Desde 1987 começou uma romaria nazi ao túmulo de Rudolf Hess, delegado de Hitler, em Wunsiedel, na Baviera alemã. A paróquia local decidiu não renovar a concessão do cemitério e o corpo de Hess foi exumado em 2011.
Contudo, a exumação não pôs fim à romaria que continuava a organizar-se em direcção ao local onde em tempos esteve o túmulo. A população local fartou-se e, em Novembro de 2014, começou a pôr-lhe fim.
Habitantes e comerciantes recolheram dez mil euros que, caso os nazis concluíssem a romaria desse ano, reverteriam a favor da organização anti-Nazi Exit Deutschland. No trajecto da romaria espalharam cartazes a agradecer a “generosidade” e a motivar os participantes na marcha como activistas involuntários da luta contra o nazismo na Alemanha.
No chão pintaram metas distintas onde escreveram “parabéns, já doaram mil euros contra o nazismo” ou “obrigado pelos cinco mil euros”. Houve marchantes que não continuaram e houve outros que, ainda que a contragosto, caminharam até ao fim. Os dez mil euros recolhidos foram mesmo entregues à Exit Deutschland e a romaria nazi começou a ter o seu fim em Wunsiedel a partir de um acto de profunda provocação e de perversão do sentido da própria romaria.
Lembrei-me muito deste episódio esta semana a propósito das “caçadas colectivas” a migrantes em Chemnitz, também na Alemanha, como já me tinha lembrado em Maio aquando das manifestações de extrema-direita em Berlim.
O que é que mudou na Alemanha desde 2014 até hoje?
Muita coisa, seguramente, mas uma fundamental.
Em Novembro de 2014, o governo de Merkel preparava a política de “portas abertas” para refugiados e o partido de extrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha) era apenas um embrião. Em 2018, Merkel já mudou a sua política de “portas abertas”, subscreveu a vergonhosa proposta de criação de centros de detenção para migrantes, numa tentativa de evitar ser afastada do poder, e o AfD converteu-se na terceira força política alemã com 92 deputados.
O que mudou fundamentalmente foi, portanto, a naturalização e normalização da extrema-direita.
O problema da extrema-direita não é, obviamente, um problema alemão. É um problema europeu.
O que os exemplos alemães mostram é a rapidez com que assistimos à normalização e naturalização da extrema-direita no espaço público europeu, e o quanto isso é preocupante.
Quando a extrema-direita começou a chegar ao poder nos países europeus algumas das suas políticas xenófobas já lá estavam pela mão da social democracia e da democracia cristã e, evidentemente, contribuíram também para essa “normalização”, mas não deixa de ser assustador o silêncio dos cidadãos europeus face a ela. O descontentamento com as políticas e os seus representantes pode justificar uma ausência de mobilização social, mas o silêncio perante a normalização da barbárie tem razões mais profundas.
Creio que na Europa já passámos todas a linhas e temos que perceber que vivemos uma profunda crise identitária. Lembro-me de Wunsiedel porque tenho saudades de um futuro onde a provocação e a desobediência à norma fazem parte da intervenção pública na vida política. Sobretudo quando a norma começa a ser a barbárie.
O que os exemplos alemães mostram é a rapidez com que assistimos à normalização e naturalização da extrema-direita no espaço público europeu, e o quanto isso é preocupante.
Quando a extrema-direita começou a chegar ao poder nos países europeus algumas das suas políticas xenófobas já lá estavam pela mão da social democracia e da democracia cristã e, evidentemente, contribuíram também para essa “normalização”, mas não deixa de ser assustador o silêncio dos cidadãos europeus face a ela. O descontentamento com as políticas e os seus representantes pode justificar uma ausência de mobilização social, mas o silêncio perante a normalização da barbárie tem razões mais profundas.
Creio que na Europa já passámos todas a linhas e temos que perceber que vivemos uma profunda crise identitária. Lembro-me de Wunsiedel porque tenho saudades de um futuro onde a provocação e a desobediência à norma fazem parte da intervenção pública na vida política. Sobretudo quando a norma começa a ser a barbárie.
Marisa Matias.
Removida tumba de Rudolf Hess, lugar de perigrinação neonazi
Removida a tumba de Rudolf Hess, substituto de Hitler
Sua sepultura em Wunsiedel havia se convertido num centro de peregrinação neonazi
Sua sepultura em Wunsiedel havia se convertido num centro de peregrinação neonazi
A sepultura do figurão nazi Rudolf Hess em Wunsiedel, Baviera, foi removida entre as quatro e seis da madrugada da quarta-feira, segundo publicou hoje o diário de Munique Süddeutsche Zeitung. Desaparece assim a tumba do comparsa ao qual Adolf Hitler ditou "Minha Luta", o programa político do regime que organizou o Holocausto. Seus restos mortais serão queimados e espalhados em alta mar, depois da comunidade cristã evangélica de Wunsiedel denegar a seus descendentes o prolongamento do arrendamento do sepulcro.
