Entrevista com Yanis Varoufakis, ministro das Finanças do Governo do Syriza
Nesta entrevista, para o público falante de alemão, dada a Johanna Jaufer da cadeia pública austríaca ORF, Varoufakis afirma: “A Europa não aprendeu com as lições da história e, enquanto não mudarmos de rumo, é altamente improvável que consigamos manter o conjunto da união”.
27 de Janeiro, 2015
Yanis Varoufakis, ministro das Finanças do Governo do Syriza
Yanis Varoufakis é o ministro das Finanças do governo grego do Syriza. É um reconhecido economista greco-australiano, professor na Universidade do Texas e na Universidade de Atenas. Em março de 2014, foi um dos 74 economistas de 20 países que assinaram o manifesto internacional que apelou à reestruturação da dívida portuguesa e apoiou o manifesto das 70 personalidades portuguesas.
Você é há três semanas político profissional…
Duas semanas.
Teve que pensar muito? No seu blogue escreveu também que a decisão lhe dava pânico.
Foi uma decisão grave. Porque eu entro na política para realizar uma tarefa que sempre pensei que tinha que levar a cabo, e era-me dada a oportunidade de meter mãos à obra. Tem a ver com as negociações entre a Grécia e a União Europeia, em caso de vitória do Syriza: trata-se de um projeto e de uma perspetiva extremamente difíceis. Por outro lado, eu sou um académico, sou um cidadão, um cidadão ativo, de maneira que estou habituado a um tipo de diálogo em que o que se trata é que eu aprenda realmente consigo e você comigo: teremos desacordos, mas através desses desacordos, os nossos respetivos pontos de vista enriquecer-se-ão.
Não se trata de alguém se impor a outro…
Exato. Mas na política é pior: cada parte tenta destruir a outra parte – perante o público -, e isso é algo que me é alheio, algo que de nenhuma forma estou disposto a fazer.
E o que acontece com o seu trabalho na universidade? Fica suspenso?
Sim, efetivamente. Deixei a Universidade do Texas. Mantenho a minha cátedra na Universidade de Atenas – sem pagamento -, e espero que não passe muito tempo até regressar.
Está disposto a permanecer num governo por mais tempo?
Não. Não desejo fazer carreira política. Idealmente, o que quereria é que outra pessoa fizesse isto, e que o fizesse melhor que eu. Só que esta era a única forma de fazer algo que não poderia fazer de outro modo. Não sou um profeta, de modo que não lhe posso dizer onde estarei daqui a dois, três, cinco ou dez anos. Mas se me pergunta agora, o ótimo para mim seria que o nosso governo tivesse sucesso na renegociação de um acordo com a Europa que tornasse a Grécia sustentável, e que depois outras pessoas viriam, já se sabe… o poder deve ser rotativo, ninguém deveria prender-se a ele.
Algo que foi divulgado várias vezes na Alemanha e na Áustria é o assunto das reparações de guerra, porque a Alemanha se esquivou a pagar reparações propriamente ditas depois da II Guerra Mundial. Na sua opinião, por que aconteceu isso? Talvez porque alegaram que a Alemanha se encontrava dividida, e esperavam uma reunificação? Ou foi porque os norte-americanos alegaram que precisavam de uma Alemanha capaz de albergar as suas bases militares, o que deixava pendurados os reclamantes? Ou foi uma combinação de ambas as coisas?
Foi uma combinação. Nos anos 40, os Aliados tinham decidido converter de novo a Alemanha num país camponês. Propuseram o desmantelamento de 700 fábricas, e foram os norte-americanos que travaram esse plano. De maneira que, sim, destruíram 700, mas depois mudaram de ideias. Mudaram por razões que têm a ver com o modo como os EUA estavam a desenhar o capitalismo global: precisavam de uma moeda forte na Europa e de uma moeda forte na Ásia (que acabaram por ser o marco alemão e o iene japonês), e todo o projeto da União Europeia se construiu em torno desse plano. Na Europa nós gostamos de pensar que a União Europeia foi uma criação nossa. Não foi. Foi um desenho norte-americano que depois nós adotamos e que, certamente, era congruente com o que desejávamos, com as nossas aspirações. Parte desse desenho passava por estimular a economia alemã, tirá-la da depressão, tirá-la do poço em que se encontrava nos anos 40, e uma componente importante de qualquer tentativa de revigorar uma economia passa por aliviar a sua dívida, por um corte importante da dívida, pelo perdão de dívida. Assim, em 1953 foi organizada a Conferência da Dívida em Londres, da qual resultou um violento corte da dívida alemã em prejuízo de muitas nações, entre as quais a Grécia. Mas a Grécia é um caso especial, porque a Alemanha tinha contraído com ela uma dívida que não tinha com nenhuma outra nação: em 1943, a Kommandatur aqui, em Atenas, impôs ao Banco da Grécia um acordo pelo qual este banco imprimiria um montão de dracmas – dracmas de guerra— e fornecê-lo-ia às autoridades alemãs para que estas pudessem comprar material, financiar os seus esforços de guerra e acumular bens agrícolas para a Wehrmacht, etc. O interessante é que as autoridades alemãs assinaram um contrato: deixaram por escrito o montante de dinheiro que tomavam como empréstimo. Prometeram pagar juros. Foi, por conseguinte, um empréstimo formal. Os documentos existem ainda e encontram-se em poder do Banco (Central) da Grécia. Em nenhum outro país aconteceu algo parecido. De modo que isto é como uma dívida oficial, como um título, contraído com a Grécia em tempo de guerra pelo estado nazi alemão.
