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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Quando a Casa dos Barretos de Quarteira mandavam no Algarve e no Império Português além mar, culminando na titulação de D. Francisca da Aragão











planetalgarve.com





Loulé
A rubrica do Arquivo Municipal de Loulé, o Documento que se segue, teve lugar na tarde deste sábado, dia 19 de janeiro, com o tema “De Quarteira ao Império e à Titulação: A Casa dos Barretos de Quarteira (1383-1599)”, apresentado por Nuno Vila-Santa, da Universidade Nova de Lisboa, com introdução de Rita Moreira, chefe de divisão na Câmara Municipal de Loulé.
A iniciativa atraiu o interesse de uma boa moldura humana, com destaque para a presença de muitos quarteirenses. De referir ainda a presença do presidente da Câmara Municipal de Loulé, Vítor Aleixo.
Nuno Villa-Santa é Licenciado, Mestre e Doutor em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É investigador integrado ao CHAM como bolseiro de pós-doutoramento.
O documento agora apresentado em Loulé foi escrito no âmbito de uma bolsa de pós-doutoramento da Linha Temática “A Europa do Renascimento, os Velhos e os Novos Mundos”, financiada pelo CHAM – Centro de Humanidades.
Recorrendo a um conjunto documental inédito, presente na Biblioteca do Rio de Janeiro, este artigo pretende estudar a evolução da Casa dos Barretos de Quarteira nos séculos XV e XVI. Partindo das origens da linhagem e da Casa em Portugal, o artigo aborda a estratégia de consolidação patrimonial e de engrandecimento da Casa ao longo do século XV, procurando percecionar as bases exatas do poder alcançado no século XVI. Esta análise permite compreender como os Barretos de Quarteira evoluíram de uma nobreza de serviço provincial algarvia a uma nobreza de serviço cortesã que foi crescentemente acumulando cargos no Império (Marrocos, Índia e Brasil) durante o século XVI. Neste contexto, procura-se debater as condições que tornaram viável a titulação de uma não titular da Casa, D. Francisca de Aragão, em 1599, como 1.ª condessa de Ficalho, como corolário de uma estratégia prosseguida anteriormente e que tinha como fito a titulação da Casa.
Sendo conhecida a importância do Algarve para a manutenção e socorro das praças marroquinas, como sucedeu nos cercos de Arzila e Mazagão, em 1508 e 1562, a historiografia não deixou de destacar também a importância da Casa dos Barretos de Quarteira na constelação de poderes senhoriais no Algarve quinhentista.
De facto, desta Casa era oriundo não apenas o primeiro capitão de Azamor, Rui Barreto (1513-1514), 4.º senhor desta casa, como também um dos algarvios mais conhecidos do século XVI: Francisco Barreto, governador da Índia e do Monomotapa (1555-1558; 1569-1573).


O seu filho, Gonçalo Nunes Barreto II, foi fronteiro-mor do Algarve e juiz geral e vereador em Loulé.
Sucedendo a seu pai em 1431, Gonçalo Nunes Barreto III foi confirmado por D. Duarte como fronteiro-mor do Algarve e, em 1436, alcaide-mor de Faro.


Outro filho de Gonçalo Nunes Barreto III, Fernão Pereira Barreto, cavaleiro da Casa do Infante D. Pedro, foi nomeado, em Março de 1442, corregedor da comarca do Algarve, recebendo ainda nesse ano bens em Ceuta, em Faro (1445) e a nomeação para coudel-mor de Lagos (1449).
Em 1498, Rui Barreto recebeu uma nova mercê: a capitania de Faro. Pela primeira vez, um titular da Casa era formalmente promovido a capitão da cidade, pertença da Casa da rainha, vendo acrescidos os seus poderes na área da Justiça.


Em Março de 1513, Rui Barreto é nomeado vedor da fazenda do Algarve.


Seguindo a vontade manuelina, D. João III confirmou Nuno Rodrigues Barreto no cargo de vedor do Algarve na sequência do falecimento do pai, em Agosto de 1522.
Francisco Barreto partiu para a Índia, em 1548, como capitão-mor de um dos navios da armada e toda a sua carreira asiática culminou na assunção do cargo de governador da Índia, em 1555.


Ainda nos finais do século XVI, outros membros da Casa rumaram à Ásia e ao Brasil, numa clara estratégia de diversificação de serviços. No ramo dos Barretos Monizes, há que destacar a presença de António Moniz Barreto no cerco de Mazagão de 1562 e, posteriormente o seu governo da Índia entre 1573-1577. Apesar deste último ter sido partidário do Prior do Crato, em 1580, o seu irmão Manuel Teles Barreto seguiu Filipe II e foi o primeiro governador filipino do Brasil entre 1582 e 1587.
Em 1574, ocorre o enlace de D. Francisca de Aragão, irmã de Rui Barreto, com D. Juan de Borja, filho de Francisco de Borja, duque de Gandia e embaixador de Filipe II em Portugal. Com o beneplácito de Filipe II e da rainha D. Catarina, de quem D. Francisca era dama desde 1565, e a quem D. Sebastião deu tença pelo falecimento da rainha em 1578, este enlace abriu o caminho da titulação. Ao casar com um homem da confiança daquele monarca, o enlace criou condições para a nomeação do casal para camareiro-mor e mordomo-mor de D. Maria de Áustria, irmã de D. Filipe I. Conjunturalmente, foram precisamente estes serviços e os que posteriormente prestou a D. Margarida de Áustria, esposa de D. Filipe II, quando, conjugados com ascendência real aragonesa que D. Francisca herdara da mãe, que valeram a sua nomeação como 1.ª condessa de Ficalho, em 1599.

Conheça o documento de Nuno Villa-Santa no anexo:
https://planetalgarve.com/wp-content/uploads/2019/01/Do_Algarve_ao_Imperio_e_a_titulacao.pdf  (VER ABAIXO=

Dôssie


Do Algarve ao Império e à titulação: estratégias de nobilitação na Casa dos Barretos da Quarteira (1383-1599)*


From Algarve to the Empire and the entitlement: enoblement strategies in the House of Quarteira (1385-1599)

Nuno Vila-Santa ** Univesidade Nova de Lisboa gemeo1984@hotmail.com


Resumo: Recorrendo a um conjunto documental inédito presente na Biblioteca do Rio de Janeiro, este artigo pretende estudar a evolução da Casa dos Barretos da Quarteira nos séculos XV e XVI. Partindo das origens da linhagem e da Casa em Portugal, o artigo aborda a estratégia de consolidação patrimonial e de engrandecimento da Casa ao longo do século XV, procurando percepcionar as bases exactas do poder alcançado no século XVI. Esta análise permite compreender como os Barretos da Quarteira evoluíram de uma nobreza de serviço provincial algarvia a uma nobreza de serviço cortesã que foi crescentemente acumulando cargos no Império (Marrocos, Índia e Brasil) durante o século XVI. Neste contexto, procura- se debater as condições que tornaram viável a titulação de uma não titular da Casa, D. Francisca de Aragão, em 1599, como 1º condessa de Ficalho, como corolário de uma estratégia prosseguida anteriormente e que tinha como fito a titulação da Casa.

Palavras-chave: Casa. Linhagem. Titulação. Algarve. Curialização.

Abstract: Departing from an unpublished documental series found at the Library of Rio de Janeiro, this article intends to study the evolution of the House of the Barretos of Quarteira in the XV and XVI centuries. Starting from the origins of the lineage in Portugal, the article approaches the patrimonial and ennoblement strategies of this House in the XV century in order to fully understand the exact basis of its power in the XVI century. This analysis enables to understand how the Barretos of Quarteira evolved from a provincial nobility from Algarve to a courtesan nobility that accumulated relevant offices in the Portuguese Empire (Morocco, India and Brazil) during the XVI century. This article also attempts to debate the conditions in which the entitlement of a non-titular of the House, D. Francisca de Aragão, as 1ª countess of Ficalho, in 1599, occurred as the consequence of a strategy perceived previously in order to achieve a title for the House.

Keywords: House. Lineage. Entitlement. Algarve. Curialization.

Recebido: 13 mar. 2018.
Aprovado: 26 maio 2018.

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* Este artigo foi escrito no âmbito de uma bolsa de pós-doutoramento da Linha Temática “A Europa do Renascimento, os Velhos e os Novos Mundos”, financiada pelo CHAM - Centro de Humanidades.
** Licenciado, Mestre e Doutor em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa. É investigador integrado ao CHAM como bolseiro de pós-doutoramento.

Introdução


Sendo conhecida a importância do Algarve para a manutenção e socorro das praças marroquinas, como sucedeu nos cercos de Arzila e Mazagão, em 1508 e 1562,1 a historiografia não deixou de destacar também a importância da Casa dos Barretos da Quarteira na constelação de poderes senhoriais no Algarve quinhentista.2 De facto, desta Casa era oriundo não apenas o primeiro capitão de Azamor, Rui Barreto (1513-1514), 4º senhor desta casa, como também um dos algarvios mais conhecidos do século XVI:3 Francisco Barreto, governador da Índia e do Monomotapa (1555-1558; 1569-1573).
A despeito de trabalhos realizados sobre Francisco Barreto,4 permanece em falta um

estudo sobre a origem e evolução da Casa até finais do século XVI que permita responder a um conjunto amplo de interrogações: Como se construíram no cenário algarvio no século XV as bases poder que esta Casa deteve no século XVI? Qual a importância do exercício da vedoria da fazenda do Algarve pelos titulares da Casa no século XVI? De que forma esta Casa se “especializou” no socorro a Marrocos? Como relacionar essa “especialização” com o crescente protagonismo da Casa nos palcos asiático e brasileiro? Qual a estratégia reprodutiva da Casa desde a sua fundação até à titulação de D. Francisca de Aragão, neta de Francisco Barreto, como 1º condessa de Ficalho, em 1599?
As interregoações anteriormente colocadas interligam-se directamente à problemática da falta de estudos de Casas senhoriais não tituladas para os séculos XV e XVI em Portugal e que tão fundamental se afigura para compreender como se processava a organização das diferentes hierarquias no interior do tão heteregóneo grupo nobiliárquico. No caso específico desta Casa o interesse historiográfico em realizar esse estudo não se revelou por a Casa só ter sido tardiamente titulada e não pertencer ao grupo das Casas tituladas com relevância na nobreza portuguesa quinhentista. Acresce que o estudo de caso desta Casa com uma origem marcadamente provincial e que mais tardiamente alcançou a titulação poderá aduzir novos dados para a compreensão de uma realidade que marcou os séculos XV e XVI e que tão poucas vezes é focada: como se processava a evolução de uma Casa de uma base provincial para uma base cortesã? Como é sabido, nem todas as Casas de origem provincial evoluíram

