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domingo, 2 de julho de 2017

"O esmagamento da Grécia revolucionária"


O rei da Grécia Jorge II e o seu governo fugiram para o Egito imediatamente a seguir à invasão das tropas alemãs (6 de abril de 1941) e formaram aí um governo no exílio. A 27 de Setembro de 1941, por iniciativa do Partido Comunista da Grécia, as forças democráticas de todos os estratos do povo uniram-se na Frente de Libertação Nacional (EAM, segundo a sigla grega).
Os ocupantes fascistas alemães criaram um governo marionete, encabeçado pelo general G. Tsolakoglou, que recrutou tropas entre a população grega e enviou-as para a frente de combate contra a União Soviética em 1943.
Sob a direção do PC da Grécia, os patriotas gregos formaram o Exército Popular de Libertação (ELAS), unindo no seu seio os diferentes grupos de guerrilha. Contando com o apoio enérgico da maioria do povo, em meados de 1943, o ELAS já tinha libertado um terço da Grécia continental.  
Em 10 de Março de 1944, os patriotas gregos formaram o Comité Político de Libertação Nacional (PEEA). Nas eleições para o Conselho Nacional do PEEA participaram 1,8 milhões de pessoas, mais de 80 por cento dos cidadãos eleitores. No Conselho Nacional estavam representados todos os estratos do povo.
Em maio de 1944, sob pressão dos britânicos, o PEEA concordou em formar um governo conjunto com o governo no exílio formado no Egipto, sob a direção do social-democrata G. Papandréou. Este governo foi constituído no Cairo em 2 de setembro de 1944.
Aos comunistas e representantes da EAM, unidos no PEEA, foi prometido apenas 25 por cento dos lugares, o que estava muito aquém do seu real apoio popular. Através deste compromisso imposto ao PEEA, os partidos burgueses, que não haviam participado na luta de resistência e se tinham comportado de forma expectante e até cooperante com a potência ocupante alemã, garantiam a maioria absoluta no “Governo de Unidade Nacional”.
Face ao rápido avanço do Exército Vermelho nos Balcãs, as tropas alemãs viram-se obrigadas a retirar da Grécia. No início de novembro de 1944, aproveitando a retirada das tropas alemãs, o ELAS libertou a Grécia, com exceção de algumas ilhas.
Cumprido o programa da Frente de Libertação Nacional (EAM), apoiado pela maioria do povo, devia agora ser completada a revolução democrática, anti-imperialista. A hegemonia do imperialismo britânico na Grécia e no Mediterrâneo oriental seria pelo menos reduzida, senão mesmo suprimida. O lado britânico queria impedir isso a todo o custo. O Foreign Office constatava com pesar que não era possível uma intervenção armada na Jugoslávia contra Tito, mas na Grécia, sim. Na perspectiva do Foreign Office, o governo britânico teria de utilizar a força, não obstante, assim nos assegura Sir Liewellyn Woodward, não há a mínima dúvida de que a maioria da nação grega saudou a ingerência.  
O Governo britânico nunca se embaraçou a justificar as intervenções imperialistas. Em 13 de Outubro de 1944, tropas britânicas aterraram em Atenas e no Pireu. As provocações do lado do exército de intervenção britânico, sob o comando do general Scobie, e de políticos e oficiais gregos restauracionistas conduziram à sublevação do ELAS.
Agora Churchill estava no seu elemento. Na noite de 4 para 5 de dezembro autorizou telegraficamente o general Scobie a reprimir pela força os movimentos populares.
Nas suas memórias, Churchill vangloria-se retrospectivamente da sua intervenção pessoal nos combates na Grécia. As instruções transmitidas por telegrama ao general Scobie são claras; estão documentadas as afirmações odiosas de Churchill, na sua dicção anticomunista, dando as instruções bárbaras, que teriam honrado qualquer déspota oriental. Posteriormente ainda procurou legitimá-las, difamando os comunistas e tratando as massas populares de “populaça”:
“Agora interferia directamente na direcção do assunto. Quando soube que os comunistas tinham ocupado quase todas as esquadras de polícia em Atenas e assassinado a maioria dos polícias que não estavam de acordo com eles, e que se encontravam a menos de um quilómetro da sede do Governo, ordenei ao general Scobie e aos seus cinco mil soldados – que apenas dez dias antes tinham sido saudados pela população como libertadores – que interviessem e avançassem com a força das armas contra os assaltantes traidores. Não faz sentido fazer estas coisas a meio termo. A violência da populaça, com a ajuda da qual os comunistas queriam ocupar a cidade para se apresentarem ao mundo como o governo desejado pelo povo grego, só podia ser impedida pelo fogo das armas. Não houve tempo para convocar uma reunião governamental.