Pode dar números exatos?
Números exatos. Será escusado dizer que a dificuldade está em traduzir essa moeda de guerra, que muito rapidamente foi absolutamente inflacionada por causa da quantidade de dracmas imprimidos. As autoridades alemãs, ao aceitar esse empréstimo do Banco da Grécia e ao fazerem compras, desvalorizaram a moeda, o que teve enormes custos sociais secundários em toda a Grécia. É muito difícil calcular exatamente em quanto se traduz esse empréstimo em termos atuais, como se compõe o juro, como se converte, como se calcula o custo da hiperinflação causada… O meu ponto de vista é que somos parceiros; deveríamos deixar-nos de moralismos, deveríamos deixar de apontar-nos mutuamente com o dedo. A teoria económica bíblica – “olho por olho, dente por dente” - deixa todo o mundo cego e desdentado. Deveríamos, simplesmente, sentar-nos com o mesmo espírito com que os EUA se sentaram em 1953, sem levantar questões como: “os alemães merecem o castigo?”, “é culpa ou é pecado?”. Já sei que em alemão os dois conceitos - “culpa” e “dívida” - se expressam com a mesma palavra (Schuld), antónima de crédito. Deveríamos limitar-nos a levantar esta simples questão: como podemos voltar a tornar sustentável a economia social grega de modo que os custos da crise grega sejam minimizados para o alemão médio, para o austríaco médio, para o europeu médio.
Por que é que muitas pessoas da Europa setentrional não temeram que os cortes nos direitos laborais nos anos 90 pudessem ser presságio do mesmo tipo de coisas que agora estão a ocorrer aqui (na Grécia)?
Acho que tudo é culpa de Esopo. A sua fábula da formiga e da cigarra: a formiga trabalha duro, não desfruta da vida, guarda dinheiro (ou valor), enquanto a cigarra se limita a descansar ao sol, a cantar e a não fazer nada, e depois vem o inverno e põe cada uma no seu lugar. É uma boa fábula: desgraçadamente, na Europa predomina a estranhíssima ideia de que todas as cigarras vivem no Sul e todas as formigas no Norte. Quando, na realidade, o que há são formigas e cigarras em todo o lado. O que aconteceu antes da crise - é a minha revisão da fábula de Esopo— é que as cigarras do Norte e as cigarras do Sul, banqueiros do Norte e banqueiros do Sul, por exemplo, se aliaram para criar uma bolha, uma bolha financeira que os enriqueceu enormemente, permitindo-lhes cantar e descansar ao sol, enquanto as formigas do Norte e do Sul trabalhavam, em condições cada vez mais difíceis, até nos tempos bons: conseguir que as contas quadrassem em 2003, em 2004, não foi nada fácil para as formigas do Norte e do Sul; e depois, quando a bolha, que as cigarras do Norte e as cigarras do Sul tinham criado, estoirou, as cigarras do Norte e do Sul puseram-se de acordo e decidiram que a culpa era das formigas do Norte e das formigas do Sul. A melhor forma de fazer isso era confrontar as formigas do Norte com as formigas do Sul, contando-lhes que no Sul só viviam cigarras. Assim, a União Europa começou a fragmentar-se, e o alemão médio odeia o grego médio, o grego médio odeia o alemão médio. Não tardará que o alemão médio odiará o alemão médio, e o grego médio odiará o grego médio.
Isso já começou, não?
Sim, já se vê. E é exatamente o que ocorreu nos anos 30, e Karl Marx estava completamente equivocado quando disse que a história se repete como farsa. Aqui a história repete-se, simplesmente.
No tocante à decisão do Sr. Draghi de inundar o mercado com biliões de euros, vi que você disse que isso é como usar uma pistola de água num incêndio florestal.
