SHOTGUNS, ROTTWEILLERS E GÁS PIMENTAby J. Vasco |
Há uma violência de que nunca se fala: a violência exercida sobre os piquetes de greve.
Ela dá-se pela calada da noite e pela madrugada fora, enquanto muitos dormem os seus soninhos de anjo e outros projectam em blogs e afins a «revolução sem burocratas» que virá. Ela exerce-se impunemente longe das câmaras de televisão e do olhar atento de comentadores e analistas. Percebe-se porquê. Ela recai sobre essa coisa pouco interessante, a classe trabalhadora, que alguns garantiam que já não existia, que «os critérios jornalísticos» não cobrem e que o bom filisteu despreza e odeia. Pior: nos piquetes encontram-se os mais desprezíveis elementos da classe trabalhadora: os sindicalizados. Assim sendo, como pode esta violência incomodar o bom coração que vive em paz com a sua consciência?
Na Vimeca, a carga a quatro tempos sobre o piquete impediu-o de contactar os trabalhadores, que é o seu objectivo, previsto de resto na própria lei. Na primeira investida policial, a chefe da PSP Célia Gomes (a senhora fez questão de anunciar ao piquete que não era uma «simples agente», mas sim uma «chefe») ripa do seu cacetete e, envergando-o ao contrário, desfere com a zona metálica do punho um golpe na cabeça de um jovem elemento do piquete de greve. Foi chamada uma ambulância ao local, o jovem dirigiu-se ao hospital para receber tratamento e apresentou queixa da agente da polícia. Há um tempo, no Chiado, um gesto idêntico fez cair uma jornalista por terra. Nessa ocasião, um coro de indignação fez-se sentir - e bem. Mas quando a repressão sobre os piquetes acontece - tudo tranquilo.
Depois de mais três cargas (uma delas atingiu também o deputado Bruno Dias, do PCP), o piquete de greve não esmoreceu e acabou por se sentar em frente do portão das instalações da Vimeca. A linha policial aí formada continuava a impedir o contacto com os trabalhadores da empresa.
Foram então chamados reforços. Um piquete de cerca de 50 pessoas foi brindado com 10 carrinhas do corpo de intervenção cheias de robotcops e rottweillers. Havia snippers empunhando shotguns. Este dispositivo impressionante para um grupo de 50 pessoas é eloquente e fala por si. Na manifestação de 15 de Setembro - a dos abraços à polícia -, para uma Avenida de Berna a abarrotar e uma Praça de Espanha bem compostinha havia 6 carrinhas destas. O que é que incomoda a sério o sistema?
O piquete foi cercado por todos os lados e, presa de tão violento aparato, obrigado, contra a lei, a desmobilizar. Concertados com os patrões da Vimeca, os membros do corpo de intervenção, de shotgun em punho e rottweillers pela trela, fizeram escoar a saída de autocarros por um portão dos fundos das instalações da empresa. A lei foi abertamente violada, mas o domínio do capital escorreitamente garantido. É o que interessa. A negociata precisa de ser salva. (Há duas semanas, registe-se, já tinha acontecido isto).
Por fim, um dos membros do corpo de intervenção, quando as pessoas já se encontravam nas respectivas viaturas para abandonar o local, saca de um frasquinho de gás pimenta e despeja-o sobre os olhos de um jovem que tinha integrado o piquete de greve. Sem qualquer explicação. Furtou-se a ser identificado, mas a presença de um advogado da CGTP obrigou a que o chefe da força policial facultasse o nome do herói.
Ontem, este tipo de situações, com maior ou menor variação, repetiu-se de norte a sul (na Pampilhosa, por exemplo, o piquete de greve foi recebido a tiro pela GNR; num dos piquetes da Carris, um trabalhador foi detido pela polícia, etc, etc, etc). Poucos parecem interessados nisto. Mas é todo este conjunto de ameaças, perigos e obstáculos que os trabalhadores, quando se levantam numa luta, têm de enfrentar. Ameças, perigos e obstáculos silenciados por uns e ignorados por muitos. A greve geral de 14 de Novembro foi um enorme momento de luta dos trabalhadores. A sua coragem, abnegação e capacidade de organização foram decisivas. Outros momentos, mais fortes ainda, se seguirão.
Sem comentários:
Enviar um comentário