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segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Olha mãe, apareci na televisão…
Jorge Sanches da Cruz *




Chegou o verão e as televisões apostam naquele género de programas realizados numa terra mais ou menos conhecida, onde dois apresentadores daqueles muito populares fazem entrevistas a restaurantes locais que apresentam o seus pratos, a artesãos que mostram os seus trabalhos, a poetas populares que recitam umas quadras, a alguns “artistas” locais que cantam qualquer coisita e, claro, ao inevitável ego em pessoa do presidente da câmara, do presidente da junta ou de algum vereador mais finório que consegue ludibriar o seu presidente e roubar-lhe algum do protagonismo. Tudo devidamente emoldurado por música pimba com fartura. É um dia de festa na terra, e os figurantes do costume passam por trás das câmaras e fazer adeus e a bater palmas às piadas dos apresentadores, normalmente muito engraçados e carregados de piada. Por vezes o humor roça o indelicado, quando fazem disfarçada troça de algumas das pessoas, humildes, que lhes são absolutamente necessárias para encher, de borla, as horas infindáveis do programa. Umas apresentadoras estagiárias fazem umas perguntas de circunstância sobre vulgaridades, e lá se passa um dia inteiro de serviço público televisivo. Faz também parte do “formato”, a introdução de uma ou outra rubrica cultural, com um historiador ou sábio local, que desinteressadamente vai tentar dar o seu contributo e pôr o seu conhecimento ao serviço do programa. Serve de alguma coisa? De nada. Normalmente ninguém o ouve nem o próprio apresentador que indisfarçadamente olha por cima da sua cabeça enquanto recebe instruções sobre a perda de audiências que o discurso está a causar e que é preciso introduzir rapidamente uma música pimba com umas moçoilas a mostrar as pernas para agarrar a audiência. E lá se interrompe apressadamente a única pessoa que está a dizer alguma coisa de interessante sobre a terriola em causa. Aliás, os apresentadores e toda a produção revelam-se de uma vulgaridade e de uma falta de profissionalismo compatível com a qualidade geral do programa. Confundem tudo o que lhes é dito e demonstram à saciedade a falta de aptidão para fazer um trabalho que devia demonstrar algum respeito pelos sítios que alegremente os recebem com honras que eles demonstram não merecer. Mostram não ter preparado convenientemente o trabalho, trocando nomes e referências, evidenciando que estar em Óbidos ou em Silves, para eles, é a mesmíssima coisa.

Há quem ache que, para as localidades bafejadas pela sorte de aparecerem neste tipo de programas, é uma optima oportunidade para a “divulgação” dos sítios, da sua cultura popular e das suas potencialidades. No fundo, que é uma forma de “promoção turística”. Sim, porque todos os autarcas ambicionam ser um destino turístico, vá-se lá saber porquê. Para além disso, o ego em pessoa dos políticos locais acha que aquele é o melhor meio de divulgar publicamente a “sua obra” e as modernidades da sua terra. Durante um dia inteiro, fala-se do seu concelho por todo o País. No fim do dia, ufanos, passeiam-se pelas principais ruas da terra, ou vão a um sítio onde possam ser vistos por muita gente, com o peito cheio do dever cumprido, e recebem parabéns daqueles que normalmente têm por função parabentear, alto e bom som, em público, os queridos líderes. No dia seguinte as redes sociais enchem-se de elogios e de fotografias do acontecimento, onde mais uma vez os felizes autarcas testam a sua popularidade.

Por todos estes factos, também há quem não reconheça a menor importância a este tipo de show, antes pelo contrário. De facto, este formato televisivo estival, da forma como é feito, e sobretudo porque é dirigido a uma franja muito específica de espectadores, pode ter um efeito precisamente contrário ao que erradamente lhe é atribuído. Porque se trata de um produto que generaliza as terras e as trata de forma igual, com a mesma fórmula pobre e popularucha, acaba por vulgarizar o que muitas das vezes merecia uma divulgação séria, que tratasse com seriedade a genuinidade e a singularidade dos sítios. Aquele involucro igualitário, que mistura algumas formas de cultura popular com música sem qualidade, pode ser desastroso para a imagem dos sítios. Vulgariza-os de tal forma que os desguarnece de tudo o que têm de genuíno e de singular. Para além do mais, a faixa de publico que consome este tipo de programas não é necessariamente um público compatível com o “turismo” e com a “cultura”. Quanto muito são mais do tipo de pessoas que vão passear em excursão, e que levam a geleira e o garrafão ás costas. Sem tirar o direito a que cada um faça o tipo de “turismo” que entende, e de acordo com as suas possibilidades, não devemos confundir excursionismo com turismo. Por definição, um turista é uma pessoa que pernoita pelo menos uma noite num sítio, e que assim usa e consome em alojamento, restaurante e ainda em algum produto artesanal local. É esse turista, não predador e interessado no que cada sítio tem de autêntico, que interessa cativar, e a quem têm de se destinar todas as acções de promoção, e não ao excursionista que aparece sempre, mesmo sem ser convidado. O excursionista é aquele visitante que passa ao lado da porta dos restaurantes e do comércio e que não gasta um tostão, mas que se for preciso entra para ir à casa de banho gastar água e papel higiénico. Mas então por que razão se insiste em querer “divulgar” um produto ao público errado, correndo mesmo o risco de afastar o público alvo a quem se deviam dirigir todos os esforços? Apenas por uma razão: necessidade de protagonismo pessoal dos intervenientes, em especial os autarcas e dirigentes locais e ainda muitas das vezes das próprias entidades ligadas à promoção turística, ou seja, aqueles que deviam perceber do assunto. É verdadeiramente incompreensível.

É cada vez mais evidente e consensual que, no que diz respeito á promoção e divulgação de locais com potencial turístico, que cada sítio é um sítio, com as suas especificidades e singularidades, que devem ser criteriosamente defendidas e valorizadas com trabalho sério e responsável e que não podem ser enfiados no mesmo saco onde se enfiam indiscriminadamente praias, serra, campo ou cidades. A forma higiénica de defender os interesses de sítios que têm alguma aspiração a terem actividade turística de qualidade é banir este tipo de programas que só têm um efeito negativo na promoção e divulgação das qualidades históricas, patrimoniais e paisagísticas dos sítios. Isto de saber promover os sítios é um assunto sério que tem de ser feito por quem sabe e não por quem gosta de ser visto. Olha mãe, apareci na televisão…

Arquitecto
Jorge Sanches da Cruz *

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