Acho que o Sr. Draghi tem boas intenções. Quer manter unida a zona euro, e é muito competente. Faz o que pode, dadas as restrições que tem. Não tenho a menor dúvida - ainda que ele nunca o admita - de que entende cabalmente que o que está a fazer é demasiado pouco e demasiado tarde: uma pistola de água perante um grande incêndio florestal. Mas ele acha que até uma pistola de água é melhor que nada. Se se declarou um incêndio, ele preferiria servir-se de um canhão de água, e teria preferido começar a usá-lo antes, mas não era permitido porque na Europa temos uma Carta do BCE que o ata de pés e mãos e o lança perante o monstro da deflação, o que é muito injusto para o BCE. E assim será enquanto a Europa não compreender o que é imperiosamente necessário do ponto de vista económico para sustentar uma união monetária, enquanto não entender por que se dá toda esta fragmentação e a crescente renacionalização de tudo, incluída agora a flexibilização quantitativa do senhor Draghi (80% das compras de títulos serão realizadas pelos Bancos Centrais nacionais, como se estes existissem separadamente do BCE). Porque essa fragmentação e essa renacionalização é exatamente o oposto do que deveríamos estar a fazer, apoiar, consolidar. Como se formaram os EUA? Pois, porque cada vez que tinham uma crise - a Guerra Civil, a Grande Depressão - avançavam na sua união. Nós dizemos que estamos a fazer isso com as “uniões bancárias”, com os “Mecanismos Europeus de Estabilização”, mas não é verdade. Criámos uma união bancária que não é uma união bancária, é uma desunião bancária, e chamamo-la, à maneira orwelliana, “união bancária”. A Europa não aprendeu com as lições da história , e enquanto não mudarmos de rumo, é altamente improvável que consigamos manter o conjunto da união.
A propósito dos planos do Syriza para revitalizar a indústria na Grécia, Theodoros Paraskevopoulos disse que se trata também de recuperar as dimensões do setor farmacêutico na Grécia, porque tem uma boa base. Como é isso?
Ao que sei, por alguma razão, temos boas empresas farmacêuticas que têm exportações sólidas. Precisamos ajudá-las e precisamos criar indústrias assim também noutros setores.
Por exemplo?
Acho que temos excelentes programadores informáticos e engenheiros de software, de modo que deveríamos fazer algo parecido ao que fez Israel. Criar uma rede de pequenas empresas emergentes orientadas internacionalmente para a exportação. Se algumas delas acabarem por ser compradas pela Google, etc., não é uma má coisa. É o tipo de coisas que deveríamos ensaiar e apoiar, se podermos.
Se pusermos a questão de que fazer para atrair investidores estrangeiros para a Grécia, há alguma ideia parecida com parcerias público-privadas, algo que nos países da Europa setentrional tem dado muitos problemas?
Eu não sou partidário das parcerias público-privadas. Onde essas associações foram ensaiadas, acabaram sempre por drenar recursos do estado sem produzir nenhum valor acrescentado significativo. Normalmente, foram exercícios de corte de custos, e no final, sem o menor efeito de desenvolvimento. O que eu acho é que devemos tender para o desenvolvimento de ativos públicos já existentes sem os vender - mesmo agora estamos a liquidar e a vender simplesmente para angariar receitas -, de modo que o dinheiro do setor privado, os fundos de investimentos, possam vir e contribuir para o desenvolvimento de forma mutuamente benéfica. É um tipo de empreendimento público-privado, mas não ao estilo do que se ensaiou na Grã-Bretanha e noutros lugares.
Voltando à discussão do memorando: entre que fatores acha que a Sra. Merkel está condicionada?
Acho que a Alemanha está dividida. Os interesses da banca em Frankfurt não são os mesmos que os da banca média, tal como os interesses das pequenas e médias empresas na Alemanha central não são os mesmos que os da Siemens e da Volkswagen, etc. É muito diferente ter a capacidade produtiva exclusivamente localizada na Alemanha, como as empresas pequenas e médias, ou estar mergulhado na globalização e ter fábricas na China e no México. E a Sra. Merkel é uma política astuta que se preocupa - ou pensa precaver-se - de que haja consenso entre esses interesses sobre o que há que fazer com o euro, com o nosso Banco Central, com a periferia, etc. A Sra. Merkel, simplesmente, não moverá qualquer peça até que haja um consenso que lhe garanta a sobrevivência política.
Mas esse consenso não é possível.
Bom, repare, por exemplo, o que se passou em 2012 com o anúncio unilateral por parte do Sr. Draghi das Operações Monetárias sobre Títulos, ou mesmo ontem, com a Flexibilização Quantitativa. Verá que, quando começam a ouvir-se vozes que dizem: “olhem, rapazes, que a deflação nos está a matar, há que fazer algo”, então a Sra. Merkel pode servir-se dessas vozes para dizer: “apoiarei o Sr. Draghi, façam o que fizerem”. Por conseguinte, não é um consenso-consenso, mas ela está a calibrar as movediças placas tectónicas sob os seus pés. E o modo como o faz é muito astuto. Eu convidá-la-ia a pensar no seu legado para além da mera sobrevivência, e gostaria que considerasse a possibilidade de que daqui a 10, 20, 100 anos, a Europa pudesse falar não só de um plano Marshall que salvou a Alemanha, mas também de um plano Merkel que salvou o Euro.
Artigo traduzido para espanhol sinpermiso.info por Estrella Mínima e para português por Carlos Santos para esquerda.net
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