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quarta-feira, 15 de março de 2017

Os sentimentos humanos sob o olhar de Bertolucci

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    Bernardo Bertolucci nasceu em Parma, em 16 de março de 1941, filho de uma professora e de um poeta, ensaísta e crítico de cinema. Sua infância transcorreu em um dos momentos de maior violência na história italiana: os anos finais do fascismo.

    Aos quinze anos começou a escrever poesias e, seis anos mais tarde, recebeu um dos prêmios literários mais importantes da Itália: o Viareggio Repaci, pela publicação do livro In cerca del mistero.

    Em 1961 sua vida toma novos rumos, ao receber o convite de Pier Paolo Pasolini para integrar-se à filmagem de Accatone. A relação de trabalho e de amizade foi intensa e, em 1962, Bertolucci dirigiu, junto a Pasolini, La commare secca (no Brasil, A Morte). Os dois filmes são inspirados em elementos neorrealistas: filmagem em locações, ação no presente, atores não profissionais ou estreantes e histórias de personagens marginais.

    Bertolucci e Pasolini faziam parte do Partido Comunista Italiano, a organização de esquerda com maior presença na democracia ocidental da  época.

    A evolução de Bertolucci foi rápida. Il Conformista (O Conformista), de 1970, permitiu ao diretor construir um conjunto de personagens presos a suas convicções políticas e a um universo onde a moral se torna relativa.

    Dois anos mais tarde, assombrou o mundo com Ultimo Tango A Parigi (O Último Tango em Paris), celebrado como a obra que transformaria a maneira de filmar as relações sexuais. A poderosa atuação de Marlon Brando e a repercussão do filme permitiram que Bertolucci desse um salto qualitativo em seus projetos.

    Novecento (1900), de 1976, é um dos filmes mais ambiciosos – em termos de produção e  estética – do cinema da época. Destaca-se pela participação de duas jovens estrelas de diferentes nacionalidades: Robert de Niro e Gerard Depardieu. Também apresenta um espírito lírico e épico e provocou uma disputa exacerbada entre os produtores e o cineasta, em torno da duração do filme, o que levou a versão comercial do filme a ser quase incompreensível.

    Em L'Ultimo Imperatore (O Último Imperador), de 1987, alcançou seu melhor relato político e Piccolo Buddha (O Pequeno Buda), em 1993, foi sua última grande produção.

    Nas últimas duas décadas, optou por um tom intimista e cotidiano, mas seus personagens permaneceram vinculados a contradições políticas e sexuais. Impregna sua obra com uma atitude crítica em relação aos problemas sociais, econômicos e políticos, construída através de uma linguagem poética que transcende certos códigos consagrados e habituais do cinema.

    O cinema de Bertolucci é considerado como um cinema “de classe” pela maior parte da crítica, pela inserção de uma realidade correspondente à do próprio autor. É uma obra que se realiza desde - e sobre - a burguesia, mas também para - e contra - a burguesia, segundo o crítico J. E. Monterde.

    Sua filmografia se caracteriza pela ambição de abordar múltiplos aspectos de cada tema, a partir de uma visão totalizadora sobre os temas tratados. No principio de sua carreira como diretor, não foram o comunismo, o fascismo ou o antifascismo os alvos de sua crítica, em filmes como Prima Della Rivoluzione (Antes da Revolução), de 1964, Il Conformista, de 1970 ou Strategia Del Ragno (A Estratégia da Aranha), também de 1970.

    Seus alvos foram os fracassos, a atitude de compromisso incerto e de sonhos não cumpridos, procedentes do mesmo tipo social: o jovem burguês protegido que, em um impulso de generosidade, em um acesso de lirismo ou pelo simples peso de sua condição, é arrastado para uma ação política que é incapaz de assumir.

    Em contraponto, explora a vergonha, a renúncia, os abandonos e as traições, temas relevantes e a tendência a compor personagens que se conectam com a tradição do pensamento marxista do século XX.