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  1. MAGALHÃES, Joaquim. Para o estudo do Algarve económico durante o século XVI. Lisboa: Cosmos, 1970, p. 22-24; IRIA, Alberto. Da importância geopolítica do Algarve, na defesa marítima de Portugal, nos séculos XV a XVIII. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1976, p. 56.
  2. MAGALHÃES, Joaquim. Panorama Social e Económico do Algarve na Época de D. Jerónimo Osório. (Separata). Anais do Município de Faro, Faro, 1982, p. 4; O Algarve na Época Moderna. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra; Universidade do Algarve, 2012, p. 44.
  3. MARQUES, Maria da Graça (coord.). O Algarve. Da Antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Colibri, 1999, p. 154.
  4. VILA-SANTA, Nuno. Counter-reformist policies versus Geostrategic politics in the “Estado da Índia”: the
    case of governor Francisco Barreto (1555-1558). Journal of Asian History, v. 51, n. 2, p. 189-222, 2017; Between Mission and Conquest: a review on Francisco Barreto’s expedition to Mutapa (1569-1573). Portuguese Studies Review, n. 24, 1, p. 51-90, 2016.

    para a presença cortesã e posteriormente a titulação durante as dinastias de Avis e Áustria. Este estudo de caso permitirá assim compreender como se processava essa passagem nas Casas que a encetaram. Como é sabido, o pressuposto fundamental dessa passagem era a crescente presença de membros de uma Casa na corte e de ligação directa à figura do monarca. No caso da dinastia de Avis, o reinado manuelino foi central para o iniciar deste processo de curialização, como já foi salientado,5 o qual se prolongou posteriormente. Neste processo, conceitos como família, património, estratégia matrimonial, redes clientelares e personalização do poder assumem uma renovada importância.6
    Cruzando um conjunto documental inédito sobre esta Casa com documentação

    publicada e manuscrita estante em Portugal,7 assim como com a evolução patrimonial e matrimonial da Casa, é possível estabelecer a evolução da Casa ao longo dos séculos XV e XVI. Desta forma, começar-se-á por compreender as origens da linhagem dos Barretos e como o ramo que deu origem à Casa da Quarteira se estabeleceu no Algarve. Posteriormente, estudar- se-á como os titulares da Casa encetaram a consolidação da Casa no século XV e como o início do reinado manuelino correspondeu à fase de curialização da Casa. Posteriormente, abordar- se-á a estratégia conducente à titulação em tempos de D. João III e sobretudo de D. Sebastião e os motivos pelos quais esta só foi alcançada no período filipino. Em todo este processo, procurar-se-á ainda reflectir como o caminho percorrido pela Casa de serviço no Império (Marrocos, Ásia e Brasil) alicerçou o caminho da titulação.

    1. Do Norte ao Algarve: Gonçalo Nunes Barreto e a génese da Casa (1384- 1431)


      Provenientes do Minho e com bens em Trás-os-Montes em tempos de D. Sancho I,8 a linhagem dos Barretos descendeu do solar de Viana do Castelo fundado por Gomes Nunes Barreto no reinado de D. Afonso II. No reinado de D. Afonso III, um membro da linhagem, Fernão Barreto, participou na conquista do Algarve, sendo provavelmente essa a primeira

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  5. GOMES, Rita Costa. A curialização da nobreza. In: CURTO, Diogo Ramada (dir.). O Tempo de Vasco da Gama. Lisboa: CNCDP; Difel, 1998, p. 179-187; CUNHA, Mafalda Soares. Nobreza, rivalidade e clientelismo na primeira metade do século XVI. Algumas reflexões. Penélope, n. 29, 2003, p. 35 e ss.
  6. Sobre estes conceitos, ver: CUNHA, Mafalda Soares; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Aristocracia, poder e família em Portugal, séculos XV-XVIII. In: Sociedade, Família e Poder na Península Ibérica. Elementos para uma História Comparativa. Lisboa: Colibri; CIDEHUS; Universidad de Murcia, 2010, p. 47-75; Jerarquía nobiliaria y corte en Portugal (Siglo XV-1832). In: CHACÓN JIMÉNEZ, F.; MONTEIRO, Nuno
    Gonçalo (eds.), Poder y Movilidad Social. Cortesanos, Religiosos y Oligarquías en la Península Ibérica (Siglos XV-XIX). Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas; Universidad de Murcia, 2006, p. 181-212; LLAVE, Ricardo Cordoba de la; PITA, Isabel Beceira. Parentesco, poder y mentalidad. La nobleza castellana. Siglos XII-XV. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1990; GUILLÉN BERRENDERO, Jose Antonio. La Edad de la Nobleza. Identidade nobiliaria en Castilla y Portugal (1556-1621). Madrid: Polifemo, 2012.
  7. Agradeço ao Pedro Pinto e à Patrícia Faria de Souza o conhecimento e acesso a este códice presente na
    Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro (BN-RJ). Localização: I-14-2, n. 18.
  8. MORENO, Humberto. Conflitos em Loulé entre os Barretos e os seus opositores no século XV. Revista da Faculdade de Letras (História), Porto, Universidade do Porto, v. XII, 1995, p. 127.

    ligação da linhagem a esta região.9 Já durante o século XIV, Gonçalo Nunes Barreto I casou com D. Brites Fernandes Pimentel. Sendo à data alcaide-mor de Montemor, o casamento assegurou-lhe a promoção social inerente ao enlace com aquela prestigiada linhagem e ainda o dote da vila de Cernache.10 O seu filho Diogo Gonçalves Barreto acompanhou o Infante D. João de Castro, um dos filhos do rei D. Pedro I e de D. Inês de Castro. Tendo sido nomeado fronteiro-mor do Algarve e casado com D. Teresa Martins, Diogo Gonçalves Barreto foi exilado pelo rei D. Fernando precisamente devido às suas ligações com aquele infante.11
    Desta forma, foi o seu filho Gonçalo Nunes Barreto II quem herdou os seus bens, em data desconhecida. Na guerra de 1383-85, apoiou o mestre de Avis e figurou entre os que no Algarve lutaram contra os castelhanos.12 É provável que tenha sido confirmado nessa ocasião como fronteiro-mor do Algarve, sobretudo tendo em conta que já em 1378 era juiz geral e vereador em Loulé.13 A reforçar esta hipótese está a doação do reguengo de Aria e Boina, no termo de Loulé, realizada por D. João I a favor do fidalgo, identificado como morador em Loulé e com direito de transmissão aos herdeiros, em Julho de 1384.14 A continuidade dos serviços no Algarve levou a que em Julho de 1414, D. João I tenha formalizado a troca dos bens que este detinha em Cernache por bens em Loulé e na Quarteira avaliados em 4115 libras, num escambo que deveria valer para sempre.15 É possível que de então date a fundação do morgado da Quarteira, apesar das evidências documentais datarem do tempo de Nuno Barreto. O estabelecimento no Algarve permitia a Gonçalo Nunes Barreto II a separação definitiva com os familiares da linhagem do Porto, validando a viragem para sul que o seu ramo realizou durante o século XIV.
    Colocando-se ao serviço do Infante D. Pedro, Gonçalo Nunes Barreto II participou na ocupação de Ceuta, em 1415, e foi nomeado por este Infante para comandar os 250 homens que este deixou na cidade, sendo-lhe ainda confiada a defesa da torre de Fez, enquanto ao seu filho Fernão Barreto foi entregue a guarda da Almina. Considerado “home de gramde syso e de gramde esforço” participou no primeiro ataque fora de portas, sendo um dos conselheiros mais relevantes de D. Pedro de Meneses, 1º capitão de Ceuta. De igual forma, não hesitou em repreender este, em conjunto com Álvaro Mendes Cerveira, quando em pleno cerco de 1419, Meneses doente arriscou a sua vida saindo da cidade. O episódio é elucidativo da influência que já então detinha. A conjugação da sua ligação a Meneses e ao Infante D. Pedro explicam

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  9. Armorial Lusitano. Ed.: António Machado de Faria. Vol. I. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1961, p. 85.
  10. SOUSA, Bernardo Vasconcelos e. Os Pimentéis: percursos de uma linhagem da nobreza medieval portuguesa (Séculos XII-XIV). Lisboa: INCM, 2000.
  11. MORAIS, Cristóvão. Pedatura Lusitana. Vol. III. Braga: Edição de Carvalhos de Basto, 1997, p. 307; PEDROZA, Manuel Álvares. Tratado Genealógico dos Barretos. Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), cód. 11090/1, fls. 3v-4.
  12. LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Vol. I. Ed.: Humberto Baquero Moreno e António Sérgio. Barcelos: Livraria Civilização Editora, 1983, p. 340.
  13. Actas das vereações de Loulé. Ed.: Humberto Baquero Moreno, Luís Miguel Duarte e João Alberto Machado. Vol. I. Porto: Câmara Municipal de Loulé, 1984, p. 18; 40.
  14. Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT). Chancelaria de D. João I, lv. 3, fl. 185.
  15. Chancelarias Portuguesas: D. João I. Vol. III. Tomo 3. Lisboa: Centro de Estudos Históricos, 2006, doc. 1173.

    que se tenha consorciado com D. Isabel de Meneses, filha bastarda de D. Pedro de Meneses, mas também que toda a sua descendência estivesse directamente associada à capitania de Meneses em Ceuta: João Teles Barreto e Fernão Barreto combateram na cidade e o último casou-se nesta com D. Brites Gonçalves, o mesmo sucedendo com a sua irmã D. Guiomar de Meneses que se casou com Afonso de Negrelos falecido em Ceuta.16
    Apesar de ter deixado a cidade após 1419, tudo aponta para que Gonçalo Nunes

