O Barco Poveiro – Póvoa de Varzim.
A designação “barco poveiro” surgiu há bastante tempo atrás, quando por alturas do séc. XIX se fizeram alguns estudos sobre as povoações marítimas do reino de Portugal e na vila da Póvoa de Varzim se encontrava o maior aglomerado desta forma de embarcação, de proa alongada, casco bojudo e quilha pronunciada. Embora se encontrassem noutros pontos da costa desde Caminha até à Figueira da Foz e Setubal (não continuamente mas em aglomerados, possíveis colónias de pescadores do noroeste), era na Póvoa de Varzim que se encontravam desde as Lanchas Grandes de 13 metros, aos Caícos de pouco mais de 2 metros. Batéis e Catraias preenchiam o maior número desta “família de barcos”.
Desde que se iniciaram estudos profundos sobre o barco poveiro e as suas origens nos anos 60, muito pela dedicação do Arq. Octávio Lixa Filgueiras, nascido na Foz do Douro tal como Raúl Brandão, que surgiu uma opinião corrente no meio social de que o barco poveiro seria um descendente dos barcos dos Vikings, os quais surgiram em grande força na Galiza e noroeste Português durante o séc. IX e X. Efectivamente a influência das colónias nórdicas nesta parte da Iberia foi grande e por exemplo as siglas e marcas poveiras atestam-no, tal como os barcos de tez fluvial nos 3 grandes rios do Norte de Portugal, Douro, Cávado e Minho. Várias destas embarcações, como o Barco Rabelo, ou o Carocho do Minho são construídos segundo o método escandinavo de primeiro formar e unir as pranchas laterais ao fundo e só depois reforçá-las com as chamadas cavernas. As pranchas são sobrepostas, o que forma o chamado casco trincado, pois não é liso.
Neste princípio, o barco poveiro constrói-se ao contrário, primeiro pelas cavernas e só depois se “veste” o casco com as pranchas em posição lisa, tal como é normal das velhas culturas Mediterrânicas. Só este “detalhe” já forma a base para o problema das origens do barco poveiro.
O trabalho do Arq. Lixa Filgueiras não esteve cingido a Portugal, desenvolvendo-se e procurando referências e respostas desde a Dinamarca à França e Galiza até ao interior do Mediterrâneo. Actualmente, a dedicação às embarcações tradicionais na Galiza é enorme e muito rica, o que nos permite ver ao vivo as possíveis semelhanças entre os seus barcos e o nosso poveiro. Só um ou dois exemplares têm reais semelhanças com o poveiro, a Lancha Xeiteira e o Bote de pesca ao polvo, este ao que parece por influência de pescadores poveiros na Galiza e os restantes, embora também de cascos bojudos, as proas não são tão alongadas, o velame é diferente e mesmo as popas apresentam diferenças.
Ao que parece, com base nalguns documentos Portugueses do séc. XVIII e XIX com figuras de barcos de pesca, do Douro para norte não há nenhum barco semelhante ao poveiro. Têm proas mais encurvadas e velames diferentes. Na figura 2 temos a portada do Livro “Assentos das Lanchas e Batéis” da Confraria da Senhora da Lapa, Póvoa de Varzim, entidade de grande importância para os pescadores que lhe tinham de pagar somas dedicadas à Igreja, com redes de pesca específicas para isso. Este registo tem data de 1778 e pela figura vê-se claramente que o barco poveiro de grande porte da altura era mais atarracado, de dois mastros com vela de relinga, tal como actualmente podemos ver algo semelhante na Galiza, com a Lancha Xeiteira (figura 3) de proa menos alongada, exemplar este de menor porte e armando só um mastro. Cerca de 1850 já surgem imagens com barcos de proa mais pronunciadada e vela latina a navegar no Douro. Em finais do séc. XIX, as praias do noroeste já possuiam os barcos com a forma alongada do poveiro actual, tal como algumas comunidades até à Figueira da Foz. Tal parece indicar que o barco poveiro é uma evolução com cerca de 150-200 anos dos barcos antigos comuns no Norte Ibérico, esses prováveis descendentes das influências escandinavas e normando-bretãs.
Já antes referi que Portugal e os seus barcos, foi uma pura região de passagem de culturas do Norte e do Mediterrâneo, as quais formaram colónias e nos legaram a variedade de embarcações (e não só) que temos hoje. É também verdade que o mestre naval do passado, aliado à sua criatividade que nunca conheceu limites desde tempos imemoriais, várias vezes construía o que o freguês pedia ou achava dar melhor “jeito” à pesca e ao lucro, no caso de Portugal com costas e mar aberto ao contrário da Galiza com pesqueiros mais protegidos. A real razão que terá levado ao aparecimento da forma poveira de barco ainda não é clara, podendo estar relacionada com necessidade de maior velocidade dos barcos, numa altura de maior prosperidade na comunidade e região o que implicava vender primeiro o peixe nos mercados (tal como acontecera com a evolução das escunas na América do Norte). É um tema ao qual voltarei no futuro, pois há bastante a investigar, mas uma coisa é certa: o barco poveiro não é um barco Viking que arribou ao areal há 1.000 anos atrás e os pescadores locais copiaram, cortando-lhe a altiva proa dragonada e a igual ré enrolada. O facilitismo romântico é um dos grandes inimigos do verdadeiro conhecimento
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