Os ciganos
O recente episódio da criança supostamente raptada por uma família de ciganos gregos veio, de novo, relançar, agora a nível mundial, o problema dos ciganos e da sua integração ou desintegração nas comunidades envolventes. O jornal “The New York Times”, no passado dia 19 de Outubro, fez uma reportagem sobre esta questão num artigo polémico intitulado “Os ciganos são primitivos ou só pobres” (“Are the Roma Primitive or Just Poor?”). O artigo começa por narrar episódios onde ciganos surgem como criminosos, ladrões, manipuladores de crianças e, até, como raptores e questiona se alguma vez se conseguirão integrar na sociedade ocidental.
Se fizermos um inquérito em Portugal ou em S.Brás de Alportel sobre o que os cidadãos pensam dos ciganos, não haverá dúvidas que as respostas serão maioritariamente negativas. E tal sucede não só por uma questão de discriminação racial mas sobretudo por episódios concretos onde todos directa ou indirectamente já se viram envolvidos ou tiveram conhecimento. A ideia generalizada é que os ciganos, com origem na India e actualmente estimados em cerca de 11 milhões, são um povo que não gosta de trabalhar e vive da burla e da apropriação do património de terceiros, através de pedinchice, burlas, mentiras e até roubos. Em Portugal, entre outras, acusa-se este povo de recorrer abusiva, reiterada e deliberadamente ao rendimento social de inserção, além do roubo de metais ou alfarrobas. Isto entre muitas outras coisas.
Tem-se também a ideia que as crianças ciganas não frequentam a escola ou, se o fazem, têm um aproveitamento muito baixo, que muitos ciganos passam o dia sem fazer nada e que se esforçam com vista à sua inclusão profissional ou económica e ainda que a maioria não cuida da sua higiene pessoal. Também é certo que algumas das tradições ancestrais do povo cigano não ajudam à sua integração social e económica. No outro dia, um cigano pedía-me uma esmola para si e para a sua família numerosa e dizia-me que, por o seu pai ter morrido, não podia trabalhar durante cerca de 2 anos até completar o seu luto, o que, em tempos de crise, não deixa de chocar.
Porém, penso que não devemos tomar o todo pelas partes. Há muitos ciganos que, mantendo o respeito pelas suas tradições, estão relativamente bem integrados, têm uma apresentação e higiene bastante razoável, senão mesmo,normal e vivem do seu trabalho honesto. O problema é que fica-se com a ideia que estes são apenas a excepção que confirma a regra.
Mas, se olharmos com melhor atenção, podemos concluir também que alguns dos hábitos do povo cigano são claramente um contributo para a actual sociedade decadente dos nossos dias. Destes contributos, destaco 3: (1) O seu conceito de família, sólido, onde há uma inter-ajuda e sentido de unidade quer no interior da família, quer entre famílias (V.g. Quando alguém nasce, vai a família toda para o hospital; quando alguém morre, toda a família vai e fica no cemitério, por vezes, durante vários dias; quando alguém é julgado ou preso, toda a família está presente para mostrar a sua solidariedade). Isto pode ser um grande exemplo para a nossa sociedade que abandona idosos em lares e onde as taxas de divórcio se mantêm altas. (2) A sua relação descomplexada com a natureza e o desprendimento de luxos e bens de segunda e terceira necessidade. Por fim, (3) o respeito pelas tradições, simbolos de um passado que se torna presente e que tem por quase sagrado o papel e a função dos antepassados e ascendentes. Também isto se perdeu por completo na cultura ocidental onde tudo é relativo e opinativo e perdeu-se completamente o sentido da memória.
Acredito, pois, na integração entre a comunidade cigana e a sociedade onde se insere e penso que S.Brás de Alportel é um bom exemplo dessa integração, mas também reconheço que ainda muito caminho a percorrer e cada um tem que respeitar e inevitavelmente adaptar-se um pouco ao outro.
O meu artigo de Novembro do mensário "Notícias de S.Brás" Miguel Reis Cunha
O meu artigo de Novembro do mensário "Notícias de S.Brás" Miguel Reis Cunha
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