    Barreto II tenha percepcionado que poderia garantir o futuro da sua Casa não apenas no serviço do Infante D. Pedro mas também no de D. João I ao colocar-se ele próprio e aos seus descendentes ao serviço em Ceuta. A frontaria-mor do Algarve e a proximidade geográfica dos seus bens na Quarteira e em Loulé ajudariam a colocá-lo em posição privilegiada para providenciar os socorros necessários a Ceuta e ajudam a explicar a razão de ter conseguido casar com uma filha, ainda que bastarda, de D. Pedro de Meneses que foi titulado, por D. João I, como 1º conde de Vila Real em 1424. Apesar da incerteza, devido à homonímia entre pai e filho, é possível que o herdeiro Gonçalo Nunes Barreto III tenha também marcado presença em Ceuta ainda em vida do pai.17 O último acto em que Gonçalo Nunes Barreto II participou foi na assinatura de pazes com Castela em 1431, as quais presenciou na qualidade de conselheiro de D. João I e de testemunha pelo Infante D. Pedro.18 A sua presença em tão relevante acto simboliza bem, como apesar de numa segunda linha ainda afastada da corte, a linhagem dos Barretos fora uma das que fora promovida socialmente com D. João I e D. Duarte.19

    1. Gonçalo Barreto e Nuno Barreto: a consolidação da Casa (1431-1496)


      Sucedendo a seu pai em 1431, Gonçalo Nunes Barreto III foi confirmado por D. Duarte como fronteiro-mor do Algarve e deste recebeu,20 logo em Dezembro de 1433, uma nova mercê: a doação da renda da portagem e relego de Loulé.21 A esta somou-se, em Dezembro de 1436, a confirmação de outra mercê que fora feita ao seu pai em data não mencionada: a alcaidaria-mor de Faro.22 Aquela doação veio a constituir-se como o trampolim posterior para o exercício posterior da vedoria da fazenda do Algarve, à medida que avançando o século XV a importância de Silves declinou em prol da ascensão de Tavira e Faro.23 Ainda assim, estas

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  16. ZURARA, Gomes Eanes de. Crónica da tomada de Ceuta. Lisboa: Publicações Europa-América, 1992, p. 201-202; 261; 291-292; 397; 404.
  17. Idem, p. 437.
  18. Monumenta Henricina. Vol. IV. Coimbra: Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1962, p. 84; 87.
  19. SOUSA, João Silva de. D. Duarte – Infante e Rei – e as Casas Senhoriais. Lisboa: SHIP, 1991, p. 17.
  20. MORENO, Humberto. A Batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e significado histórico. Vol. I. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1979, p. 411.
  21. Chancelarias Portuguesas. D. Duarte. Vol. I. Tomo III. Lisboa: Centro de Estudos Históricos, 2002, doc.
    189.
  22. ANTT. Odiana, lv. 4, fl. 259v.
  23. MAGALHÃES, Joaquim. Para o estudo do… Op. cit., p. 238-239.

    doações não foram suficientes para assegurar a presença de qualquer Barreto na expedição de Tânger de 1437.24 Apesar disso, Gonçalo Nunes Barreto III procurou, sem sucesso, negociar a libertação do Infante D. Fernando.25
    Foi também durante a década de 1430 que se iniciaram as queixas apresentadas em sucessivas Cortes contra o fidalgo por diferentes concelhos algarvios. Dedicando-se à criação de gado na sua quinta da Quarteira, Gonçalo Nunes Barreto III foi acusado, em 1436, pelo concelho de Silves de coutar terras concelhias. O regente D. Pedro ordenou aos corregedores que colocassem termo a tais abusos, mas estes continuaram. Em 1439, Silves queixou-se de que o fidalgo não pagava as taxas municipais. Em 1442, foi Tavira quem reclamou do fidalgo levar mão-de-obra forçada para Alcoutim.26 Em 1444, nova queixa foi apresentada por Silves contra o fidalgo acusando-o de isentar os seus apaniguados do serviço militar obrigatório em Ceuta e de enviar em lugar destes lavradores do concelho. Esta última queixa era feita também contra Henrique Moniz, alcaide-mor de Silves e cunhado de Gonçalo Nunes Barreto
    III. Em resposta, o regente solicitou mais informação. Em 1446, Loulé e Faro insurgiram-se contra os repetidos abusos no seu reguengo da Quarteira, aumentando, como resposta, a área de coutada concelhia. No ano seguinte, Silves escreveu ao regente para que ordenasse a Gonçalo Nunes Barreto III que não exorbitasse os seus poderes de fronteiro-mor.27
    As censuras ao comportamento do fidalgo prolongaram-se para o período de governo

    de D. Afonso V. Apesar de ter ido a Alfarrobeira ao lado do rei, logo em 1449, o Africano ordenava ao fidalgo que não colocasse em causa os poderes do almirante Rui de Melo em matéria de navios.28 Mas ainda nesse ano e em 1458, o rei confirmou ao fidalgo o direito a ver coutadas as suas terras da Quarteira.29 O clímax da tensão registou-se em 1456 e 1459 quando Gonçalo Nunes Barreto III e vários dos seus filhos e apaniguados se envolveram em desacatos com moradores de Loulé, os quais terminaram em mortos e feridos. Porém, o monarca perdoou-o em 1462 e ainda nesse ano autorizou o fidalgo a construir um palácio junto da muralha de Loulé.30 Figura odiada em Loulé, Gonçalo Nunes Barreto III era ainda conhecido por apreender o gado concelhio que entrava nas suas terras e não o devolver, o que conflituava com o princípio da utilização comunitária das terras.31 Esta situação levou, aliás, o seu herdeiro Nuno Barreto, em 1487, a alcançar um acordo para indemnizar os donos do gado apreendido.32 Como justificar a manutenção de Gonçalo Nunes Barreto III como fronteiro-mor durante a regência de D. Pedro e as decisões de D. Afonso V de 1462 ante o perfil de um

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  24. COSTA, João Paulo Oliveira e. Henrique, o Infante. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009, p. 227.
  25. Monumenta Henricina. Op. cit. Vol. VI, p. 254.
  26. MORENO, Humberto. Conflitos em Loulé... Op. cit., p. 125-128.
  27. IRIA, Alberto. O Algarve nas cortes medievais portuguesas do século XV. Subsídios para a sua história. Vol. I. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1990, p. 144-145; 150-151; 170-171.
  28. Monumenta Henricina. Op. cit. Vol. X, p. 41-42.
  29. ANTT. Odiana, lv. 1, fl. 4. No documento surge ainda identificado como corregedor de Castro Verde.
  30. MORENO, Humberto. Conflitos em Loulé... Op. cit., p. 128-129; SIMÕES, João. História económica, social e urbana de Loulé. Loulé: Arquivo Municipal, 2012, p. 52.
  31. MAGALHÃES, Joaquim. Para o estudo do... Op. cit., p. 93.
  32. SIMÕES, João. História económica, social... Op. cit., p. 56.

    fidalgo que organizava o seu “bando” para resistir às ordens da Coroa em contraste com a carreira do seu pai?
    No cerne desta questão, encontra-se não apenas a maior dificuldade da realeza de fazer sentir o seu poder no Algarve,33 mas também a rede clientelar que o fidalgo construíra e uma clara estratégia de personalização do poder. Tal rede consubstanciou-se na estratégia matrimonial e patrimonial que o fidalgo tecera precisamente durante aqueles anos. Em clara diferenciação para com o seu pai que se casara em Ceuta com a bastarda de um conde, Gonçalo Nunes Barreto III casou com D. Isabel Pereira, filha de D. Diogo Pereira, comendador da Ordem de Santiago e governador da Casa do Infante D. João.34 O enlace permitiu ao fidalgo acesso a outra figura real, o Infante D. João, e a uma Ordem Militar, à qual era alheio. Mas a sua estratégia de consolidação de poder assentou também numa base regional como os conflitos descritos evidenciam.
    De entre a sua descendência, cabe destacar alguns enlaces relevantes: D. Inês Barreto casou com Henrique Moniz, “O Velho”, alcaide-mor de Silves; D. Isabel de Meneses casou com Gil de Magalhães, senhor de Ponte da Barca; D. Leonor Barreto consorciada com Martim Afonso de Melo, filho do alcaide-mor de Serpa. O primeiro destes enlaces transformava a prole de Henrique Moniz na fundadora do ramo dos Barretos Monizes, mas acima de tudo afigurava- se como uma aliança entre dois senhores com relevantes poderes nos Algarves Ocidental, Central e Oriental, a qual poderia funcionar a contento de ambos. Esta última aliança foi familiar e política e permitiu a Gonçalo Nunes Barreto III e Henrique Moniz Barreto arregimentarem os servidores das suas Casas para resistirem às ordens da Coroa. Em causa, estava a vontade de afirmar os seus privilégios senhoriais frente à Coroa. Assim, se explicam as queixas contra ambos apresentadas por Silves em 1446. Os outros dois enlaces evidenciam como Gonçalo Nunes Barreto III conseguira casar duas filhas com alcaides-mores, algo até então não alcançado e que era uma clara promoção face à descendência de Gonçalo Nunes Barreto II.
    A aliança com os Melos é particularmente importante tanto quanto é possível que Gonçalo Nunes Barreto III tenha negociado o enlace do herdeiro Nuno Barreto com D. Leonor de Melo, também ela filha de João de Melo, alcaide-mor de Serpa e copeiro-mor de D. Afonso V,35 e o do secundogénito Pedro Barreto com D. Maria de Ataíde, filha do alcaide-mor de Moura. Desta forma, reforçava-se a intenção de consolidar o poder da Casa ao casar os seus descendentes com alcaides-mores, como eram os Barretos da Quarteira, na área do Alentejo de forma a complementar e vincar o poder já detido no Algarve. Saia ainda reforçada a ligação à linhagem dos Melos, de onde veio a ser criado o título de 1º conde de Olivença, por D. Afonso V, em 1475, e já no século XVI, a Casa dos condes de Tentúgal e marqueses de Ferreira. Se juntarmos estes dados à carreira de outro filho de Gonçalo Nunes Barreto III, Fernão Pereira Barreto, cavaleiro da Casa do Infante D. Pedro, que após anos de serviço em

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  33. MORENO, Humberto. Conflitos em Loulé... Op. cit., p. 125.
  34. PEDROZA, Manuel Álvares. Tratado Genealógico dos... Op. cit., fl. 4v.
  35. Ibidem, fl. 4a.

