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domingo, 29 de outubro de 2017

PERDIZ CINZENTA OU CHARRELA EXTINTA EM PORTUGAL

O declínio global e a extinção em Portugal da Charrela


Outrora a Charrela, ou Perdiz-cinzenta, povoava as serras do Norte de Portugal. Apesar da sua extinção no nosso país, ela ainda se encontra no Norte de Espanha, mas as suas populações continuam em declínio e cada vez mais longe das terras lusas.

Hoje em dia diversas espécies de aves estão ameaçadas de extinção global, e muitas outras não ameaçadas encontram-se em declínio. Entre estas, estão várias espécies de Galiformes, como é o caso da Perdiz-cinzenta (Perdix perdix), uma ave distribuída pela Europa, que no passado século sofreu um sério declínio em muitas regiões, sobretudo devido à intensificação agrícola.


Estão descritas oito sub-espécies de Perdiz-cinzenta:

- Perdix perdix perdix
- Perdix perdix robusta
- Perdix perdix canescens
- Perdix perdix lucida
- Perdix perdix italica
- Perdix perdix sphagnetorum
- Perdix perdix armoricana
- Perdix perdix hispaniensis



P. p. hispaniensis, conhecida como Charrela em Portugal, é endémica da região ibero-pirenaica. A sub-especiação destas perdizes terá ocorrido com o seu asilo, a partir de núcleos de P. p. perdix, em zonas mais altas e de climas menos mediterrânicos, aquando da última glaciação. Esta sub-espécie foi primeiro distinguida por Lopez Seone, em 1891, na Galiza, como sendo a Perdix perdix charrela, mas acabou por ficar registada como Perdix perdix hispaniensis, segundo o nome designado por Reichenow, em 1892.
Registos históricos da Charrela em Portugal até à sua extinção


Em Portugal, noutros tempos, a Charrela era o Galiforme das terras altas, contrastando com a distribuição da Perdiz-vermelha (Alectoris rufa). Segundo as referências de Bocage (1896), Seabra (1910), Tait (1924) e Reis Júnior (1931), esta espécie distribuía-se pelo Norte de Portugal, provavelmente com elevada abundância, desde a Serra do Gerês até à Serra de Montesinho, descendo até à Serra do Marão e passando mesmo a sul do Douro, junto a Tarouca.

No final do século XIX a Charrela é descrita por Paulino de Oliveira como uma espécie sedentária, que não era rara em Trás-os-Montes. Nos anos 20 do século passado, William Tait observou bandos de Charrelas em Pitões das Junias, nas terras mais altas do concelho de Montalegre, na zona mais oriental da área que é hoje abrangida pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês. Ainda na mesma década, a maioria das Charrelas de Pitões terão sido caçadas. A estes exemplares somavam-se as Charrelas existentes na zona do concelho de Vieira do Minho (também no P.N.P.G.), nas serras do concelho de Bragança (actualmente pertencentes ao Parque Natural de Montesinho), e as que possivelmente ocorreriam muito raramente noutras serras altas do Norte de Portugal. Nesta altura, já há muitos anos que a espécie não era observada na Serra do Barroso, a sul de Montalegre, e Reis Junior considerava que ela já se encontrava quase extinta no país, sendo mesmo rara a captura de algum espécime nas zonas fronteiriças com Espanha, a norte de Bragança, onde a sua ocorrência era mais provável. Encontra-se referenciada uma nova observação, uma bando de 7 Charrelas, no conselho de Montalegre em 1936, a primeira no local ao fim de vários anos. Outro registo da década seguinte (1946) refere-se à captura de um espécime de Charrela fora da sua área natural de ocorrência, perto da Lagoa Comprida, na Serra da Estrela que, tal como Coverley conclui, terá sido resultado de uma introdução.

Os últimos registos de observações da ave no Parque Nacional remontam aos anos 50. Mais recentemente ter-se-á extinto numa já pequena área fronteiriça do Parque Natural de Montesinho. Esta área do Parque Natural transmontano continua a ser referenciada como a zona de Portugal onde ainda ocorre a Perdiz-cinzenta, mas de facto os trabalhos de campo nos anos 70 e 80 do último século, para a realização do Atlas de Aves Nacional e os trabalhos nos anos 90 para a realização do Atlas das Aves de Montesinho, assim como os correntes trabalhos para o Novo Atlas das Aves, não trazem qualquer registo de presença da Charrela. Diz-se, no entanto, que quando os montes de Sanábria estão cobertos de neve e o alimento escasseia, as Charrelas que ocupam estas zonas espanholas poderão descer às Serras de Montesinho.


Distribuição actual e situação das populações mais próximas de Portugal
Actualmente, nos Pirinéus franceses esta subespécie ocupa uma área de 9.216 km2. Em Espanha, além dos Pirinéus (6.279 Km2), ela encontra-se no Sistema Ibérico (636 km2) e na Cordilheira Cantábrica (12.453 km2). Aqui, a sua distribuição adjacente ao Parque Natural de Montesinho torna ainda possível, apesar de pouco provável, a observação destas perdizes em território nacional.


Fig. 1 – Distribuição da Charrela na Cordilheira Cantábrica (azul) e no Sistema Ibérico (vermelho).
Os núcleos de Charrelas da Cordilheira Cantábrica apresentam uma marcada tendência regressiva. Após a extinção em Portugal, a Perdiz-cinzenta encontra-se em claro perigo de extinção na Galiza e em Zamora. Apesar das presenças verificadas nestas regiões espanholas adjacentes à Serra de Montesinho, a abundância de Charrelas é relativamente baixa.

