ALTERNATIVAS E GOVERNOS AMIGOS
Correia de Campos, ministro da saúde de Sócrates, encarregou-se hoje de pôr água na fervura nos entusiasmos coligacionistas que nascem a cada esquina. A urgência de uma união de esquerda é real, mas não se pode adoptar uma qualquer solução a qualquer preço, em particular quando vastos sectores do PS preferem continuar a governar à direita, ainda que apelidem tal governação de políticas mais “amigas dos cidadãos”, como é hoje demonstrado em artigo de opinião no “Público” assinado pelo antigo governante.
Toda a prosa é clara na rejeição da procura de entendimentos à esquerda, o que implicaria, obviamente, a procura de plataformas políticas comuns em questões centrais, como a renegociação da dívida, o memorando de entendimento, a repartição da carga fiscal, o papel e responsabilidades do sistema bancário, a configuração que desejamos para o estado social e muitas outras matérias basilares para um entendimento entre forças de esquerda.
Correia de Campos, a quem não se nega clareza na exposição de razões e ideias, é cristalino como água da mais pura nascente quando recusa entendimentos à esquerda, em nome da centralidade política do PS, centralidade que, porém, não o inibe de defender acordos à direita.
Basta ler este pedaço de prosa extraído do artigo de hoje no “Público” para se entender bem o que se está já a preparar por aquelas bandas, que mais não é do que a redistribuição de cargos e prebendas entre os mesmos de sempre, para que tudo fique na mesma. Nem sequer me atrevo a utilizar a velha máxima das moscas que mudam, continuando a ser tudo o mesmo. Mas leiam o que diz o antigo ministro, que vale a pena:
“Seja em 2015, seja em 2014 teremos um governo para cuja chefia se alinha uma força maioritária, o PS. Os cépticos da direita dirão que será igual ao actual, com pequenas mudanças de orientação. Não é verdade. Mesmo sem sermos utópicos, será possível criar um governo melhor. Mais amigo dos cidadãos, que não lhes faça promessas incumpríveis, nem lhes minta, como se viu nos estaleiros de Viana e nos swaps. Que não se arrime a uma agenda ideológica de méritos ignorados mas destrutivos, para fazer ruir o muito que uniu os portugueses depois da conquista das liberdades, na Saúde, na Educação, na investigação e inovação, na modernização da agricultura, das infraestruturas e da formação profissional, na atracção do investimento e no apoio à cultura e à preservação do património e da natureza. Que crie empregos e valor, apoie as exportações e promova o crescimento nos sectores que demonstram inovação, combatividade e sustentabilidade. De coligação, certamente, mas com gente diferente desta que governa agora. Uma derrota da direita fará cair esta combinação actual feita de ligeireza, teimosia ideológica, incompetência e descoordenação. Verdadeiros sociais-democratas e democratas cristãos surgirão.”
Este parágrafo é a resposta que o articulista dá à questão com que abre o texto, quando pergunta se “deve o PS virar à esquerda?”. A opinião de Correia de Campos não deixa margem para dúvidas, até porque não de pode negar ao ex-governante o mérito de ser habitualmente bastante claro no que escreve. Porém, deveria o autor ter em consideração que parte de premissas erradas. A primeira é a de que a continuação das anteriores políticas, mas com mais “amizade” (resta saber o que é isso…) para os cidadãos, permita resolver alguma coisa essencial dos problemas em que estamos atolados, gerados maioritariamente por Governos de que o próprio fez parte. A segunda é pressupor que existam, no PSD e no CDS, “verdadeiros sociais-democratas e democratas cristãos” dispostos a aceitar uma agenda do PS mais “moderada”, mas com as mesmas finalidades de direita, ainda que apelidada de “mais amiga dos cidadãos”, um conceito político acabado de inventar e de que desconfio de que ainda iremos ouvir falar muito…
Finalmente, Correia de Campos erra na análise quando ignora que é à esquerda do PS que deve ser procurada a solução, com a definição de plataformas de entendimento que rompam com o fanatismo ideológico neoliberal que tomou conta este governo e que, pelos vistos, contamina muitos responsáveis do PS.
As indicações dadas por Correia de Campos reforçam a ideia de que será muito difícil ao PCP encontrar entendimentos com este PS, mais interessado na continuação das atuais políticas, ainda que embrulhadas de forma mais “amigável”. Reforçam, também, a necessidade de o PCP continuar a reforçar a sua influência política e social, ainda que existam à esquerda parceiros com quem pode ser viável estabelecer entendimentos que convirjam numa grande força de esquerda com capacidade de influenciar decisivamente o rumo dos acontecimentos. Esse espaço existe e pode ser ocupado.
Outra conclusão que se pode retirar da argumentação de Correia de Campos é a de que votar no PS será o mesmo do que dar o aval para o prosseguimento das atuais políticas, mas com protagonistas mais “amigáveis”.
Significa isto que, para derrotar a direita e a agenda neoliberal também partilhada por estes sectores do PS só há um caminho: continuar a reforçar o PCP. Não vejo outras “Alternativas”*.
*Titulo do artigo de Correia de Campos publicado hoje no “Público”
pracadobocage.wordpress.com
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