mais tarde, o governo lança diversas iniciativas como um projecto de decreto-lei sobre a suspensão e redução do contrato de trabalho e outro sobre a redução e moralização do trabalho extraordinário.
Em Março de 1984, durante um jantar em honra do chanceler alemão Helmut Kohl, Mário Soares afirma que Portugal está "a caminho de tornar mais flexível a legislação laboral com vista a uma maior competitividade das empresas" (citado do Diário de Lisboa, 29/3/1984).
Em Maio de 1984, Mário Soares afirma na RTP: "O Governo deseja discutir (...) a questão sensível da flexibilização das leis laborais" (Citado no Diário de Notícias, 1/6/1984). Dias mais tarde, no debate da moção de confiança ao IX governo (de bloco central), Mário Soares afirma que "o problema da flexibilização das leis laborais" não é uma "bandeira ideológica". "Existindo agora o Conselho de Concertação Social, será aí que uma dicussão serena deverá ter lugar, tendo em conta os interesses e as susceptibilidades de trabalhadores e empresários". "Creio que é necessário um governo que tenha a confiança da maioria dos trabalhadores (...) É preciso poder falar aos trabalhadores e fazer-lhes aceitar certos sacrifícios" (Washington Post, citado pelo Diário de Lisboa, 25/2/1983. Algo que anos mais tarde, em 2008, o presidente da Confederação da Indústria Portuguesa viria a concordar, desde vez sobre o papel dos socialistas na revisão da legislação laboral: "Vieira da Silva fez melhor do que um governo de direita".
Este espírito tem impregnado a actuação do Partido Socialista na área laboral. Foi pela sua mão que se sucessivas "disposições" têm contribuído para uma progressiva diminuição do poder dos trabalhadsores na relação laboral. Veja-se o caso do Trabalho Temporário. E recorro a apontamentos que fiz enquanto jornalista do jornal Público.
Quando o PS chegou ao Governo em 1995, após 11 anos de Governo PSD, estava em causa o progressivo uso pervertido da figura dos contratos a prazo e do trabalho temporário. A deputada Elisa Ferreira defendeu, em 1996, a proposta de lei socialista, frisando que era objectivo “evitar o recurso abusivo a estas formas ilegais e precárias de contratação, sancionando as empresas utilizadoras ao tornar nulo o contrato de trabalho temporário, vulgo, aluguer de mão-de-obra, convalidando-o em contrato de trabalho sem termo para a empresa utilizadora”.
Três anos volvidos, o Governo PS reconhecia que o trabalho temporário era “um sector importante para uma correcta flexibilização do mercado de trabalho, desde que adequadamente utilizado”.
A lei então aprovada passou a estabelecer, nas palavras do então secretário de Estado da Segurança Social e Relações Laborais, Fernando Ribeiro Mendes, “um alargamento cauteloso, prudente e vigiado dos casos em que os utilizadores podem recorrer a trabalho temporário”.
Foi autorizado “em situações de acréscimo temporário ou excepcional de actividade” e o “período autorizado de trabalho temporário passa a ser de 12 meses, prorrogável até 24 meses, sendo, no entanto, esta prorrogação sujeita a autorização prévia da Inspecção- Geral do Trabalho (IGT)”. Esta precaução caiu com a lei 19/2007.
A oposição à esquerda acusou o Governo de estar as abrir as portas à desregulamentação contratual. Já a oposição à direita sustentou que o projecto do PS seguia a linha dos apresentados antes pelo PSD e pelo PP e recusados pelo PS. Mas que, ainda assim, era demasiado restritivo.
Entre outros aspectos, a lei criou a figura do “contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária”. Alargou-se o âmbito do trabalho temporário. Surgiu a figura do provedor do trabalho temporário, ocupado pelo ex-secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e então porta-voz do PS, Vitalino Canas...
Vitalino Canas admitiu depois que, face ao “círculo vicioso em que se arrastam os contratos curtos e interpolados”, havia aí “um equilíbrio a estabelecer porque a própria lei não pretende que os trabalhadores se eternizem como trabalhadores temporários”. Mas como se garantia isso? “Caso a caso. Garante-se com os tribunais, com a Inspecção-Geral do Trabalho, garante-se, espero eu, também com a mediação do provedor”.
Que análise faz da situação dos trabalhadores temporários, ao nível dos seus direitos?
Este sector é enquadrado por uma legislação bastante recente, do primeiro semestre de 2007, pelo que os direitos dos trabalhadores estão basicamente bem garantidos. E quando há problemas a esse nível, não é por não estar previsto na lei, mas pela sua aplicação não ser respeitada pelas empresas, ou pelo facto de os trabalhadores não estarem cientes dos seus direitos. (DN, 13/3/2008)
Na verdade, as medidas que foram sendo sucessivamente adoptadas permitiram, sim, uma desresponsabilização por parte das autoridades no controlo das más práticas. E as dificuldades reflectiram-se no entendimentos que os próprios tribunais laborais foram tendo. Vitalino ainda é provedor das empresas de trabalho temporário e dirigente do Partido Socialista.
O Partido Socialista, se não concordou com as alterações à legislação de 2003, com a criação do Código do Trabalho pelo governo de Durão Barroso, acabou por ampliar fortemente as suas repercussões com as alterações de 2008, nomeadamente da contratação colectiva. Foi o Partido Socialista que viabilizou em 2010/11 um conjunto profundo de medidas de austeridade que permitiram à direita tomar como “base de trabalho” que redundariam no pacote laboral de 2012, que ainda está em vigor porque o Partido Socialista se recusa a mexer nele, argumentando que a estabilidade legal deve ser um valor a preservar... adiando tudo para 2018!
Depois disto, queira pois o ministro Santos Silva querer colar à palavra Socialista aqueles valores de imutabilidade, tranquilidade e estabilidade. Mas na verdade, o Partido Socialista tem tido um estranho papel histórico na vida dos trabalhadores. É pena, mas é reversível, assim queira o Partido Socialista.
ladroesdebicicletas.blogspot.pt
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