Na Cordilheira Cantábrica a extinção das populações desta espécie tem-se concentrado nas zonas de menor altitude e nas serras periféricas ao eixo da cordilheira, em populações isoladas, havendo uma tendência para as perdizes se refugiarem nas zonas mais altas. De forma geral, as zonas de extinção confirmada envolvem as zonas onde a densidade de perdizes é mais baixa. Apenas cerca de 17% dos 12.453 km2 de ocupação parecem ser áreas onde as populações destas perdizes estão estabilizadas. E mesmo destes 17%, apenas uma parte representa as populações no verdadeiro “centro de refúgio”, com uma distribuição mais extensa e com densidades médias a altas, enquanto outra parte se refere a populações estabilizadas, mas em zonas muito delimitadas e isoladas, como na região de Orense, perto de Montesinho.

Actualmente, na Cordilheira Cantábrica, as melhores populações de perdizes encontram-se acima dos 1300-1400 m de altitude, enquanto abaixo dos 1000 m encontram-se normalmente populações com baixa densidade e abaixo dos 800 m a extinção está frequentemente confirmada.


As causas para o declínio na Cordilheira Cantábrica


Habitando as regiões montanhosas, as causas do declínio da Charrela não são muito idênticas às causas que afectam as populações de Perdiz-cinzenta noutras zonas da Europa, das quais se salientam o uso de pesticidas e herbicidas nos campos de cereal, que eliminam os insectos essenciais à sobrevivência dos juvenis.

Entre as causas apontadas para a regressão das populações de Charrelas na Cordilheira Cantábrica encontram-se, como mais importantes, o desaparecimento de culturas nos vales, os incêndios, a caça furtiva, e em menor extensão a caça legal, e a predação antropogénica (pelo Homem). Mais particularmente para Orense e Zamora, somam-se factores como:
- Repovoamentos de perdizes, com consequências negativas para as populações autóctones (como sejam o empobrecimento genético e diminuição da produtividade);

- Infraestruturas de exploração mineira a céu aberto;

- Diminuição ou desaparecimento do pastoreio, com o seu efeito regulador da vegetação;

- Aumento da cobertura vegetal dos matos;

- Plantações de coníferas e eucaliptos.

- Aumento da rede de estradas florestais;


A hipótese da recuperação

É certo que em termos de prioridades de conservação na Península Ibérica, a Charrela nem enquanto subespécie é um Lince-ibérico, mas também é verdade que o Lince ainda vagueia nas nossas terras e a Charrela já não. A Charrela já teve populações significativas no país e encontra-se em declínio em Espanha e na França, pelo que estamos a perder tempo para ter hipóteses plausíveis de a recuperar.

No caso da Capra pyrenaica lusitanica não tivemos hipótese de recuperar a sub-espécie, e só por um mero acidente apareceram exemplares de outra sub-espécie. O futuro de uma reintrodução depende em larga medida da adaptação dos animais às dimensões de um habitat, pelo que apenas se pode esperar que o reaparecimento da Charrela provenha das zonas adjacentes a Portugal. A recuperação com outra subespécie não é muito provável, pois não se distribuem por habitats de maior altitude.
Apesar das tentativas de reintrodução terem falhado, não há razão para desistir. O futuro da Charrela em Portugal pode estar em posição favorável, pelo menos em relação à grande maioria das espécies em situação idêntica. O facto dos potenciais habitats se encontrarem em áreas protegidas, a importância cinegética que a Charrela pode ter e a experiência em gestão e em estudos de Perdiz-cinzenta e do seu habitat, leva-nos a considerar que a recuperação desta espécie em Portugal é relativamente fácil.

Bibliografia

Bocage, J.V.B. (1869). Algumas observações e aditamentos ao artigo do Sr. A.C. Smith intutulado “A Sketch of Birds of Portugal” (Ibis 1868, pag. 428). Jornal de Sciências Mathematicas, Physicas e Naturaes 7: 1-6.

Catry, P. (1999). Aves nidificantes possivelmente extintas em Portugal Continental. Revisão e síntese da informação disponível. Airo10:1-13. 

Coverley, H.W. (1946). Bird Notes – Portugal.

Lucio A. J., Purroy, F. J., e Sáenz de Buruaga, M. (1992). La perdiz pardilla (Perdix perdix) en España. ICONA, Madrid. 

Lescourret, F. (1988): Elements de répartition de la Perdrix Grise (Perdix perdix hispaniensis Reichenow) dans les Pyrénées Françaises. Gibier Faune Sauvage, 5: 123-148. 

Paulino d´Oliveira, M. (1896). Aves da Península Ibérica e Especialmente de Portugal. 3ª Edição (1928) Imprensa da Universidade, Coimbra.

Potts, G.R. (1986). The Partridge: Pesticides, predation and conservation. Collins, London. 

Reis Júnior, J.A.(1931). Catálogo Sistemático e Analítico das Aves de Portugal. Araújo e Sobrinhos e Sucessores; Porto.

Seabra, A.F. (1910). Catalogue systématique des vertébrés du Portugal. Bulletin de la Société Portugaise des Sciences Naturelles 4: 115-217.

Tait, W.C. (1924). The Birds of Portugal. H.F. and G. Witherby. 

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