AFINAL A CULPA NÃO ERA DO CONTABILISTA
Caso BES tem de ser investigado pela PGR e pelo reguladores. Os precedentes do BCP, do BPN e do BPP a isso obrigam
Falar do Banco Espírito Santo (BES) e do grupo construído à sua sombra não é a mesma coisa que falar do BPN, do BPP ou até mesmo do BCP - nenhum destes três tinham a dimensão histórica, económica e política que a família Espírito Santo comporta. Falar do BES é falar de uma estrutura empresarial com mais de 140 anos, que atravessou com sucesso a monarquia, a I República, o Estado Novo, as nacionalizações do 25 de Abril, as privatizações e a entrada no euro. É falar de um banco que conseguiu ganhar laços profundos com a ditadura mas também com a democracia, com que fez as pazes nos anos 90. É falar de um grupo cuja rede de contactos e influência atinge todos os sectores relevantes da sociedade portuguesa.
Além da influência do grupo do BES, vivemos um período de recuperação económica frágil, em que aquilo que o governo menos precisa é de nacionalizar ou intervir num dos cinco maiores bancos nacionais.
Compreende-se por isso o silêncio cauteloso com que as autoridades receberam ontem as revelações bombásticas do contabilista do GES chamado Machado da Cruz. E o que disse? Que o presidente Ricardo Salgado, o controller José Castella e os administradores José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo Silva sabiam que as contas da Espírito Santo Internacional (ESI), holding de controlo do sector financeiro e não financeiro do Grupo Espírito Santo, não reflectem a situação real da sociedade desde 2008. Dito de outra forma: que as contas de uma holding que está tecnicamente falida e tem um buraco de 1,3 mil milhões de euros são falsificadas há mais de seis anos.
Face a tais acusações (que os administradores José Manuel e Manuel Fernando Espírito Santo negam), as cautelas políticas passam a perder algum sentido - estas só tiveram lógica enquanto os pormenores foram apenas do conhecimento de Passos Coelho, Carlos Costa ou Carlos Tavares. A partir do momento em que o descalabro do GES está na praça pública e Ricardo Salgado é acusado preto no branco de autorizar a falsificação das contas do banco, impõe-se uma intervenção pública da Procuradoria-Geral da República, do Banco de Portugal e da Comissão de Mercados de Valores Mobiliário. É importante que os cidadãos em geral, e os accionistas e depositantes do BES em particular, saibam que as autoridades estão a defender os seus interesses e a defender a legalidade da República. Ricardo Salgado pode ter sido o homem mais poderoso do país nos últimos 20 anos, mas os precedentes de Jardim Gonçalves no BCP (ou de Oliveira Costa no BPP e João Rendeiro no BPP) obrigam as autoridades a agir.
Se não for possível investigar devido a conflitos jurisdicionais com o Luxemburgo (país onde a ESI tem sede social), isso deve ser explicado com a maior das transparências.
Uma intervenção desta natureza, e a saída rápida de Ricardo Salgado, pode ajudar a pacificar a autêntica guerra civil que reina na família Espírito Santo - condição sine qua non da repetição do sucesso do aumento de capital desta semana nas restantes operações de reestruturação que faltam.
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