Os neonazis seguem considerando-o um "mártir"
Desde que Hess se enforcou com um cabo en sua cela de Spandau em 1987, o local havia se convertido numa meca de romarias neonazis. Os ultradireitistas do partido NPD e outros grupelhos de mesma ideologia nazi organizavam uma marcha comemorativa a cada 17 de agosto, na qual se homenageava o "mártir" Hess. Este havia se livrado da forca nos Julgamentos de Nuremberg por haver protagonizado um extravagante salto de paraquedas sobre a Escócia em 1941. Segundo alegou, para negociar a paz com o Reino Unido. Sua conhecida participação nos crimes do nazismo lhe valeu, não obstante, uma condenação à prisão perpétua em 1946. Ele a cumpriu até os 93 anos sob vigilância de soldados aliados na prisão de criminosos de guerra de Berlim-Spandau.
Hess se enforcou em sua cela 42 anos depois de seu chefe dar um tiro em seu bunker situado poucos quilômetros ao sudeste de Spandau. Foi o único prisioneiro de Spandau a partir de 1966, quando saíram em liberdade os também destacados nazis Albert Speer e Baldur von Schirach. Ao contrário de Speer ou Karl Dönitz, com os quais compartilhou o pátio da prisão de Spandau, Hess não maquiou sua biografia nem negou seus entusiasmos nazis. Assim, os neonazis seguem o considerando um "mártir", sobre cujas vida e morte seguem espalhando falsidades e lendas. No fim das contas, Hess se encarregou de pôr por escrito os dislates antissemitas, racistas e belicistas de seu amigo Hitler, com quem esteve preso depois do fracassado putsch de Munique de 1923. O livro resultante, que chamaram de "Minha luta", foi uma best-seller nos 12 anos que durou a ditadura nazi.
A proibição das marchas comemorativas desde 2005 não impediu que Wunsiedel, pitoresca localidade de 10.000 habitantes próxima à fronteira com a República Tcheca a qual Hess ia nas férias, contasse até esta semana entre os principais lugares de perigrinação para neonazis de todo o mundo. Segundo o Süddeutsche Zeitung, uma das netas de Hess se opôs primeiro a que removessem os restos mortais de seu avô. As autoridades locais conseguiram convencê-la para que aceitasse a exumação de seus restos e evitar de uma vez por todas que o sepulcro familiar continuasse atraindo grupos de neonazis e simpatizantes da ideologia de seu avô.
Depois de sua morte foi demolida também a prisão de Spandau.
Fonte: El País(Espanha)
Os neonazis seguem considerando-o um "mártir"
Desde que Hess se enforcou com um cabo en sua cela de Spandau em 1987, o local havia se convertido numa meca de romarias neonazis. Os ultradireitistas do partido NPD e outros grupelhos de mesma ideologia nazi organizavam uma marcha comemorativa a cada 17 de agosto, na qual se homenageava o "mártir" Hess. Este havia se livrado da forca nos Julgamentos de Nuremberg por haver protagonizado um extravagante salto de paraquedas sobre a Escócia em 1941. Segundo alegou, para negociar a paz com o Reino Unido. Sua conhecida participação nos crimes do nazismo lhe valeu, não obstante, uma condenação à prisão perpétua em 1946. Ele a cumpriu até os 93 anos sob vigilância de soldados aliados na prisão de criminosos de guerra de Berlim-Spandau.
Hess se enforcou em sua cela 42 anos depois de seu chefe dar um tiro em seu bunker situado poucos quilômetros ao sudeste de Spandau. Foi o único prisioneiro de Spandau a partir de 1966, quando saíram em liberdade os também destacados nazis Albert Speer e Baldur von Schirach. Ao contrário de Speer ou Karl Dönitz, com os quais compartilhou o pátio da prisão de Spandau, Hess não maquiou sua biografia nem negou seus entusiasmos nazis. Assim, os neonazis seguem o considerando um "mártir", sobre cujas vida e morte seguem espalhando falsidades e lendas. No fim das contas, Hess se encarregou de pôr por escrito os dislates antissemitas, racistas e belicistas de seu amigo Hitler, com quem esteve preso depois do fracassado putsch de Munique de 1923. O livro resultante, que chamaram de "Minha luta", foi uma best-seller nos 12 anos que durou a ditadura nazi.
A proibição das marchas comemorativas desde 2005 não impediu que Wunsiedel, pitoresca localidade de 10.000 habitantes próxima à fronteira com a República Tcheca a qual Hess ia nas férias, contasse até esta semana entre os principais lugares de perigrinação para neonazis de todo o mundo. Segundo o Süddeutsche Zeitung, uma das netas de Hess se opôs primeiro a que removessem os restos mortais de seu avô. As autoridades locais conseguiram convencê-la para que aceitasse a exumação de seus restos e evitar de uma vez por todas que o sepulcro familiar continuasse atraindo grupos de neonazis e simpatizantes da ideologia de seu avô.
Depois de sua morte foi demolida também a prisão de Spandau.
Fonte: El País(Espanha)
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