Não será demais lembrar a importância que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) assume na economia e no sistema financeiro nacional, particularmente tendo em conta a sua natureza pública e as possibilidades que essa natureza abre, independentemente de nem sempre terem sido utilizadas ao serviço dos interesses dos portugueses, da produção e do desenvolvimento nacional.
Aliás, também não é demais relembrar que a Caixa, apesar de pública, foi sujeita anos a fio a uma gestão muito aproximada, nos critérios e nos objectivos, da gestão privada. Mais, a Caixa foi gerida de forma a manter intocados os lucros de bancos privados, não fazendo uso da sua posição pública e das suas capacidades, para não perturbar o sistema financeiro privado. Tudo isso, em momentos vários, foi denunciado por aqueles que, como eu, defendem o controlo público da banca.
O controlo do capital, contudo, é apenas uma condição. O controlo da gestão e a sua subordinação ao interesse do país é um passo fundamental que só pode ser dado no caso de a primeira condição estar satisfeita.
Eis que a Caixa, e apesar de o povo português ter sido sujeito a um programa de empobrecimento e de esbulho a pretexto da estabilização do sistema financeiro, sob um pacto de submissão assinado entre PS, PSD, CDS e FMI, BCE, UE, apresenta ainda sérias necessidades de capital. Essas necessidades de capital devem ser, como aliás deveriam ter sido nas instituições privadas, satisfeitas pelo accionista que, neste caso, são todos os portugueses e importa certamente apurar a sua origem.
Sabemos desde já que a CGD tem operações de crédito que se revelam desastrosas, apostas em negócios que resultaram em perdas por imparidades muito significativas – muitas delas para dar cobertura a opções políticas de governos de composições diversas – e também sabemos que há concessão de crédito cuja racionalidade é muito difícil de explicar: como o empréstimo a Berardo para adquirir acções do BCP.
«A lei determina que a propriedade privada da banca deve ser protegida a todo o custo e que os Estados devem intervir apenas para limpar os activos tóxicos da banca para depois devolverem os bancos limpos a preço de saldo a um megabanco europeu.»
Mas os problemas da CGD vão além das operações de crédito politizado e estão ligadas à crise económica e financeira que se vive com mais intensidade desde 2008 e principalmente ligados à crise da dívida e à crise do sector imobiliário, e das famílias.
A Comissão de Inquérito constituída potestativamente por opção do PSD não nos deve merecer mais do que preocupação em torno das suas intenções, e motivar-nos a fazer a defesa da CGD como o mais robusto e sólido banco português. Na verdade, como disse Jerónimo de Sousa, só a banca pública pode ser nacional e este é, portanto, o único banco nacional.
Mas não são apenas os embates da Comissão de Inquérito e de achincalhamento que PSD e CDS tentarão realizar através dessa comissão que a Caixa terá de suportar. A legislação europeia, servilmente transposta para a legislação nacional por opção política de PS, PSD e CDS, é muito estrita no que toca ao funcionamento do sistema financeiro. Ou seja, a União Europeia tem regras que obrigam todo o sistema financeiro a estar sujeito às regras do capitalismo, sem qualquer espécie de preocupação pelo bem-estar e pelo interesse de cada povo.
A lei determina que a propriedade privada da banca deve ser protegida a todo o custo e que os Estados devem intervir apenas para limpar os activos tóxicos da banca para depois devolverem os bancos limpos a preço de saldo a um megabanco europeu.
Mas a lei também determina que os depositantes devem ser chamados a pagar o custo de resolução ou liquidação de um banco. Ou seja, ao invés de promover o controlo público e democrático da banca, os estados europeus ao serviço dos grandes grupos económicos, preferem impor aos depositantes os custos da má gestão privada do sistema financeiro sobre a qual os depositantes não têm qualquer responsabilidade.
No caso da Caixa, o enquadramento europeu também impõe um conjunto de limitações que não podem condicionar a forma como, politicamente, resolveremos as necessidades da Caixa. Ou seja, não podemos aceitar que a Caixa seja penalizada por ter uma «ajuda de Estado» quando o Estado é o seu acionista, tal como não podemos aceitar que seja colocada em cima da mesa das negociações com as entidades da União Europeia a hipótese, ou melhor, a chantagem, em torno da resolução da CGD.
A capitalização da Caixa deve ocorrer nos termos em que seja benéfica para Portugal e não nos termos da dita «concorrência» que beneficia sempre os grandes grupos económicos, como tão bem se viu no caso do Banif quando foi parar às mãos de um dos maiores bancos da Europa.
Isto significa que qualquer plano de capital ou plano de negócios para a CGD deve obedecer única e exclusivamente ao interesse dos accionistas da Caixa – os portugueses – do progresso económico, social e cultural do país e não à ditadura do mercado que obrigará a Caixa a diminuir o seu papel no sistema financeiro nacional e internacional, a diminuir activos e negócios importantes e a retirar-se de importantes segmentos da actividade bancária nacional.
Não podemos aceitar que a capitalização da CGD seja o pretexto para uma retracção da Caixa, deixando negócios lucrativos para outros bancos porque isso, na verdade, seria uma injecção de capital indirecta no sistema financeiro privado. Se a Caixa receber dinheiro para fechar balcões e actividade, para diminuir o negócio bancário, estamos na verdade a entregar esse negócio a outro.
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