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sábado, 21 de dezembro de 2013

UM CONTO DE NATAL ... Era uma rua de Lisboa. Uma rua como tantas outras ruas. Ao fundo, ao fundo da rua, havia um jardim. E lá, nesse jardim, os rapazes jogavam como uma bola de trapos e lançavam o pião. Alguns idosos, sentados nos bancos de madeira de ripas deteriorados pelo tempo e pelo uso, olhavam absortos os meninos ladinos, como se a vida se lhes escapulisse por um ralo.

UM CONTO DE NATAL ...




Era uma rua de Lisboa. Uma rua como tantas outras ruas. Ao fundo, ao fundo da rua, havia um jardim. E lá, nesse jardim, os rapazes jogavam como uma bola de trapos e lançavam o pião. Alguns idosos, sentados nos bancos de madeira de ripas deteriorados pelo tempo e pelo uso, olhavam absortos os meninos ladinos, como se a vida se lhes escapulisse por um ralo.

Pé ante pé, a noite tombou sobre a grande urbe e sobre o jardim. Os candeeiros projetaram o seu clarão sobre o asfalto e as estrelas tomaram conta do céu da cidade. Como bandos de pardais, os miúdos partiram. Os mais velhos, levantaram-se pesadamente dos bancos e rumaram aos seus lares. E, entre eles, o Bernardino, no seu casaco de sarja azul, com que moirejou anos a fio na sua profissão, naquele início da década de sessenta do século passado.

O velho Bernardino, tinha mais de oito décadas de vida. Vivia da magra reforma a que lhe deram direito, por carregar e descarregar navios uma vida inteira no Cais de Alcântara. Caminhava dobrado, como se trouxesse às costas o peso do seu triste Destino. Ali, junto ao número trinta e oito daquela rua pobre de Lisboa onde vivia, havia uma venda. Entrou e, do fundo do bolso escuro, o ancião tirou o relógio que trazia seguro a uma presilha das calças por uma corrente.

Cofiou o bigode branco e espesso com os dedos grossos e olhou as horas. Então pediu um copo de vinho. Ato contínuo, de um frasco de vidro de boca larga pousado em cima do balcão, comprou uma dúzia de rebuçados.

Depois, de novo rumou à rua escura e fria. Por uma porta entrou e, com o auxílio do corrimão, guindou-se com esforço até junto das águas – furtadas onde habitava. Meteu a pesada chave na fechadura e empurrou a porta devagar. Então, uns braços abertos, tenros e frágeis, correram para ele.

Era a pequena filha dos hóspedes, que partilhavam com ele aquele espaço e o ajudavam a pagar a renda. Lurdes e José eram duas boas almas. Lurdes trabalhava de costureira numa loja junto à Praça de Martim Moniz e José consertava móveis numa sombria carpintaria do Barreiro.

Felismina, mulher de Bernardino, fritava filhós na cozinha, enquanto numa travessa de alumínio, repousava uma pilha de rabanadas. De rosto duro e enrugado de mulher da Beira, Felismina de olhos postos no fogo, relembrada a sua infância nas faldas da Serra da Estrela.

Era noite de Natal. Naquela casa, modesta casa, a Consoada era pobre. O parco dinheiro disponível, apenas dava para o essencial. 

Mas, naquele anoitecer tão especial, a pequena Helena sonhava, esperançada que o Pai Natal não se esquecesse dela. Criança que era, vivia ainda no reino inocente da fantasia, alheia às realidades agrestes da vida.

Naquele serão lisboeta, depois da frugal refeição do fiel amigo, José subiu ao telhado e, de forma engenhosa, fez descer pela chaminé um pequeno cesto, perante o olhar expectante da pequena Helena. 

No cabaz, vinha um divertido boneco de madeira articulado, feito pelo José na carpintaria, nas horas subtraídas à sua refeição do almoço. Era o Pinóquio, de nariz comprido e chapéu apelativo na cabeça, que fez as delícias da pequenita.

E, perante a alegria esfuziante da criança, no fundo do cesto vinha também, embrulhados um a um em papel colorido, uma dúzia de rebuçados …
Quito Pereira  


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