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terça-feira, 28 de junho de 2016

A mulher, o cerco e o cavalo. - No século XII aC, após uns longos dez anos de cerco, a cidade de Tróia na Ásia Menor desmorona-se sob os ataques de uma coligação grega. Lenda ou realidade, perdura como mistério, mas a queda da cidade subsistirá durante séculos na memória quer de Gregos, quer de Latinos. Porém, descobertas dos último anos trazem à luz provas de que Tróia poderá ter sido mais do que lenda.






     Cenas de massacre e devastação, um pânico que se apoderou dos habitantes assim que os sitiadores entraram na cidade, invadindo habitações, palácios, reduzem os templos a escombros e cinza. São vistos gigantescos incêndios, tais são os episódios e memórias que os Antigos guardavam no seu espírito durante séculos, símbolos do horror da guerra.

Páris, o sobrevivente

     Príamo, rei de Tróia havido tido mais um filho com sua esposa, Hécuba: Páris. Diz a lenda que quando Páris nasceu, uma sacerdotisa haverá dito a Príamo que a criança deveria ser imediatamente morta, caso contrário, viria a destruir toda a cidade…
     Por forma a impedir a profecia, os pais de Páris abandonam a criança fora das muralhas da cidade, com o intuito da criança morrer, longe. Contudo, o destino ter-lhe-á dado uma oportunidade e o bebé é descoberto por pastores, entre os quais cresceu,  lá bem longe, nas colinas do monte Ida. Quando homem, casa-se com Enone, camponesa da região.

    Anos mais tarde, Páris regressa a Tróia por forma a competir nos jogos da cidade, tendo sido reconhecido pela família real. Coberto de profundo remorso, o soberano acolhe de imediato o seu filho, tornando-o de imediato embaixador de Tróia


.
     Durante uma sua expedição como embaixador a Esparta, Páris não consegue um encontro com o soberano local, Menelau que se encontrava ausente. Pelo contrário, encontra Helena.

Helena, Ulisses e um cavalo

     Na origem da luta impiedosa que opõem os gregos aos troianos, contam as fontes que terá existido um romance: Páris rouba a estonteante e bela Helena, esposa do rei Menelau.

    Rei sem esposa, vergonha pela certa, dado esta ter sido “raptada” pela sua própria vontade, não fosse Páris também ele um belo exemplar troiano…Para vingar a honra de Menelau, Agamémnon seu irmão reúne uma verdadeira irmandade de vários povos gregos, vindos de diferentes Cidades - Estado. Sob o seu comando, Tróia ficará cercada.



    Não terá sido só em Esparta que Páris causaria estragos: em Tróia, Páris renega Enone e o seu filho, tendo os dois de fugir, de novo, para as montanhas. Diz a lenda que terá sido a estupidez de Páris que, afinal, acabaria por salvar a vida quer a Enone, quer ao filho de ambos, Corito.





     Porém, voltando ao assunto da invasão grega, a construção das muralhas da cidade era de tal forma perfeita (atribuída a Poseidon) que os diversos assaltos dos sitiadores não lhe alteram a estrutura. Durante dez anos, frente à impenetrável muralha, nenhum dos heróis gregos – Ulisses, Nestor, os dois Ajax- conseguem produzir qualquer efeito na fortaleza. O futuro parecia eternamente longo, tendo pela frente apenas e só… a muralha.



      Desta forma, o mais astucioso dos gregos, Ulisses, tem a ideia de camuflar a entrada na desejada cidade, construindo um fabuloso cavalo, monstruosamente grande, com lugares para centenas de guerreiros no seu interior. Outros, porém, começavam a abandonar o exterior da muralha, para incredulidade troiana. No final, o que resta no exterior do recinto é o vazio. E um presente dos gregos. Um cavalo, um espectacular cavalo de madeira, tão grandioso que só Tróia se lhe compara. O cavalo é trazido para dentro das muralhas, para o seio da cidade.




     Diz a lenda que durante a noite os soldados escondidos no interior  da estátua saem para a escuridão da noite, abrindo as portas da cidades para os restantes soldados gregos que, afinal não se tinham retirado. Entram numa cidade adormecida e não vigiada, afinal, o perigo já tinha passado…




Aniquilação total: o nascimento de uma lenda

     Para os troianos, dispersos nas suas casas, adormecidos, indefesos e desarmados, a resistência é impossível. Enquanto inúmeros incêndios deflagram em vários pontos da cidade, os gregos entram nas casas, roubam tudo, matam, massacram.

“Nas ruas obscuras, os homens são mortos, as mulheres feitas prisioneiras.”




