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quinta-feira, 26 de maio de 2016

Não é Nada do Outro Mundo Acabarmos na Rua


Não é nada do outro mundo acabarmos na rua. 
Pode parecer difícil mas muitas vezes é a solução mais fácil. 
Basta sentirmos que a vida desistiu de nós, 
que é sempre possível ser empurrado mais para baixo. 
E isso não acontece apenas porque alguém resolveu inventar
essa coisa deliciosa que são os pisos menos que zero.

Depois é a fuga, a desistência, o esquecimento... 
Deixamos de ter um tecto, uma cama, uma janela, 
fingimos estar sós no mundo, sem pais, irmãos, filhos, 
ou aquilo a que um dia chamámos amor, 
que uma vez por outra descobrimos dentro de um corpo
que invade os nossos sonhos nas noites de inverno.

O bom da coisa é deixarmos de ter um nome, 
perdermos os cartões que nos oferecem validade como gente,
e sobretudo, contas e mais contas para pagar.
Casa? Não obrigado. Há por aí bancos, escadas,
montras, prédios abandonados e até estações do metro,
abertas nas noites com gelo (só costuma faltar o gin...). 

Não me fales do conforto da outra vida.
Quero lembrar-me só dos pesadelos.
Faz-me bem pensar no filho da puta que me despediu
ou na mulher que gostava sobretudo do meu ordenado.
São as suas memórias que me confortam e me fazem
sentir bem na companhia da lua e das estrelas.

Sei que o meu cheiro é desagradável
que esta falta de limpeza do corpo
pode alimentar colónias de insectos.
Esses mesmo, que dão uma comichão do caraças.

Mas deixa que te diga: se esta vida fosse uma coisa boa, 
toda a gente queria vir morar para a rua...


(Fotografia de Luís Eme)
largodamemoria.blogspot.pt


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