Quase no final da encenação que se deu pelo nome de “discussão do Orçamento do Estado para 2012”, lá decidiu o Governo dar ares de grande misericórdia, concedendo mais umas migalhas aos mais pobres dos funcionários públicos e pensionistas e recuando na intenção genocida de elevar à taxa máxima o IVA para os espectáculos culturais.
O epílogo da estória, curiosamente, já se conhecia antecipadamente. Como era óbvio os partidos da maioria votariam a favor, tal como PCP, BE e Verdes votariam contra; faltava compreender as razões para a pré-anunciada abstenção do PS e, mais até, como seria dirimida a questão do ponto de vista discursivo perante o país.Quais os objectivos que nortearam estes passes de mágica dos recuos minimalistas de um orçamento “sem folgas”, como apregoaram Passos Coelho e Victor Gaspar aquando da apresentação da proposta de orçamento ao país?
Primeiro. Mostrar a “magnanimidade” governamental, dando prova da sua disposição para “atender aos sinais” que lhe chegavam da sociedade. E, coerentes para com a sua preocupação com os pobrezinhos, lá ensaiaram um brilharete, num gesto tão comum em encenações políticas. Um exercício de autoridade mascarado de negociação, obviamente preparado antes de a encenação começar, como se não soubéssemos que com papas e bolos se enganam os tolos…
O segundo. Dar a mão a António José Seguro neste momento difícil da sua afirmação como líder do PS. E como? Criando a ilusão junto do público de que se negociava algo verdadeiramente relevante. A coligação PSD/CDS conhece bem a fragilidade dos socialistas, atados que estão de pés e mãos ao compromisso assinado pelo Governo de J. Sócrates com a troika. Havia pois que dar um rebuçado a A.J.Seguro por este ter declarado publicamente que a sua probabilidade de votar contra o orçamento era de ”0,001%”. O diligente líder parlamentar socialista C. Zorrinho bem se desmultiplicou em explicações que a cada vez foram sendo menos compreensíveis e lá culminaram com a prometida abstenção do PS antes de conhecido o orçamento.
Claro que A.J.Seguro está numa difícil posição de equilibrista. Quer mostrar que respeita o memorandum com a troika, quer mostrar aos seus amigos europeus que é o respeitável líder de um partido com vocação de poder. E quer ainda mostrar que é um dos chefes da oposição. Claro que não é fácil conciliar tantos objectivos, daí a pirueta da declaração de voto que foi obrigado a apresentar após a votação final do documento, em que se diz o contrário – “é injusto na repartição dos sacrifícios e perigosamente recessivo” -, daquilo que a sua abstenção no plenário afirmou.
A travessia do deserto para o PS só agora começou, mas é provável que termine um dia e o partido regresse ao poder. Resta saber se, somando episódios destes, aprestando-se a fazer de figurante, será A.J. Seguro a estar lá quando isso acontecer.
blog Praça do Bocage
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