     Também o palácio do rei Príamo é invadido: Cassandra, a filha do rei, é arrancada do altar de Atena onde se tinha refugiado, tornando-se presa de Agamémnon; já a sua cunhada, Andrómaca, diz a lenda que fica “aos cuidados” do filho de Aquiles; quanto ao jovem Astíanax, filho de Heitor, é lançado do alto das muralhas. Quanto ao rei Príamo, apesar da sua idade avançada ousa pegar em armas para defender o que é seu, mas a verdade é que acaba decapitado.




     Todo o processo é feito ao som de lamúrios, gritos de agonia e terror. Depois de tudo, reina então, o silêncio final em Tróia. O espólio retirado do palácio real é posto à disposição de Ulisses. Percorrendo as longas muralhas, vê-se uma longa, longa fila de mulheres e crianças, acorrentadas, sangrando, assustadas e em silêncio, pensando no horrível destino que as aguarda.
      Já nada mais resta de Tróia, a não ser ruínas fumegantes.




Confusão histórica?

     Se por um lado grande terror rodeia os poemas de Homero, o chamado “inventor de Tróia”, o que é facto é que nos séculos seguintes ninguém tinha bem a certeza se a narração de Homero teria ou não sido verídica. Nos finais da Antiguidade, a história passa a ser olhada como lenda e não tanto como narração verídica:

“Este famoso cavalo de madeira era certamente uma máquina de guerra capaz de arrasar muralhas; ou então somos obrigados a acreditar que os Troianos eram muito estúpidos, insensatos e sem sombra de juízo”
(Pausânias, geógrafo grego século II)




     Progressivamente, a descrição da aniquilação da cidade é tida como uma peça literária brilhante e admirável, mas completamente desprovida de sentido histórico. Assim foi até que, em finais do século XIX, o alemão Heinrich Schliemann, um admirador e apaixonado pela literatura grega, decide provar que toda a narração de Homero existiu verdadeiramente, que Tróia existiu e que conheceu todo aquele fim trágico. Na década de 1870, o especialista traz à luz do dia,  na colina de Hissarlik (actual Turquia), não uma, mas nove cidades soterradas e sobrepostas, sendo que a mais antiga remontava ao IV milénio. Uma destas cidades era bastante rica em ossadas e vestígios de incêndios, pelo que muitos arqueólogos acreditavam ter-se finalmente encontrado a perdida Tróia, sendo que a lenda teria bastante material credível e real.



Imagem alusiva ao transporte do corpo de Heitor



      Porém, a datação da(s) cidade(s) não permitiu quer afirmar, quer excluir que Tróia havia sido encontrada. Actualmente, atribuiu-se a Tróia homérica a uma das cidades encontradas, sendo designada por Tróia VII.

A arqueologia das "várias Tróias"

      O grande interesse arqueológico por Tróia, prende-se, obviamente, com o interesse suscitado pela obra de Homero. A existência das nove cidades foi comprovada por estudos entre 1932-1938 pelo americano Carl W. Blegen, académico da Universidade de Cincinnati. Nessas escavações, foram identificados 46 estratos construtivos agrupados em nove grupos.



- Tróia I: sendo o estracto mais antigo, ocupa um pequeno espaço fortificado com menos de 50 metros na parte mais larga, datada de 3 000 – 2 600 aC, na 1ª fase do Bronze Antigo.

- Tróia II, também de pequenas dimensões, é também ela fortificada, com cerca de 100 m de extensão máxima. Pensa-se que seria um castelo, simples, porém abastado. Terá sido destruída pelo fogo cerca de 2300 aC, tendo nela sido descoberto um tesouro contendo jóias e objectos preciosos que Schliemann, pensando tratar-se da Tróia homérica, denominou Tesouro de Príamo. De facto, o descobridor oferece à sua esposa um bom conjunto de jóias, pensando tratar-se das jóias de Tróia, mais precisamente das jóias de Helena. 

Fotografia de 1874, de Sophia Schliemann, utilizando as jóias encontradas no local de escavação

- Tróia III, IV e V terão sido pequenas cidades de importância local, entre 2300 e 1900 aC, perto do final da época do Bronze Antigo;


- Surge, então, Tróia VII-a, a verdadeira Tróia épica, alegadamente destruída pelos gregos cerca de 1200 AC.

- Tróia VIII é da época clássica da Grécia;



     E, por fim, Tróia IX que pertencerá ao período helenístico-romano. A partir do século IV dC, desaparecem completamente os vestígios históricos da cidade.

      Apesar de não existir grande consenso entre o que é lenda e o que é História, diversos arqueólogos têm, ao longo dos séculos, encontrado demasiadas coincidências entre a trágica história de Homero e as ruínas que vão encontrando, sempre na esperança de um dia observarem um qualquer nome gravado, quer seja Príamo, quer seja Páris, quer seja o de qualquer um herói daqueles tempos já imemoriais.


Fontes:
Astier et al., (2000), Memória do Mundo, Círculo de Leitores
perdidanahistoria.blogspot.pt

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