    Ceuta, foi nomeado, em Março de 1442, corregedor da comarca do Algarve, recebendo ainda nesse ano bens em Ceuta,36 em Faro, em 1445, e a nomeação para coudel-mor de Lagos, em 1449, e ainda as mercês a diversos apaniguados de Gonçalo Nunes Barreto III em 1450,37 é perceptível que este construíra uma rede de influência e poder baseada no seu exercício de poder regional no Algarve. O objectivo desta rede era estar em condições de defrontar os concelhos que contra ele apresentaram queixa e que lamentaram que ninguém ousava enfrentá-lo, temendo o seu poder.
    Contrariamente ao seu pai cuja base essencial da carreira fora prestada em Marrocos, tudo aponta para que Gonçalo Nunes Barreto III tenha investido menos da sua Casa em Marrocos e procurado consolidar as bases algarvias do seu poder. Esta estratégia foi prosseguida pelo seu filho Nuno Barreto, quando sucedeu na Casa em Fevereiro de 1462. Nesse momento, D. Afonso V confirmou-lhe outra mercê que o seu pai já detinha desde data incerta: a dízima nova e velha do pescado de Ferrobilhas e da Quarteira.38 De fora tinham ficado as sisas e rendimentos de Ferrobilhas, a qual funcionou como porto de Loulé na tentativa de impedir o crescimento de Faro,39 que o rei continuou a reservar para si. A consolidação do poder da Casa no Algarve permitiu que Nuno Barreto passasse o essencial da sua vida até falecer na região, apesar de ter importante papel no socorro a Ceuta em 1467, o que levou o monarca a autorizá-lo a socorrer Ceuta apenas com os seus homens.40 Já em 1473, D. Afonso V patrocinou formalmente o seu casamento ao estabelecer-lhe uma tença de 20 700 reais.41 Outro dos filhos de Gonçalo Nunes Barreto III, Afonso Teles Barreto, foi também agraciado em 1475 com a doação da portagem e relego de Loulé em função dos seus serviços.42 Em causa esteve o facto deste irmão de Nuno Barreto ter sido criado com D. Afonso V, motivo pelo qual D. João II o fez fidalgo da sua Casa e lhe confirmou esta mercê.43
    Esta situação ajuda ainda a explicar que o reinado de D. João II tenha sido marcado pela confirmação de bens a Nuno Barreto e pela doação de bens ao seu irmão Pedro Barreto no Alentejo em 1486.44 Isto é, mesmo no reinado conhecido pela tentativa de controlo dos poderes senhoriais, tudo aponta para que Nuno Barreto não tenha visto os seus privilégios ameaçados e que ao invés tenha consolidado o poder da sua Casa no Algarve e no Alentejo. Este cenário explica que D. Manuel I tenha confirmado a Nuno Barreto a autorização para só socorrer Marrocos caso fosse ele a comandar o socorro45. Em contraponto, quem procurou servir directamente D. João II e D. Manuel I foi o herdeiro Rui Barreto, o qual esteve no

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  36. ANTT. Chancelaria de D. Afonso V (CDAV), lv. 23, fl. 61 e lv. 35, fl. 100.
37 Idem, lv. 25, fl. 90; lv. 31, fls. 141v. e lv. 34, fls. 8; 92; 215.
  1. ANTT. Odiana, lv. 4, fl. 266.
  2. SIMÕES, João. História económica, social... Op. cit., p. 78.
  3. ANTT. Chancelaria de D. Manuel I (CDMI), lv. 26, fl. 14.
  4. ANTT. CDAV, lv. 33, fl. 179v.
  5. Idem, lv. 30, fl. 19.
  6. PEDROZA, Manuel Álvares. Tratado Genealógico dos... Op. cit., fl. 9v.
  7. Para a confirmação dos bens, consultar: ANTT. Odiana, lv. 1, fl. 4v. e lv. 4, fl. 266. Para a doação, consultar: Idem, lv. 2, fl. 290v.-291.
  8. PEDROZA, Manuel Álvares. Tratado Genealógico dos... Op. cit., fl. 4a.

    julgamento do duque de Bragança como um dos 12 membros da nobreza46 e foi nomeado capitão de um navio da armada que foi assaltar Targa em 1490.47 A estratégia de diversificação de contactos no Alentejo manteve-se como ilustra a mercê de 1482 atribuída a um dos filhos de Nuno Barreto, Álvaro Barreto, de ver coutadas as suas terras no termo de Portel em confirmação justificada pelos serviços a D. Afonso V, Infante D. Fernando e ao duque D. Diogo.48
    O melhor exemplo, porém, desta estratégia, volta surgir com o herdeiro: Rui Barreto casou-se com D. Brites de Vilhena, sobrinha do 1º conde de Olivença.49 A renovação da aliança matrimonial do herdeiro da Casa com os Melos, entretanto titulados, evidencia o prosseguimento da estratégia de consolidação do poder regional algarvio prosseguida desde Gonçalo Nunes Barreto III, ainda que esta com Nuno Barreto não significasse afrontar a Coroa. Entre a descendência de Nuno Barreto cabe ainda destaque para o secundogénito Jorge Barreto, cujo papel no reinado manuelino foi relevante, e ainda para D. Isabel de Melo casada com D. Álvaro de Castro, “O Torrão” e mãe de D. Isabel de Castro, esposa de Francisco de Borja, duque de Gandia, mas também para Gonçalo Nunes Barreto, que seguiu uma carreira de armas em Itália ao lado de Gonzalo Fernández de Córdova.50 Assim, novamente se constata uma evolução e promoção da Casa na descendência de Nuno Barreto relativamente à de Gonçalo Nunes Barreto III.
    Desta forma, não é exagerado afirmar que os tempos de Gonçalo Nunes Barreto III e Nuno Barreto contribuíram para uma visível consolidação da Casa no cenário algarvio e permitiram lançar o trilho dos seus sucessores: a curialização, a qual no caso de D. Manuel I implicaria sempre um protagonismo maior da Casa em Marrocos. Naturalmente que esse acréscimo de presença em Marrocos da Casa seria realizado numa posição comparativamente mais reforçada do que aquela que se registara no início do século XV.

    1. Crescimento e curialiazação: Rui Barreto, a vedoria do Algarve e a capitania de Azamor (1496-1522)


      Perante o falecimento de Nuno Barreto em finais de 1496, D. Manuel I confirmou todas as mercês da Casa a Rui Barreto. Entre estas figurou o estabelecimento, em Outubro de 1497, de uma tença de 100 mil reais por Rui Barreto ter prescindido da dízima nova do pescado da Quarteira e Ferrobilhas. Ainda nesse mês, o fidalgo solicitou ao Venturoso a entrega desta tença à sua esposa como forma de pagamento das suas arras. Já em Março de 1498, Rui

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  9. FONSECA, Luís Adão da. D. João II. [s.l.]: Círculo de Leitores, 2005, p. 72.
  10. Documentos inéditos de Marrocos. Chancelaria de D. João II. Ed.: P. M. Laranjo Coelho. Lisboa: Imprensa Nacional; Academia das Ciências, 1953, p. 333.
  11. ANTT. Chancelaria de D. João II, lv. 6, fl. 45.
  12. PEDROZA, Manuel Álvares. Tratado Genealógico dos... Op. cit., fl. 4a.
  13. Ibidem, fl. 4av.

    Barreto recebeu uma nova mercê: a capitania de Faro.51 Pela primeira vez, um titular da Casa era formalmente promovido a capitão da cidade, pertença da Casa da rainha, vendo acrescidos os seus poderes na área de justiça. A mercê revelava as boas graças em que o fidalgo se encontrava junto de D. Manuel I. Além da mercê não poder ser desligada da deslocação a Castela do seu irmão, Jorge Barreto, nesse ano com o monarca,52 é importante destacar que já em tempos de Nuno Barreto, Rui Barreto ficara responsável pela aproximação à corte, estratégia que este não alterou quando passou a ser o titular da Casa. Realce-se que esta estratégia de Rui Barreto é contemporânea do início do processo de curialização da corte manuelina,53 o que significa que, consciente deste facto, o fidalgo procurou reafirmar a sua presença e ligação na corte como forma de engrandecer mais a sua Casa e posição social. Esta estratégia é, aliás, confirmada pelos acontecimentos que se sucederam à atribuição ao fidalgo da capitania de Faro.
    Efectivamente, o protagonismo de Rui Barreto cresceu nos anos seguintes. Logo, em 1503, o rei convocou o fidalgo para falar pessoalmente sobre assunto urgente e secreto.54 Mas a melhor prova de como o fidalgo estava alinhado com a política expansionista no Norte de África, foi a sua aposta no reforço da presença em Marrocos como estratégia para a sua Casa conducente a novas mercês. Esta evidenciou-se em 1508. Perante o cerco de Arzila desse ano no qual o capitão D. Vasco Coutinho, ferido por uma seta, entregou interinamente a capitania ao seu cunhado Jorge Barreto, o qual casara com a sua filha D. Isabel Coutinho, Rui Barreto embarcou todo o Algarve “sem esperar mandado d´el-rei noso senhor, gastando suas fazendas em armas e mantimentos”. Apesar de não ser essa a primeira vez que o fazia como é expressamente mencionado, na ocasião, D. Manuel I deslocou-se a Tavira para preparar um grande socorro e a sua passagem a Arzila. Findo o cerco e deslocando-se D. Vasco a Portugal, Jorge Barreto reocupou interinamente a capitania.55 A actuação de Rui e Jorge Barreto valeram, em Julho de 1508, a confirmação dos privilégios detidos por Rui Barreto na sua quinta da Quarteira e,56 em Janeiro de 1509, a concessão de uma tença de 40 mil reais pelos serviços prestados.57 Já em 1511, o empenho de Rui Barreto em tratar os feridos de Tânger e Arzila explica nova tença de 26 mil reais passada em Abril de 1512 e sobretudo a sua nomeação para vedor da fazenda do Algarve, em Março de 1513.58
    Esta última acarretava um significativo acréscimo de poderes e prestígio para o fidalgo

    e vinha na clara sequência do seu papel nos socorros a Marrocos nos anos anteriores como é referido na carta de nomeação. Esquecidos pareciam estar os anos em que os seus

