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sábado, 16 de novembro de 2013

João César Monteiro "nunca permitiria" leitura de textos por políticos Carta aberta no PÚBLICO contra evento em que Poiares Maduro lerá no festival de Paulo Branco textos do realizador. O produtor não comenta polémica.

João César Monteiro "nunca permitiria" leitura de textos por políticos

Carta aberta no PÚBLICO contra evento em que Poiares Maduro lerá no festival de Paulo Branco textos do realizador. O produtor não comenta polémica.
A carta aberta que reúne nomes como Manoel de Oliveira, Herberto Helder, José Mário Branco, Pedro Tamen ou Maria Velho da Costa contra a leitura feita por políticos, entre os quais o ministro Poiares Maduro, de textos do realizador João César Monteiro no Lisbon & Estoril Film Festival, “é um manifesto de indignação pela falta de escrúpulos”, disse esta sexta-feira ao PÚBLICO a realizadora Margarida Gil, uma das signatárias do texto. César Monteiro “nunca permitiria uma coisa destas e não está cá para se defender”, disse.Publicada esta sexta-feira no PÚBLICO, a carta aberta insurge-se contra o evento programado para as 17h de sábado no âmbito do festival organizado pelo produtor Paulo Branco em que o ministro do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, a deputada Isabel Moreira, a psicóloga Joana Amaral Dias, o arquitecto Manuel Graça Dias, o escritor Jorge Vaz de Carvalho ou a actriz Alexandra Lencastre vão ler textos do realizador João César Monteiro.
Paulo Branco, que produziu César Monteiro (1939-2003) emBranca de Neve ou As Bodas de Deus, é o destinatário da carta aberta que acusa o produtor de não ter pedido autorização para a leitura daqueles textos no evento Leitores Improváveis ao filho do icónico realizador português, João Pedro Monteiro Gil – que, com a mãe Margarida Gil, é também signatário da mensagem. Na carta fala-se em “desfaçatez” e lamenta-se o “abuso puro e duro” que é “branquear, neutralizar, festivalar o furor interventivo, manifestamente Anti-Sistema, do cineasta, assim posto à mercê de tais canibais homenageantes”. Paulo Branco, contactado esta manhã pelo PÚBLICO, não quis prestar declarações.

A deputada socialista Isabel Moreira confirmou esta manhã ao PÚBLICO que estará presente na leitura de sábado. Questionada sobre a polémica em torno da leitura destes textos por agentes políticos, Moreira responde: "Não estou amputada dos meus direitos cívicos por ser deputada. Leria um texto do João César Monteiro há dez anos". E a perita em direito constitucional contextualiza - "a escrita tem um papel central na minha vida, é o que me define mais, e sobretudo a escrita insubordinada. Os escritores que leio são todos insubordinados. Há evidentemente uma empatia entre a minha forma de ver a escrita e o facto de ser o João César Monteiro, com textos altamente insubordinados, nomeadamente a contestar a política cultural" e que hoje devem ser relidos.
O realizador Joaquim Pinto (premiado este ano em vários festivais pelo seu filme E Agora? Lembra-me) foi produtor de João César Monteiro em Recordações da Casa Amarela e subscreve o teor desta carta aberta no que toca a questões de direitos autorais: "Não faz sentido sem contactar as pessoas que têm os direitos". Ressalva, no entanto, que "é importante sublinhar que o trabalho e os textos do João César são incorruptíveis pelos poderes. Ser lido por esta ou outra pessoa em qualquer contexto não tem grande importância", diz. "Não altera o que quer que seja em relação à obra do João César", considera, e apesar de lhe parecer "curioso" que seja o ministro Poiares Maduro a ler um dos textos, "não me parece que corresponda a nenhuma manobra de aproveitamento".
Margarida Gil, ao telefone com o PÚBLICO na manhã desta sexta-feira, explicou que além desta carta aberta enviou também uma carta pessoal ao produtor Paulo Branco em que expressava o seu descontentamento pela iniciativa “que o João César nunca permitiria. E Paulo Branco devia saber isso muito bem”.
Descontentamento com política para o audiovisual
O evento Leitores Improváveis está agendado para sábado, às 17h, no Museu de História Natural no âmbito do Lisbon & Estoril Film Festival. Estava prevista no site oficial do festival a leitura pelo ministro Poiares Maduro de uma carta de João César, informação que agora surge em branco. A carta do realizador data de Maio de 1993 e nela Monteiro declara ao então Instituto do Cinema Português (actual Instituto do Cinema e do Audiovisual) nada querer ter a ver com o cinema português, proibindo a exibição de dois filmes seus num festival.
“Não ponho de lado que tenha havido uma intenção de fazer uma homenagem”, ressalva, “mas pôr um ministro, um governante, a ler um texto do João César é desfavorecer e desprezar ainda mais o cinema em Portugal. Quem é que beneficia com isso?”, pergunta, lembrando que Poiares Maduro “é um dos responsáveis por esta política” para o audiovisual que motiva o seu descontentamento.
Reconfortada com o eco de indignação que está a encontrar nas redes sociais, Margarida Gil – que é também presidente da Associação Portuguesa de Realizadores – adianta que, não pretendendo a família accionar legalmente Paulo Branco pela iniciativa, “a obra escrita total de João César Monteiro – guiões, textos e outros escritos – está já a ser coligida, por ordem cronológica”, para uma edição ainda sem data pela Letra Livre em colaboração com a Homem do Saco, além da reedição dos textos já publicados. O filho de João César Monteiro, João Pedro Monteiro Gil, terá decidido que as receitas provenientes da venda dessas futuras obras reverterão a favor da recuperação dos negativos dos filmes do pai.
Ana Isabel Strindberg, companheira de anos de João César Monteiro e sua assistente de realização, disse ao PÚBLICO estar "absolutamente indignada e entristecida que um festival como este, dirigido por Paulo Branco, que foi produtor do João César Monteiro, não se preocupe com os filmes" do realizador e se foque sim nos seus textos. Strindberg, que na última edição do Festival Cortex de curtas-metragens organizou a retrospectiva das curtas do realizador, frisou que "a melhor forma de homenagear um cineasta é exibir os seus filmes em boas condições". Restaurados, algo que, considera, urge fazer dado o estado em que se encontram as cópias existentes, quer as dos filmes produzidos por Branco (e vendidos à ZON) quer as dos títulos produzidos pela RTP.

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