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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

E se a dívida não for o problema? - A Grécia já paga pouco sobre a sua dívida – 4% do seu PIB, 2,6% se considerarmos os reembolsos do BCE a que a Grécia tem direito (Portugal não).

E se a dívida não for o problema?


A vitória do Syriza ontem abre, sem dúvida, uma nova página no contexto político europeu. Os dados estão lançados e os termos da eventual negociação com a UE bem definidos. O Syriza clama por um perdão da dívida resultante de uma conferência europeia. A probabilidade de tal acontecer é muito reduzida, dada a posição alemã. No entanto, provavelmente esse não será um grande problema no curto prazo. A Grécia já paga pouco sobre a sua dívida – 4% do seu PIB, 2,6% se considerarmos os reembolsos do BCE a que a Grécia tem direito (Portugal não).Com a actual descida das taxas de juro, ainda pagará menos. Acresce que a UE estará disponível a alongar prazos e a descer a taxa de juro ligeiramente nos empréstimos bilaterais, provavelmente substituindo-os por empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Tais dados apontam por isso para um serviço de dívida muito baixo no curto-prazo, dando alguma margem de manobra orçamental ao novo governo. O Syriza poderá pois deixar de lado a sua exigência, com o argumento da espera por futuras transformações políticas noutros países europeus que fortaleçam esta posição. Isto quererá dizer que a dívida passa a ser sustentável? Não. Este baixo serviço da dívida deve-se em parte à moratória sobre o pagamento de taxas de juro durante dez anos e às baixas taxas de juro praticadas nos mercados. Não é credível que este cenário se mantenha no médio e longo prazos. Qualquer pequena mudança na taxa de juro de mercado implicará um salto no custo da dívida grega, dado o seu tamanho. A dependência do financiamento da EU permitirá a esta um controlo apertado sobre os destinos gregos indefinidamente no tempo.

Mas os verdadeiros problemas que se colocam ao Syriza dizem sobretudo respeito à sua política orçamental. O seu ambicioso plano de relançamento da economia, em torno de 6% do PIB, financiado pelos fundos estruturais europeus e pelo combate à fuga ao fisco, se possível, será muito dificilmente neutro do ponto de vista orçamental. Ora, não é de todo credível que a UE esteja disposta a financiar e fechar os olhos ao agravamento do défice. A única margem de manobra tolerada é a da poupança nos juros atrás assinalada. O confronto tornar-se-á inevitável. Acresce a vontade do Syriza em parar e reverter com as famosas reformas estruturais, nomeadamente no mercado laboral, pondo em causa a "desvalorização interna" desejada pela UE. E aqui chegados, tocamos no ponto essencial dos desafios que se colocam. Com uma “valorização interna” seria possível à Grécia recuperar algum crescimento económico, mas na ausência de política industrial, comercial ou cambial (proibidas pela UE), tal valorização traduzir-se-ia num retorno aos défices externos e à dinâmica de endividamento já que a estrutura da economia seria pouco alterada.

A UE irá fornecer alguma margem de manobra ao Syriza, que poderá ser ampliada se o ataque à oligarquia grega for bem-sucedido. No entanto, ele será insuficiente para qualquer recuperação económica robusta que faça cair o desemprego. O Syriza terá pois que optar, muito rapidamente, entre a vitória de Pirro que a UE lhe oferece ou levar o confronto até às últimas consequências, saindo do euro. Não acho que qualquer dos resultados esteja escrito nas estrelas. Tudo dependerá da correlação de forças sociais interna e da capacidade da mobilização popular influenciar este governo, eleito graças a ela. O que não é opção é esperar por uma qualquer mudança externa na Europa. Ela estará mais dependente da acção do governo grego do que o contrário.


ladroesdebicicletas.blogspot.pt

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