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  14. ANTT. Místicos, lv. 4, fl. 47; Odiana, lv. 1, fls. 79v; 91.
  15. GÓIS, Damião de. Crónica do felicissimo rei D. Manuel. Ed.: J. M. Teixeira de Carvalho e David Lopes. Vol. I. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 1926, p. 53.
  16. Consultar a nota n. 6, deste artigo.
54 BN-RJ. Loc. I-14-2, n. 18, fls. 201-201v.
  1. RODRIGUES, Bernardo. Anais de Arzila. Crónica inédita do século XVI. Ed.: David Lopes. Tomo I. Lisboa; Coimbra: Academia das Ciências;. Imprensa da Universidade, 1915, p. 6-7; 12-13;16; 23; 26-
    27.
  2. ANTT. Chancelaria de D. João III (CDJIII), lv. 11, fl. 97v.
  3. ANTT. CDMI, lv. 41, fl. 74.
  4. RODRIGUES, Bernardo. Anais de Arzila... Op. cit., p. 78; Lv. 27, fl. 18v.; e, também, Lv. 42, fl. 39v.

    antecessores tinham sido acusados de exorbitar os poderes de fronteiro-mor do Algarve com a confiança manuelina então evidenciada. Por outro lado, a nomeação era não apenas o reconhecimento do empenho da Casa desde o século XV no cenário marroquino, mas era acima de tudo o reconhecimento que Rui Barreto era, excluindo o conde de Loulé, o de Portimão e o de Alcoutim, o único fidalgo do Algarve com estatuto e riqueza suficientes para avançar, sem esperar pelos fundos régios, com os seus recursos para os socorros a Marrocos. Nesse campo, outros hipotéticos candidatos como Nuno Fernandes de Ataíde, com bens em Alvor, ou mesmo o seu parente Garcia de Melo, alcaide-mor de Castro Marim, dificilmente dispuriam das mesmas condições.
    Não se pode, contudo, ignorar também que a nomeação poderá ter sido uma forma de compensar o fidalgo no âmbito dos preparativos para a jornada de Azamor daquele ano. Se esta já estava a ser preparada como retaliação pelo cerco do sultão de Fez a Arzila em 1508 com D. Jaime, duque de Bragança nomeado desde 1509,59 e mesmo sabendo Rui Barreto que seria o primeiro capitão da cidade,60 a insatisfação do fidalgo não terá deixado de ficar clara com a nomeação de D. João de Meneses, irmão do conde de Cantanhede, para capitão do campo de Azamor e número dois daquela que foi a até então maior expedição enviada a Marrocos. A nomeação bicéfala com que D. Manuel I pretendia optimizar recursos no terreno veio a falhar.61 Todavia, dificilmente naquele contexto um fidalgo proveniente de uma linhagem não titulada como Rui Barreto poderia ombrear com um fidalgo de uma linhagem titulada para ser número dois de tão relevante expedição.
    Estas considerações explicam a rivalidade evidenciada entre Barreto e Meneses, mas também permitem compreender todo o empenho que Barreto colocou nesta expedição em que participou a principal nobreza. Na realidade, o destino da armada de D. Jaime só foi anunciado pelo próprio em Faro onde Rui Barreto se atrasara nos preparativos por não conseguir “acabar de meter a gente no mar”. Acompanhado do irmão Jorge Barreto, Rui Barreto presenciou as rivalidades do irmão com D. Vasco Coutinho e que levaram à sua nomeação para o substituir, a qual deu azo a novas rivalidades. Perante a tensão, D. Jaime confiou o desembarque em Mazagão a Jorge Barreto e deu-lhe o comando dos algarvios.62 Depois da ocupação de Azamor e do anúncio da retirada de D. Jaime, Rui Barreto foi empossado como capitão da cidade. Em Fevereiro de 1514, este participou com D. João de Meneses numa cavalgada na qual o seu papel terá sido pouco relevante.63 Na versão de Barreto, ele fora o verdadeiro comandante.
    A carta de Barreto é, porém, relevante por outros aspectos. Nela é patente o conflito

    com Meneses quando Barreto lhe exigiu que regressasse a Portugal. Perante a recusa de Meneses, o conflito piorou ante as divergências de ambos relativas às obras de fortificação a realizar na cidade. Mas Barreto fracassou no intento principal da sua carta: convencer o rei de
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  5. COSTA, João Paulo Oliveira e; RODRIGUES, Vítor. A Batalha dos Alcaides (1514). No apogeu da presença portuguesa em Marrocos. Lisboa: Tribuna, 2007, p. 26-27.
  6. GÓIS, Damião de. Crónica do felicissimo... Op. cit., vol. II, p. 161-162.
  7. COSTA, João Paulo Oliveira e; RODRIGUES, Vítor. A Batalha dos Alcaildes... Op. cit., p. 33.
  8. Les Sources inedites de l´Histoire du Maroc. Ed.: Pierre de Cenival. Tomo I. Paris: Paul Geuther, 1934, p. 412-427.
  9. GÓIS, Damião de. Crónica do felicissimo... Op. cit., vol. II, p. 169-171.

que era momento de aproveitar o contingente ali presente para de imediato lançar um ataque a Marraquexe uma vez que reconhecia que Azamor não se manteria sem ocupar Salé e havia que aproveitar a sorte nas armas para atemorizar os mouros da região e os convencer a integrarem a coligação dos mouros de pazes já criada. As intenções do fidalgo de censurar o comando de Meneses e de se propor para o substituir, foram rapidamente obliteradas, em Março, perante a nova da vinda do sultão de Fez e do seu irmão como retaliação pela ocupação de Azamor. Nessa ocasião, Rui Barreto não anulou os socorros que pedira ao Algarve e procurou evitar a rebelião de alguns mouros de pazes enquanto se queixava ao rei da ausência de Meneses. Já em Abril, nas vésperas da Batalha dos Alcaides, Rui Barreto reconheceu que o sultão de Fez não vinha cercar Azamor, mas antes quebrar os mouros de pazes. Ainda assim não hesitou em solicitar o exorbitante número de 3000 homens para guardar Azamor, pois afiançava que outros 2000 iriam participar na batalha.64
O sucesso militar de D. João de Meneses e de Nuno Fernandes de Ataíde, quando

comparado com a retirada que o esquadrão de Rui Barreto foi forçado a realizar,65 demonstraram que Meneses tinha mais condições para ser agraciado pelo rei do que Barreto. Apesar disso, finda a batalha, Meneses acedeu a entregar os seus homens a Rui Barreto asseverando que estes não o aturariam por muito tempo. Em Maio, o rei tomou partido na rivalidade entre ambos, escrevendo a D. João de Meneses para assumir a capitania por dois meses até à chegada do novo capitão, D. Pedro de Sousa, pois já ordenara a Rui Barreto o seu regresso.66 No entanto, tal não sucedeu. Em primeiro lugar, devido ao falecimento de Meneses, a quem D. Manuel I enviara o título de conde de Aljesur,67 o que poderia ser interpretado por Barreto como uma censura régia ao seu comportamento por ver titulado no Algarve o seu rival. Em segundo lugar, em Junho, devido à recusa de Rui Barreto, apesar das ordens régias nesse sentido, de entregar a capitania a João Soares.
Em causa estiveram rivalidades entre ambos e a afirmação de Barreto de que Soares o tinha desrespeitado de forma que nunca vira em 40 anos de vida e que só narraria pessoalmente ao rei.68 Por todos estes motivos, a capitania de Barreto que era suposto ter cessado em Maio só terminou em Setembro de 1514,69 mas não sem que em Julho se tivesse registado nova polémica. Após uma mal-sucedida cavalgada de Rui Barreto e perante a ordem régia de entregar os tributos dos mouros de pazes da Xerquia a Nuno Fernandes de Ataíde, capitão da confederação de Safim, Barreto recusou. Ao fazê-lo incompatibilizou-se com o contador António Leite que lhe transmitira tal ordem, trazendo parte destes tributos para

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64 Les Sources inedites de... Op. cit., vol. I, p. 489-503; 506-509; 536-538.
  1. COSTA, João Paulo Oliveira e; RODRIGUES, Vítor. A Batalha dos Alcaildes... Op. cit., p. 56; 66.
  2. Les Sources inedites de... Op. cit., p. 548; 559-560.
  3. LACERDA, Teresa. D. João de Meneses. Um retrato da nobreza portuguesa em Marrocos. In: CRUZ, Maria Augusta Lima da; LOUREIRO, Rui Manuel (coord.). Estudos de História Luso-Marroquina. Lagos: Câmara Municipal, 2010, p. 127-130.
  4. ANTT. Cartas dos Governadores de África (CGA), n. 97.
  5. CRUZ, Maria Augusta Lima. Os Portugueses em Azamor (1513-1541). 1967. Dissertação (Licenciatura em História) – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, p. 110-114.