    A obra de Bertolucci, também, é marcada pela persistência na utilização do recurso do mito como mediador entre a sua intenção e o imaginário coletivo. Este aspecto é evidente, especialmente, nos três primeiros filmes, nos quais se revela a pretensão de integrar o pessoal, o específico e o concreto com o coletivo, o geral e o abstrato.
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     Amore e Rabbia (Amor e Raiva), de 1969, é um filme franco-italiano que reúne cinco diretores: Marco Bellochio, Bernardo Bertolucci, Jean-Luc Godard, Carlo Lizzani e Pier Paolo Pasolini. O segmento Agonia é dirigido por Bertolucci.
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    Il Conformista (O Conformista), de 1970, apresenta um professor de filosofia com inclinações fascistas, que estabelece contatos com o serviço secreto e está disposto a combinar sua iminente lua de mel em Paris com um atentado.
    Baseado na novela homônima de Alberto Moravia, o filme remete ao mito do fascismo como doença da burguesia, consequente com seu processo de decadência. É estruturado em torno do plano de assassinato de Quadri, um exilado político italiano, a partir do qual se articulam diversos flashbacks que contribuem para ampliar o contexto biográfico do protagonista.

    Trata-se de um personagem que traz consigo uma importante carga psicológica, projetada à infância e que oscila entre a sexualidade e o fascismo, levando-o a um desejo constante de integração em uma normalidade que é fruto da instabilidade produzida por seu conflito interno.

    Seu casamento com uma pequeno-burguesa, a rejeição de uma maternidade desnaturalizada, o referência do anticlericalismo retorico, a dupla moralidade característica da hipocrisia tradicional dessa classe, são alguns dos aspectos que Bertolucci introduz como representação das aspirações do protagonista para alcançar a “ordem” como suposta solução para todos os problemas.
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    Em Prima Della Rivoluzione (Antes da Revolução), de 1964, um jovem de vinte e dois anos é atraído pelo ideal revolucionário enquanto, na vida pessoal, mantém uma relação incestuosa com sua tia.
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    Partner, de 1968, narra a história de Jacob, um solitário professor de teatro que inventa uma versão mais extrovertida de si próprio, oposta ao seu caráter fechado e avesso às relações humanas. Tudo se passa no marco dos movimentos sociais de maio de 1968.
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    No filme La Commare Secca (A Morte), de 1970,  em um parque de Roma é descoberto o corpo de uma prostituta assassinada. A polícia detém os que passaram pelo local à noite e os interroga. As versões do ocorrido diferem e, inclusive, se contradizem abertamente. Todos, especialmente o assassino, têm algo a esconder.
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    Strategia Del Ragno (A Estratégia da Aranha), de 1970, narra a história de Athos Magnani, filho de um dos heróis da Resistência italiana que morreu, segundo conta a lenda, assassinado pelos fascistas em 1936. Magnani viaja de Milão para Tara, a cidade onde o pai viveu, a pedido de Draifa, uma das amantes do pai. Juntos tratam de desvelar o mistério oculto por detrás da morte do herói.

    O filme deixa entrever, de certa forma, o momento político e psicológico de seu realizador. Bertolucci, que parte do argumento de um conto de Jorge Luis Borges, reconhece que as configurações paternas são uma de suas maiores preocupações, enfrentando o Édipo, assim como Athos Magnani ao buscar aprofundar a investigação sobre como ocorreu a morte do pai.

    A Estratégia da Aranha se baseia no enfrentamento de gerações, inclusive político, entre um pai morto heroicamente lutando contra o fascismo e o filho, que tenta reconstruir sua memória. A história apresenta as intrigas da memória popular que se ocultam na espessura dos cenários e uma relação entre mito e história, evidente desde o momento em que é apresentado ao povo de Tara: ali a vida parece haver parado ou entrado em uma espécie de letargia.
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    Em La Tragedia di Un Uomo Ridicolo (A Tragédia de um Homem Ridículo), produção de 1970, o filho do proprietário de uma grande fábrica de queijos italiana é sequestrado, mas como a fábrica está à beira da falência, o pai idealiza um plano para investir o dinheiro do resgate para salvar seu negócio.
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    Em Ultimo Tango A Parigi (O Último Tango em Paris), de 1972, Jeanne é uma bela jovem parisiense em busca de um apartamento e Paul é um misterioso americano que ainda está de luto pelo recente suicídio da esposa. Os dois se envolvem em uma relação turbulenta, sem nunca revelarem seus nomes. Porém, a história tem um profundo impacto em ambos, ele pela dor que sente pela esposa morta, ela porque está prestes a se casar.

    No filme, a identidade é o pilar sobre o qual se articulam todos os temas. Bertolucci define uma situação na qual os protagonistas iniciam uma relação carente de identidade; é uma relação apenas sexual, cimentada, de certa forma, em seu próprio passado.