“Eden e eu estivemos juntos até cerca das duas horas da manhã; estávamos ambos inteiramente de acordo que só a força das armas podia valer-nos. Vi que ele estava esgotado e disse-lhe: ”Se quiser ir deitar-se, eu trato disto.” Ele retirouse, e cerca das três [horas] redigi o seguinte telegrama para o general Scobie:
 “(…) Você é responsável pela paz e pela ordem em Atenas e deve impedir todas as unidades da EAM/ELAS de se aproximarem da cidade e, se necessário, eliminá-las. Pode promulgar todos os regulamentos que entender necessários para controlar as ruas e prender elementos rebeldes. O ELAS procurará, naturalmente, onde existir o perigo de um tiroteio, enviar à frente mulheres e crianças. Em tais casos tem de atuar engenhosamente e evitar erros. Mas não hesite em disparar sobre todos os [elementos] armados na cidade, que se oponham às nossas autoridades ou às autoridades gregas por nós reconhecidas. Evidentemente que seria bom que o Governo grego com a sua autoridade se colocasse sob o seu comando, e Leeper procura convencer Papandréou a fazê-lo. Mas não hesite em atuar como se se encontrasse numa cidade conquistada, na qual uma insurreição estivesse em marcha. (…)
2. Caso os bandos do ELAS se aproximem da cidade a partir do exterior, encontra-se com certeza na situação de lhes dar uma lição, com os seus tanques, que coiba os outros de novas tentativas. Contará com a minha cobertura para todas as ações bem pensadas e sensatas. Temos de afirmar a nossa posição e autoridade em Atenas. Ganharia grande mérito se o conseguisse sem derramamento de sangue, mas se necessário também com derramamento de sangue.”
“Este telegrama foi enviado dia 5, cerca das 4h e 50m. Tenho de concordar que estava formulado de forma um pouco severa. Porém, pressenti a necessidade urgente de dar ao comandante instruções claras, por isso usei premeditadamente as expressões mais fortes. Com uma tal ordem nas suas mãos, teria a coragem de atuar energicamente, já que lhe dei a certeza de cobrir todas as suas ações bem pensadas, independentemente das consequências. Toda a evolução me preocupava seriamente, contudo estava convencido de que aqui não podia haver nem fraquezas nem indecisões. Lembrei-me do famoso telegrama de Arthur Balfour, nos anos 80, para a administração britânica na Irlanda: “Não hesite em disparar.” Esse telegrama foi então enviado pelo telégrafo público e provocou uma tempestade de indignação na Câmara dos Comuns, porém, evitou determinados derramamentos de sangue. O episódio revelou-se como uma das etapas mais importantes na subida de Balfour ao poder. Sem dúvida que as coisas agora eram diferentes, mas este “Não hesite em disparar” soou-me aos ouvidos como uma insinuação de dias longínquos.”
“Não hesite em disparar!” O general Scobie não hesitou. As ressalvas restritivas de Churchill tinham só uma função de álibi.
A guerra suja de intervenção contra o Exército Popular de Libertação – elemento ativo da coligação anti-hitleriana – foi duramente criticada na Grã-Bretanha, o que Sir Llewellyn Woodward explicou com a falta de informação da população inglesa sobre «a violência da multidão e da ditadura comunista”.  Através dos seus meios de comunicação, o Governo britânico ajudou a ultrapassar rapidamente esta lamentável “deficiência” informativa.  
Mas também nos EUA houve críticas à atuação do exército britânico contra o Exército Popular de Libertação. Manifestamente, o presidente Roosevelt também estava insuficientemente informado sobre «ditadura comunista» da «populaça». Como o seu filho Elliot Roosevelt se recorda, o presidente estava profundamente indignado com o combate das tropas inglesas contra a guerrilha na Grécia, “que tinha lutado corajosamente durante quatro anos contra os nazis”.
“Não me admiraria», disse o presidente Roosevelt, «se Winston [Churchill, UH] nos tivesse simplesmente transmitido que queria apoiar os monárquicos gregos. Isto estaria de acordo com o seu carácter. Mas assassinar a guerrilha grega! Usar as tropas inglesas para tal coisa!”  Roosevelt criticou pouco antes da sua morte a “capacidade inglesa de juntar num bloco os outros países contra a União Soviética”.
Em Janeiro de 1945, Harry Hopkins, um conselheiro do presidente, informava Elliot Roosevelt sobre os “planos [de Churchill] de invasão a partir do Sul”, como “a última tentativa de colocar soldados aliados nos Balcãs antes dos russos”.16
Isto chegará para caracterizar as ambições de Churchill na Grécia e nos Balcãs.