    Portugal e alegando que só Azamor devia ter jurisdição sobre a Xerquia.70 Em causa estava a disputa política pela dinâmica de ocupação territorial iniciada com a conquista de Azamor71 e pessoal com Nuno Fernandes de Ataíde na qual Rui Barreto foi derrotado por D. Manuel I sempre ter reconhecido a Ataíde a liderança dos mouros de pazes da Enxovia e Duquela.72 Desta forma, no final da sua atribulada capitania, o único facto relevante que Barreto podia apresentar ao rei como seguro era a conclusão rápida das obras, nas quais prevalecera à opinião de D. João de Meneses.73
    Não se conhecendo os argumentos e documentos que terá apresentado para sustentar as suas atitudes em Azamor, o certo é que, em Outubro de 1514, o rei lhe concedeu nova tença de 60 mil reais reconhecendo os muitos serviços que prestara. Esta tença foi ainda complementada por outra de 20 mil reais passada pelo Venturoso em Março de 1515.74 No entanto, é provável que o monarca tenha desaprovado a actuação de Rui Barreto, possivelmente decidindo não o envolver de novo na governação marroquina, antes preferindo que retornasse ao papel de apoio aos socorros. Isso mesmo se verificou naquele ano e nos seguintes. Em 1515, Barreto não participou na relevante jornada da Mamora, limitando-se a prestar informações ao rei sobre o fracasso da jornada.75 Já em Março de 1518, o rei ordenou- lhe que preparasse socorros rumo a destino não mencionado.76 Em Maio de 1519, foi socorrer de novo Arzila, ajudando decisivamente na construção dos muros de pedra e cal e forçando o sultão de Fez a levantar o cerco.77 Já em 1520, foi socorrer Tânger, mas quando ali chegou o cerco já tinha sido levantado pelo que se deslocou a Castela,78 motivo pelo qual o rei lhe agradeceu e pagou as despesas.79 Já em data incerta, sabe-se ainda que Barreto anulou os socorros que tinha preparados para Ceuta.80 Fica, assim, evidente como após Azamor, D. Manuel I não nomeou Rui Barreto para mais nenhuma capitania marroquina. Este facto deve ser registado porquanto, em 1520, Rui Barreto era cavaleiro do conselho real, enquanto o seu irmão Jorge Barreto, que não voltara a ocupar a capitania de Arzila, era cavaleiro81 e já recebera a comenda de Redinha e Marmelar com uma tença de 12 mil reais.82 Tal sucedia após
    D. Manuel I ter apoiado o casamento de Jorge Barreto, em Junho de 1515.83

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  6. Les Sources inedites de... Op. cit., p. 579-584; HENRIQUES, Rui. Quão grande trabalho é viver – António Leite, circuitos da nobreza no sul de Marrocos (1513-1549). 2012. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências Sociais e Huamanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, p. 79-80. (Policopiada)
  7. COSTA, João Paulo Oliveira e; RODRIGUES, Vítor. A Batalha dos Alcaildes... Op. cit., p. 30-32.
  8. TEIXEIRA, André. Nuno Fernandes de Ataíde, o nunca está quedo, capitão de Safim. In: COSTA, João Paulo de Oliveira e (ed.). A nobreza e a expansão. Estudos biográficos. Cascais: Patrimonia, 2000, p. 161-206; 190-191.
  9. CRUZ, Maria Aaugusta Lima da. Os portugueses em Azamor... Op. cit., p. 53; 59.
  10. ANTT. CDMI, lv. 25, fl. 25v.
  11. Les Sources inedites de... Op. cit., p. 703.
  12. ANTT. Corpo Cronológico (CC), I-23-32.
  13. RODRIGUES, Bernardo. Anais de Arzila... Op. cit., p. 189; 196-197.
  14. ANTT. CGA, n. 83.
79 BN-RJ. Loc: I-14-2, n. 18, fl. 199v.
  1. ANTT. CGA, n. 365.
  2. ANTT. Núcleo Antigo (NA), 139, fls. 7v.; 10.
  3. ANTT. CDMI, lv. 25, fl. 97.
  4. ANTT. CC, II-58-84.

    O rumo asiático de Manuel Teles Barreto,84 primo de Rui Barreto, não foi trilhado nem por Rui Barreto nem pelos seus filhos Nuno Rodrigues Barreto e Francisco Barreto, ainda muito jovens durante a sua vida, algo que se alterou com D. João III. A despeito da capitania de Azamor não ter sido bem-sucedida para Rui Barreto é importante reconhecer que a sua Casa cresceu durante o seu consulado, ganhando acesso à vedoria da fazenda do Algarve, cargo que lhe abriu novas oportunidades de consolidação local. Na base de tudo, esteve sempre o facto de Rui Barreto ter procurado, desde o início, reforçar a sua ligação pessoal ao monarca, como nenhum dos titulares da Casa anteriormente fizera. Por essa mesma razão e provavelmente tendo mais em conta o papel nos socorros a Marrocos do que a capitania de Azamor, nos seus testamentos, D. Manuel I elencou Rui Barreto entre os alcaides-mores a quem aconselhava a confirmação do cargo aos seus herdeiros.85

    1. Em tempos de Nuno Rodrigues Barreto: a Casa entre o Algarve, Marrocos e a Índia (1522-1563)


      É desconhecido se à data do falecimento de Rui Barreto, em 1522, já se encontravam concretizados os casamentos das suas filhas e do seu herdeiro, embora tal seja provável. D. Brites de Vilhena, “A Perigosa” casou-se com D. Henrique de Meneses, comendador de Azambuja e governador da Casa do Cível, a qual recebeu, por falecimento do seu marido, um padrão de juro de 20 moios de tença, em 1547, um padrão de 75 600 reais de juro e uma tença de 20 mil reais, em 1548.86 Já D. Francisca de Vilhena consorciou-se com D. Fernando de Lima, alcaide-mor de Guimarães, e recebeu, por falecimento do marido, em 1541, uma tença de 30 mil reais.87 Por sua vez, D. Maria de Vilhena casou com Diogo Lopes de Sequeira, alcaide-mor do Alandroal e almotacé-mor de D. João III. Nestes casamentos volta a denotar- se o enlace com linhagens de alcaides-mores, mas também a confirmação da estratégia de Rui Barreto de aproximação a figuras com cargos na corte, a qual complementava a sua estratégia de serviços. Também o casamento do herdeiro Nuno Rodrigues Barreto com D. Leonor de Milão, filha de D. Nuno Manoel, senhor de Salvaterra, guarda-mor e almotacé de D. Manuel I em data desconhecida,88 se enquadra plenamente na estratégia descrita.
      Seguindo a vontade manuelina, D. João III confirmou Nuno Rodrigues Barreto no cargo

      de vedor do Algarve na sequência do falecimento do pai, em Agosto de 1522. Já em 1527, o

      Piedoso confirmou a tença de 100 mil reais e autorizou o fidalgo a partilhar esta tença com a

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  5. PELÚCIA, Alexandra. Afonso de Albuquerque. Corte, Cruzada e Império. Lisboa: Círculo de Leitores, 2016, p. 179-180; 186; 195; 258.
  6. REGO, Antônio da Silva (ed.). As Gavetas da Torre do Tombo. Vol. VI. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1967, p. 121; 151.
86 ANTT. CDJIII, lv. 15, fl. 103; lv. 70, fl. 67 e lv. 68, fl. 174v.
  1. Idem, lv. 31, fl. 20.
  2. PEDROZA, Manuel Álvares. Tratado Genealógico dos... Op. cit., fl. 4bv.

    sua esposa.89 Para esse gesto muito concorreu o empenho do fidalgo em Marrocos durante a década de 1520, o qual parece ter superado o do pai em anos anteriores. Logo em 1523 perante a morte do capitão de Arzila, Barreto embarcou-se com uma grande armada para Arzila, colaborou com a armada castelhana do Estreito e só deixou a cidade quando o conde D. João Coutinho reassumiu a capitania.90 Nesse ano, D. João III ordenou-lhe ainda o envio de 50 homens para Arzila e 200 para Azamor.91 O ano não terminou sem um combate de Barreto, em conjunto com D. João e D. Manuel Mascarenhas, a corsários franceses nos mares algarvios.92 O ano seguinte foi também marcado por combates nas águas algarvias, desta vez contra mouros, o que levou o rei a agradecer os seus serviços e os conselhos do fidalgo sobre como reforçar Faro. Nesse âmbito recebeu ainda uma carta da rainha a agradecer a protecção à sua Faro. Já no final de 1524, o rei solicitou ao fidalgo o pronto envio de 100 homens para Arzila e Tânger e o envio dos livros da alfândega de Faro.93 Em Abril de 1525, o monarca solicitou ao fidalgo que providenciasse o necessário a Jorge Viegas para passar a Azamor e em Maio desse ano autorizou-o a nomear os capitães para a pesca do atum,94 cuja importância para a economia do Algarve quinhentista é bem conhecida.95 Já em 1527 é conhecida uma missiva pela qual D. João III solicitava nomes para oficiais a nomear em cargos desconhecidos.96
    Estas missivas demonstram uma intervenção quase anual de Nuno Rodrigues Barreto e que excede as áreas de intervenção conhecidas ao pai. Do fidalgo era esperado que providenciasse socorros para as diversas praças marroquinas, mas também que organizasse a defesa marítima, as actividades económicas algarvias e ainda que aconselhasse o monarca para diferentes cargos. Neste contexto, não admira que em 1528 D. João III tenha concedido ao fidalgo uma nova de tença de 40 mil reais e lhe tenha confirmado a dízima nova e velha do pescado da Quarteira.97 Na realidade, o agravamento do cenário marroquino com a emergência dos Sáadidas no sul e a consequente inevitabilidade de abandonos de praças e aumento do corso e pirataria islâmicos nas águas algarvias, acabaram por se revelar como oportunidades de serviço e engrandecimento da Casa chefiada por Barreto.
    Assim, se em 1529, o rei ordenou ao fidalgo que enviasse dinheiro urgentemente para Tânger,98 já em Abril de 1530, o monarca solicitou-lhe que preparasse as defesas de Faro pois tivera nova de Ceuta da vinda de mouros.99 Nesta sequência, Barreto escreveu ao monarca um relatório sobre o estado do armazém e vedoria do Algarve.100 Já em Novembro de 1530, o

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  3. ANTT. CDJIII, lv. 46, fl. 161 e lv. 51, fl. 171v.
  4. RODRIGUES, Bernardo. Anais de Arzila... Op. cit., p. 418.
91 BN-RJ. Loc. I-14-2, n. 18, fls. 201v.; 207-207v.
92 RODRIGUES, Bernardo. Anais de Arzila... Op. cit., p. 428.
93 BN-RJ. Op. cit, fls. 208-208v.; 209.
  1. Ibidem, fls. 209v-210.
  2. MAGALHÃES, Joaquim. Para o estudo do Algarve... Op. cit., p. 149.
  3. BN-RJ. Op. Cit., fls. 210-210v.
  4. ANTT. CDJIII, lv. 37, fl. 89v e lv. 50, fl. 12.
  5. ANTT. CC, II-159-15.
  6. BN-RJ. Op. Cit., fls. 210v.-211.
  7. ANTT. CC, I-45-29.