    A relação impossível do casal evidencia a crise do indivíduo e da sociedade em que se desenvolve. Colocou em cheque as consciências puritanas de vários países, inclusive no Brasil, entre 1972 e 1980.
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    Io Ballo Da Sola (Beleza Roubada), de 1976, trata de uma jovem americana que sofre um trauma terrível devido ao suicídio de sua mãe. Com a intenção de superar o trauma e esquecer o que ocorrera, viaja para a região italiana da Toscana. Ali descobre novos sentimentos, em companhia da família que a hospeda e encontra o amor.
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    Novecento (1900), de 1976, retrata Alfredo e Olmo, dois amigos de infância separados por sua posição social, que se encontram depois de adultos em bandos opostos, na grande luta de classes que marca a primeira metade do século XX na Itália.
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     La Luna, de 1979, narra a história de Caterina, uma famosa cantora de ópera americana que fica viúva e se vê forçada a levar seu filho em uma turnê pela Itália. A partir deste momento, entre a mãe e o filho inicia uma relação crescentemente incestuosa, ao mesmo tempo em que o jovem se introduz no mundo da heroína.
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    L'Ultimo Imperatore (O Último Imperador), de 1987, é uma superprodução que narra o nascimento de uma nova era para a China Imperial, durante 1908, através de Pu Yi, um menino de três anos, que é arrancado dos braços da mãe durante a noite e conduzido para a Cidade Proibida.
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    Em Piccolo Buddha (O Pequeno Buda), produção de 1993, um jovem casal de Seattle conhece um grupo de monges tibetanos que lhes afirmam que seu filho é a reencarnação de um Buda do Butão. Depois da incredulidade inicial, o casal e seu filho partem para o país asiático, onde encontram uma forma de vida e crenças que desconhecem. É uma fábula para a criança que todos levam dentro de si, mostrando ao Ocidente a experiência do budismo.
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    Em The Sheltering Sky (O Céu que nos protege), de 1993, Port Moresby e sua mulher Kit viajam em férias ao norte da África, entediados. Após dez anos, a convivência é difícil e na viagem buscam um motivo para continuarem juntos, algo que os reaproxime. Porém, como isso não ocorre, Kit começa uma aventura com um companheiro de viagem e Port se sente atraído por uma sensual mulher árabe. Cada vez mais penetrando no deserto, nenhum dos dois encontra alívio nem inspiração.
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    Em L’Assedio (Assédio), de 1998, Shandurai é uma jovem africana que foge de seu país quando o marido é preso pelos militares. Em Roma, trabalha como assistente de Mr. Kinsky, um professor de piano. Vive no sótão de sua casa, estudando medicina. Essa relação muda quando o pianista lhe confessa estar apaixonado por ela.
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    The Dreamers (Os Sonhadores), produzido em 2003, narra a vida de três jovens, dois irmãos gêmeos franceses e um amigo americano, em maio de 1968. Enquanto as ruas de Paris ardem com manifestações e revoltas, os jovens filosofam sobre a vida em um apartamento, sem saírem à rua, descobrindo-se a si mesmos através de jogos que conduzem ao erotismo, ao amor e a um estilo de vida diferente.
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    Triunfo do Amor, de 2003, conta a história de uma princesa que se apaixona perdidamente por seu maior inimigo, Agis, o legítimo herdeiro de seu trono. Vivendo no exilio, Agis convive com um filósofo e a irmã deste, que o educaram odiando a princesa. Determinada a conquistá-lo, a princesa viaja à sua vila, onde, armada com seu incomparável talento para o disfarce, tece uma intrincada rede de sedução que agita todas as paixões e toca a todos os corações.
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    Io e te (Eu e Você), de 2012, é inspirado na obra homônima escrita pelo italiano Niccolò Ammaniti e retrata a vida de Lorenzo, um jovem tímido e antissocial, que engana aos pais dizendo que fora a uma excursão com os colegas da escola, mas na verdade se escondera no sótão da própria casa. Bertolucci apresenta o diálogo secreto de Lorenzo com a meia-irmã Olívia, que inesperadamente entra no esconderijo do adolescente.

    Eu e Você estabelece uma dialética entre o dentro e o fora, o lugar de recolhimento, longe da vida cotidiana, de Lorenzo, e as experiências de Olívia, em uma intimidade que vai avançando, ainda que os dois estejam em estágios diferentes. No descobrimento dessa afinidade imprevista, que veicula o arquétipo do encontro de contrários em um local fechado, Lorenzo se nega a abrir-se para a vida, enquanto Olívia já viveu muito.


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