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quinta-feira, 23 de março de 2017

Da França que não é norte nem sul para falar do coração: Europa


Os ministros das Finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem, espanhol, Luis Guindos, e grego, Euclid Tsakalotos, em dezembro de 2015 em Bruxelas. Declarações de Dijsselbloem sobre países do Sul da Europa revelam a existência de diferentes perceções e divisões na esfera de uma UE que aparenta encontrar-se num impasse
A França partilha os defeitos que não estão separados pelos pontos cardeais - o contrário do que sugeriu esta semana Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo.
Viajemos pela atualidade para nos encontrarmos. François Fillon candidato presidencial francês e conservador foi acusado de ter dado empregos fictícios à mulher e a dois filhos, como assessores, pagos por dinheiro público. Abriu-se uma investigação judicial, Fillon foi indiciado e o escândalo marcou, a ponto de aquele que era considerado o próximo hóspede do palácio do Eliseu, não chegar provavelmente à segunda volta.
Logo se soube que a prática de Fillon não era exclusiva do seu campo político. Entre outros casos, Bruno Le Roux, o ministro socialista do Interior, no governo Hollande, demitiu-se esta semana por questão similar. E, no entanto, ainda há dias Le Roux dera uma lição a Fillon: "Não devia haver cônjuges a trabalhar para os deputados". Fórmula de má-fé, pois se o ministro socialista se demitiu não foi por ter empregado a mulher, é certo, arranjara, quando era deputado, emprego para as filhas no Parlamento, ainda eram elas estudantes do liceu, de 15 e 16 anos.
O caso dos empregos andava pelas revelações, quando outro affaire atingiu François Fillon: "um amigo" pagara-lhe dois fatos, num dos alfaiates mais reputados de Paris. Soube-se a seguir que as despesas vestimentares de Fillon, no mesmo alfaiate e pagas pelo mesmo benemérito, atingiam cerca de 50 mil euros. "Et alors?", disse Fillon. Um conciso "e então? que parece confrontar o espanto da classe política à cada vez maior perplexidade dos cidadãos com o comportamento dos seus eleitos.
Por ironia, ontem, Le Canard Enchainé, o mesmo jornal que revelara o caso Fillon, contou que o socialista Pierre Moscovici, ex-deputado e ex-ministro e atual comissário europeu, também teve um amigo a pagar-lhe fatos no tal alfaiate parisiense. Achou que tinha desculpas: "Não estou embaraçado porque no meu caso são verdadeiros presentes, dados por verdadeiros amigos e num verdadeiro caso privado."
Ora, o problema é que há zonas cinzentas na explicação: o amigo de Moscovici é um negociante de vinhos, antigo fornecedor do Eliseu (palácio presidencial) e de Matignon (palácio do primeiro-ministro). Como impedir a opinião pública de pensar que a oferta dos fatos esperava uma simpatia em futuros fornecimentos de champanhe? É a velha questão da mulher de César...
As dúvidas podem ser mais ou menos fundamentadas, mas todas são corroídas pela suspeição quando os políticos se permitem esticar a corda: o amigo que pagou os fatos ao candidato presidencial François Fillon foi Robert Bourgi. Quem? Um dos mais infrequentáveis homem de negócios franceses. Sucessor de Jacques Foccart, o histórico homem-sombra das ligações do regime gaullista (o campo de Fillon) com presidentes africanos. Em 2012, Bourgi organizou a visita de Fillon por vários países africanos francófonos, Senegal, Costa do Marfim... Os interesses franceses são legítimos, cultural e economicamente importantes em África. Mas apoiar-se em Robert Bourgi? Em 2011 ele deu uma entrevista ao Journal du Dimanche onde contou ter carregado malas com dezenas de milhões de euros, dados por presidentes africanos a Jacques Chirac (Fillon foi seu ministro) e a Dominique de Villepin (Fillon sucedeu-o como primeiro-ministro)... Aceitar uma gravata que seja de um tal personagem?
A atualidade política-judicial francesa, com uma opinião pública cada vez mais desconfiada, calha bem ser conhecida até por este facto geográfico e histórico: acontece num grande país, que não é norte nem sul da Europa, é dos dois. A França partilha os defeitos que não estão separados pelos pontos cardeais - o contrário do que sugeriu esta semana Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo. Mais do que instituição financeira que é, ela tem no nome símbolos: Euro e grupo. A unidade económica, política, histórica e cultural a que os dois termos aludem não se pode permitir deslizes irresponsáveis. Os tempos, oiçam os noticiários, não deixam.
As palavras de soberba de Trump para um país vizinho - "o muro vai ser feito, e os mexicanos nem sabem que eles é que vão pagá-lo" - não podem fazer escola na ideia Europa, que é todo o contrário disso. Ou, não sendo, deixa de ser Europa.


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