fidalgo foi chamado a socorrer Arzila.101 Ainda nesse ano, combateu navalmente o renegado João Vaz nos mares de Faro e Cádis.102 Neste contexto, compreende-se que o Piedoso tenha, em 1534, solicitado parecer a Nuno Rodrigues Barreto sobre o abandono das praças marroquinas. Em resposta, o fidalgo defendeu a necessidade de manter a herança manuelina, concentrando esforços em Safim e Azamor, para assegurar a divisão entre os Xerifes do Suz e de Marraquexe. Opinava ainda que se devia manter Ceuta, abandonando as restantes praças do Norte, e sobretudo que toda a nobreza devia financiar a necessária guerra aos Xerifes.103
O parecer defendia assim a manutenção das praças onde os seus antecessores mais se tinham destacado (Ceuta e Azamor), mas podia ainda ser fundado nas dificuldades de socorro militar que o próprio terá constatado em praças como Arzila. No entanto, o seu parecer não pode ser desligado dos do bispo do Algarve e do seu tio João de Melo Barreto, os quais também defendiam a manutenção de Safim e Azamor.104 Tratava-se, portanto, de uma óptica verdadeiramente algarvia que considerava que o abandono das praças a sul prejudicaria mais o Algarve por poder significar novos portos de corsários e piratas, contrariamente ao Norte onde se assumia que a proximidade a Castela sempre garantia uma maior protecção. Apesar do monarca não ter seguido estes pareceres, Nuno Rodrigues Barreto não deixou de responder aos pedidos de envio de 100 besteiros e espingardeiros a Safim, em 1536,105 e sobretudo de socorro a Tânger e Arzila ameaçadas de cerco pelo sultão de Fez em 1537.106 Em datalhada carta, o fidalgo narrava os preparativos que fizera em todo o Algarve para socorrer ambas as praças.107 Por estas razões, e apesar da sua ausência nas Cortes de 1535, onde se fez representar por Álvaro Fernandes,108 o rei outorgou a Barreto nova tença de 10 mil reais, em Março de 1536.109
Pelos finais da década de 1530 terá decorrido o casamento de Francisco Barreto, seu irmão nascido em 1520, com D. Francisca de Castro, filha de D. Luís de Meneses. Ainda antes de partir para a Índia, em 1548, Francisco Barreto foi nomeado como um dos capitães de ordenança enviados a Mazagão, no contexto do abandono de Safim e Azamor, e a quem o rei autorizou o regresso a Portugal, em Novembro de 1541.110 A nomeação do irmão do titular da Casa para tal cenário demonstra como apesar da opinião contrária, a Casa não hesitou em acatar a decisão política do monarca e de o servir. É possível que até partir para a Índia em 1548, Francisco Barreto tenha colaborado com o irmão na defesa marítima do Algarve e assim tenha assistido ao crescente declínio de Tavira e sobretudo à decisão papal de 1539 de

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101 BN-RJ. Loc. I-14-2, n. 18, fls. 211-211v.
  1. RODRIGUES, Bernardo. Anais de Arzila... Op. Cit., tomo II, p. 188-189.
  2. CRUZ, Maria Leonor Garcia. As controvérsias ao tempo de D. João III sobre a política portuguesa no Norte de África. Separata - Especial Mare Liberum, Lisboa, CNCDP, [s.d.], p. 60.
104 Ibidem, p. 93-96; 101-104.
  1. FORD, J. D. M. Letters of John III King of Portugal 1521-1557. Cambridge: Harvard University Press, 1931, p. 274-275.
  2. ANTT. CC II-207-89.
  3. Ibidem, I-59-33.
  4. Ibidem, II-201-15.
  5. ANTT. CDJIII, lv. 36, fl. 46.
  6. MOREIRA, Rafael. A Construção de Mazagão. Cartas inéditas 1541-1542. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico, 2001, p. 119-120.

    transferência da Sé e bispado de Silves para Faro, o último dos factores explicativos da duplicação da população de Faro na segunda metade do século XVI e o motivo da alcaidaria- mor da cidade ter então mais peso. Sinal evidente deste facto foi a promoção, por D. João III, de Faro a cidade,111 a qual se enquadra na consciência régia da importância geoestratégica da defesa marítima do Algarve.112
    Para as décadas de 1540 e 1550 são menos conhecidas as intervenções de Nuno Rodrigues Barreto, apesar do agravamento do corso e pirataria nos mares algarvios, com desembarques islâmicos em 1549, 1554 e 1559 e as obras de fortificação ordenadas por D. João III na Quarteira e possivelmente também em Faro cujo castelo foi preparado para suportar a defesa contra navios. 113 Naturalmente que a discussão sobre a criação no Algarve de uma armada de guarda-costa permanente de Abril a Setembro não poderá ter passado sem a intervenção de Nuno Rodrigues Barreto. Mas a actuação do vedor da fazenda algarvia era também relevante em Faro para mediar conflitos. Assim sucedeu, em 1545, quando a fome na cidade levou a população a pilhar os navios carregados de cereais para Marrocos e o fidalgo prometeu ao rei recuperar tudo o que pudesse mas não punir os infractores dado o desespero que então se vivia em Faro.114 As décadas de 1540 e 1550 foram ainda marcadas por relevantes mercês: confirmação régia de compra de terras em Loulé, em 1542 e 1552,115 autorização para fundar um convento franciscano em Loulé em 1546;116 carta de comenda de Santo André de Monsaraz, em 1548;117 autorização para a esposa receber na íntegra a tença de 100 mil reais, em 1551;118 privilégio de decidir só quem convocar para os alardos militares em Faro, em 1556.119
    A estas mercês há que acrescentar a mencionada partida de Francisco Barreto para a Índia, em 1548, como capitão-mor de um dos navios da armada e toda a sua carreira asiática que culminou na assumpção do cargo de governador da Índia, em 1555.120 Também o herdeiro de Nuno Rodrigues Barreto, Rui Barreto, recebeu autorização régia para comprar azenhas em Loulé, em 1547,121 enquanto o irmão mais novo Gonçalo Nunes Barreto, alcaide-mor de Loulé, recebeu, em 1556, privilégio de decidir só quem convocava para os alardos.122 Neste contexto, Nuno Rodrigues Barreto estava em condições de resistir aos agravos denunciados por Jorge Mendes junto de D. João III, em 1554, e de denunciar a resistência a alardos em Silves, em
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  7. MAGALHÃES, Joaquim. O Algarve na época... Op. cit., p. 84; 99-101.
  8. IRIA, Alberto. Da importância geopolítica do... Op. cit., p. 35.
  9. COUTINHO, Valdemar. O Algarve e a política marroquina de D. João III. In: D. João III e o Império. Actas do congresso internacional comemorativo do seu nascimento. Ed.: Roberto Carneiro e Artur Teodoro de Matos. Lisboa: CHAM, 2004, p. 223-226; COUTINHO, Valdemar (coord.). Dinâmica defensiva da costa do Algarve. Do período islâmico ao século XVIII. [s.l]: Instituto de Cultura Ibero-Atlântica, 2001,
    p. 45-56; 226; COUTINHO, Valdemar. Castelos, fortalezas e torres da região do Algarve. Faro: Algarve
    em Foco, 1997, p. 51.
  10. ANTT. CC I-76-110.
  11. ANTT. CDJIII, lv. 70, fl. 6v. e lv. 68, fl. 188.
  12. SIMÕES, J. M., Op. Cit., p. 73.
  13. ANTT. CDJIII, Privilégios, lv. 2, fl. 103v.
  14. ANTT. CDJIII, lv. 56, fl. 256.
  15. ANTT. CDJIII, Privilégios, lv. 5, fl. 256.
  16. Cf.: A nota n. 4, deste artigo.
  17. ANTT. CDJIII, lv. 15, fl. 55v.
  18. ANTT. CDJIII, Privilégios, lv. 5, fl. 256v.

Janeiro de 1557, pois ainda em Julho de 1557, fora, após todos os preparativos que fizera em Faro e sem sucesso, com um filho não identificado, em perseguição de galés turcas que tinham desembarcado.123
No quadro dos 12 filhos que teve com D. Leonor de Milão e tendo presente a ligação posterior da sua esposa à rainha D. Catarina, não admira que Barreto tenha pertencido ao grupo dos que aceitaram a regência da rainha sem comentário em Junho de 1557124. Logo em 1558, escreveu-lhe relembrando os seus serviços e do seu pai para pedir uma comenda para o seu filho Gonçalo Nunes Barreto que se deslocara a Lisboa sem ter sido atendido duas vezes.125 Nessa sequência, em Maio de 1560, a regente passou-lhe um alvará de lembrança de comenda126 e alertou-o ainda para a necessidade de preparar defesas em Faro pela nova que tivera da vinda de uma armada turca sobre a cidade.127 Ainda antes de falecer em inícios de 1563, Nuno Rodrigues Barreto assistiu à recepção prestada ao seu irmão Francisco Barreto aquando do retorno da Índia, em 1561, à sua nomeação para o socorro a Mazagão, em 1562,128 e sobretudo participou com este nas Cortes de 1562.129 Se então os sucessos do irmão pareciam contrastar com a menor actividade do titular da Casa, tal não significou que Francisco Barreto não tivesse um papel relevante após a morte do seu irmão.
Mais difícil é saber se foi apenas Nuno Rodrigues Barreto quem delineou a estratégia matrimonial para todos os seus descendentes. Ainda assim, a presença do herdeiro Rui Barreto e do irmão Nuno Rodrigues Barreto na expedição do Bahrein, em 1559,130 não deve estar desligada da iniciativa de seu pai de enviar os filhos para a Ásia no momento em que o irmão governava a Índia. A partida do herdeiro da Casa sucedia então pela primeira vez, mas tencionava tirar partido deste facto e demonstrava como Nuno Rodrigues Barreto, contrariamente ao seu pai, tencionava apostar no cenário asiático, percebendo que o abandono de praças em Marrocos só poderia ser substituído, na lógica imperial da Coroa, pelo serviço na Ásia. Em todo o caso, é provável que Nuno Rodrigues Barreto tenha ainda avalizado o casamento do seu herdeiro Rui Barreto, “O Bigodes” com D. Brites de Vilhena, filha de D. Pedro de Meneses, capitão de Tânger e neta de D. Duarte de Meneses, governador da Índia, mas também o enlace de Gonçalo Nunes Barreto com D. Margarida de Mendonça, filha de D. Francisco de Sousa, vedor da fazenda de D. João III. Este último casamento significava novamente uma aproximação a titulares de cargos na corte e denuncia o prosseguimento de uma intenção de reforço de ligação à corte. Em todo o caso, e ainda que com um perfil diferente do seu pai, Nuno Rodrigues Barreto procurou diversificar os serviços prestados pela
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123 ANTT. CC, I-93-128; I-100-75; I-101-29.
  1. CRUZ, Maria do Rosário. As regências na menoridade de D. Sebastião. Elementos para uma história estrutural. Vol. I. Lisboa: INCM, 1992, p. 216.
  2. ANTT. CC, I-102-61.
  3. ANTT. Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique (CDSDH), lv. 7, fl. 51.
127 BN-RJ. Loc. I-14-2, fl. 226-227.
  1. MARTYN, John R. C. The siege of Mazagão. A perilous moment in the defence of Christendom against Islam. New York: Peter Lang, 1994, p. 97.
  2. MACHADO, Diogo Barbosa. Memórias para a história de Portugal, que comprehendem o governo
    delrey D. Sebastião. Tomo I. Lisboa Occidental: Na Officina de Joseph António da Sylva, impressor real, p. 170.
  3. Ibidem, p. 271.

    sua Casa à Coroa, almejando com isso o engrandecimento do seu senhorio, estratégia em que contou com a aprovação régia.