Naturalmente que Stalin compreendeu a política pérfida, as brutalidades dos intervencionistas britânicos na Grécia. Mas o Governo soviético não podia ajudar os patriotas gregos. Independentemente de um ataque contra as tropas britânicas ser demasiado arriscado, dada a relação de forças existente no Sul da península balcânica, um tal passo contra um parceiro de coligação podia ter conduzido à ruptura na coligação anti-hitleriana. Churchill sabia que Stalin não faria nada contra a intervenção britânica para evitar tal ruptura. Roosevelt também evitou uma condenação pública de Churchill pelas mesmas razões.
A originalidade da situação histórica consistia em que, por um lado, os parceiros da coligação anti-hitleriana dependiam uns dos outros, por outro lado, estavam divididos por contradições de classe, que teriam de ser dirimidas depois da guerra. Era uma difícil decisão para Stalin, abandonar ao seu destino os camaradas de classe gregos para manter a coligação anti-hitleriana. Em 1944/45, a guerra contra o fascismo alemão e contra o Japão tinha prioridade sobre as ações de luta delimitadas localmente. Os exércitos alemães lutavam ainda com obstinação fanática na frente germano-soviética. Uma ruptura na coligação anti-hitleriana, mesmo na fase final da guerra, teria tido efeitos militares imprevisíveis. A decisão deve ter sido difícil para Stalin, mas não tinha outra alternativa. Assim, Churchill pôde ainda assinalar cinicamente que “ao longo das semanas em que se prolongaram os combates de rua em Atenas, (…) não houve nenhuma palavra de acusação no Pravda ou no Izvéstia”.  
 
Aditamento:
Churchill e os restauracionistas gregos verificaram à sua maneira a teoria marxista-leninista do Estado e da revolução: primeiro esclarece-se a questão do poder, se necessário por banho de sangue, depois eleições «livres» e, veja-se, agora os partidos burgueses têm a maioria. Nas eleições «livres» de 31 de março de 1946, o PC da Grécia, o EAM e outros partidos democráticos não puderam participar. Milhares de combatentes da resistência contra o ocupante fascista foram assassinados pelas tropas contrarrevolucionárias, 75 mil foram presos e mais de 100 mil combatentes ativos do movimento de libertação foram perseguidos e empurrados para a ilegalidade. Em 1 de Setembro de 1946 realizou-se um referendo «livre» sob as baionetas das tropas reacionárias, que aprovou o regresso do rei Jorge II e, em “livre autonomia”, restabeleceu-se a hegemonia do imperialismo britânico na Grécia. Em fevereiro de 1952 consumou-se a entrada “livre” na OTAN. Na verdade, a luta dos democratas gregos não estava e não está ainda terminada.

 
NOTAS
1.  O Governo britânico «had to use force, but there is no doubt that the great majority of the Greek nation welcomed their interference…» (British Foreign Policy in the Second World War, Londres, 1962. Her Majesty’s Stationary Office, p. 351). Estranho! Uma página antes L. Woodward afirma que a monarquia grega era odiada por largas camadas da população, agora diz que a nação grega estava agradecida aos britânicos por lhe ter devolvido o seu querido rei.
2. Winston S. Churchill, Der Zweite Weltkrieg (Edição revista pelo próprio Churchill das suas memórias em doze volumes), Frankfurt/Main, 2003, p. 1007 e seg. Sublinhado no original.
3. «(…) mob violence and communist dictatorship». L. Woodward, idem, ibidem, p. 358.
4. Elliot Roosevelt, Wie er es sah (As he saw it), 1ª ed., Zurique, 1947, p. 278.
5. Idem, ibidem, p. 285.
6. Churchill, idem, ibidem, p. 1008, sublinhado no original.

O presente texto é um extracto adaptado do capítulo IV da obra de Ulrich Huar,
Contribuições de Stalin para a Ciência Militar e Política Soviética (Verlag, Berlim, 2006),
parcialmente traduzida e publicada em Para a História do Socialismo
 



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