    1. A Casa em tempos de Rui Barreto e D. Francisca de Aragão: reforma militar, Alcácer-Quibir e a titulação (1563-1599)


    À data de falecimento de Nuno Rodrigues Barreto tudo indica que a sua esposa D. Leonor de Milão e o seu irmão Francisco Barreto tenham ficado a gerir a Casa. A D. Leonor foi assentada tença de 50 mil reais, em 1565,131 a que acresceu a moradia de 80 mil reais por ser donzela de D. Catarina desde 1575.132 Pelo falecimento da rainha, D. Leonor recebeu ainda 120 mil reais de tença, em 1578, e 100 mil reais, em 1580,133 padrões que veio a partilhar com as filhas D. Brites e D. Jerónima de Aragão. Em causa estavam os serviços de Nuno Rodrigues Barreto e a elevada descendência que este deixara, motivo pelo qual nos parece crível que tenha sido Francisco Barreto a sugerir o casamento da sobrinha D. Joana de Aragão com João de Mendonça, “O Cação”, governador da Índia, em data posterior a 1564. Na sequência do envio de Francisco Barreto para socorrer Mazagão, em 1562, Rui Barreto já tinha ficado a coordenar as operações de socorro no Algarve.134 No ano seguinte, já após o falecimento do pai, Rui Barreto foi um dos capitães de navio da armada do Algarve cujo comando supremo foi atribuído ao tio Francisco Barreto. Nessa sequência, aquando da jornada ao Pinhão de Velez de 1564, também comandada pelo tio, Rui Barreto voltou a estar às ordens deste.135 Foi, ainda em 1564, mas após o regresso desta expedição que o fidalgo foi agraciado com a mercê de poder trazer 2000 cruzados forros da Índia e sobretudo que o seu casamento foi autorizado com o rei a pagar todas as arras.136 O maior protagonismo do titular da Casa só se verificou após a partida de Francisco Barreto para a jornada do Monomotapa, em 1569, o que era uma clara assumpção de que era o tio que tinha maior peso na representação da Casa na corte, motivo pelo qual foi possível a este casar-se, em 1564, com D. Brites de Ataíde, irmã do futuro 3º conde restaurado da Atouguia.137
    Assim, se em 1566, Rui Barreto recebeu alerta para preparar as defesas de Faro devido ao assalto francês ao Funchal, e no ano seguinte teve a cidade preparada para a eventualidade de D. Juan de Áustria ali passar,138 foi apenas em 1567 que ao fidalgo foi passada carta de conselheiro.139 Foi ainda nesse ano, sendo o tio Francisco Barreto, capitão das galés de Portugal, que o fidalgo foi pela primeira vez indicado para comandar a armada de guarda-costa

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  4. ANTT. CDSDH, lv. 13, fl. 419.
  5. ANTT. NA 176, fl. 6.
  6. ANTT. CDSDH, lv. 44, fl 194 e lv. 45, fl. 47.
  7. MARTYN, John R. C. The siege of Mazagão… Op. cit., p. 97.
135 BN-RJ. Loc. I-14-2, n. 18, fls. 197v; 198v.
  1. ANTT. CDSDH, lv. 20, fl. 341 e lv. 36, fl. 58.
  2. VILA-SANTA, Nuno. Between Mission and... Op. cit., p. 57.
138 BN-RJ. Op. Cit., fls. 199 e 225v.-226.
139 ANTT. CDSDH, Privilégios, lv. 5, fl. 125v.

do Algarve. Deverá ter exercido este cargo também em 1569, atendendo ao pedido de informar o vedor da fazenda dos navios de que dispunha e ao encargo de socorrer Tânger perante o possível cerco do sultão sáadida. Já em 1570, D. Sebastião autorizou-o, como já tinha sido feito aos seus antecessores, a comandar novo socorro a Tânger, alertou-o ainda para a vinda de uma armada turca ao Algarve, para a partida de navios da Rochela com possível destino a Faro e ainda lhe pediu que enviasse dinheiro a Marrocos.140
Mas foi em 1571 que se registou maior actividade do fidalgo. Logo em Fevereiro, D.

Sebastião escreveu-lhe uma longa missiva na qual lhe pedia que, no âmbito dos preparativos da Santa Liga, arregimentasse ordenanças em Tavira e Lagos, para o que lhe fornecia detalhadas instruções e amplos poderes de actuação. Esta missiva é particularmente relevante por demonstrar a confiança depositada no fidalgo para encetar a tão desejada reforma militar do Reino. Não admira, por isso, que a este facto se tenha seguido a confirmação da alcaidaria- mor de Faro e a indigitação para o comando da armada de guarda-costa do Algarve, acrescida de excepcionais poderes de justiça, e sobretudo que o Desejado se tenha regozijado com as ordenanças que Rui Barreto organizou.141 Estes factos explicam a disposição régia de agraciar o fidalgo com 400 mil reais em fazendas em Faro e a confirmação dos seus privilégios na Quarteira, ambos em 1572.142 As mercês régias encontram-se interligadas à probabilidade do rei encarar Rui Barreto não apenas como mais um fiel defensor do Algarve mas sobretudo como alguém alinhado com o seu projecto de reforma militar.
A confirmação desta asserção é encontrada na conhecida jornada sebástica ao Alentejo e Algarve de 1573. Na ocasião, Rui Barreto foi buscar D. Sebastião a Albufeira e proporcionou a este e ao senhor D. Duarte uma corrida de touros e vacas na sua quinta da Quarteira. Depois da visita à quinta, Rui Barreto organizou uma ordenança de 100 homens para receber o monarca em Loulé, cuja alcaidaria-mor pertencia ao seu irmão Gonçalo Nunes Barreto. Este último recebeu ambos na sua casa de Loulé, então pertença da Casa do senhor D. Duarte. No dia em que se iniciou a marcha para Faro, Rui Barreto preparou uma emboscada à moda marroquina e uma ordenança de mulheres e índias para receber o monarca. À entrada na cidade, ficou à direita do rei, tendo combinado com os vereadores hospedar o rei na praça central da cidade. A expectativa dos vereadores de que D. Sebastião pudesse alongar a sua visita dada a relevância que a cidade assumira no Algarve, foi baldada pelo monarca que decidiu prosseguir viagem. Ainda assim, Rui Barreto voltou a organizar uma nova marcha militar para impressionar o rei.143 As 9 bandeiras de ordenança de 1800 homens que organizou em Faro pretendiam rivalizar com as que o monarca observou noutros locais. Porém, Barreto não conseguiu superar os 2200 homens de Moura e captar uma impressão régia semelhante à de Ourique.144 Particularmente impressionado com o que viu em Loulé, o rei concedeu à cidade

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140 BN-RJ. Loc. I-14-2, n. 18, fl. 196-196v; fl. 192v.-193 e 225; fl. 196v.-197; 199v.; 224v-225 e 227.
141 Ibidem, fl. 193-195; fls. 192v; 195v-196; 198-198v e 200v-201.
  1. ANTT. CDSDH, lv. 31, fls. 117; 128v.
  2. LOUREIRO, Francisco. Uma Jornada ao Alentejo e Algarve. Lisboa: Livros Horizonte, 1984, p. 111- 115.
  3. LOUREIRO, Francisco. D. Sebastião e Alcácer-Quibir. Lisboa: Publicações Alfa, 1989, p. 153.

    o título de notável.145 Não há dúvida que Rui Barreto procurou ostentar o poder da sua Casa no Algarve,146 ainda que paradoxalmente tal tenha tido efeitos imprevistos.
    Num terceiro momento, após D. João II e D. Manuel I, em que com D. Sebastião o Algarve voltava a ganhar protagonismo na história portuguesa,147, na sequência daquela jornada e tendo em mente a futura intervenção em Marrocos, o rei nomeou, após a referida jornada, D. Diogo de Sousa como primeiro governador do Algarve.148 A indigitação de Sousa não poderia ser feita sem uma significativa redução de poderes do vedor Rui Barreto, motivo pelo qual o fidalgo, ainda em 1573, solicitou uma mercê compensatória que o rei adiou.149 Na realidade, essa mercê surgiu no ano seguinte quando pouco após autorizar Rui Barreto a aceder a todas as armas em Faro,150 D. Sebastião o nomeou para ser um dos conselheiros principais do Prior do Crato, então nomeado para a capitania de Tânger.151 Com a deslocação do rei a esta cidade, Rui Barreto foi mesmo nomeado pelo rei como um dos coronéis de infantaria, a par com Isidoro de Almeida e D. Francisco de Meneses.152 A nomeação era o sinal de que se a Casa seguisse a política marroquina do monarca poderia ser compensada da perda de poderes que a criação do governo do Algarve acarretava. A consequência natural de tal foi a convocação sebástica de Gonçalo Nunes Barreto e Francisco Barreto, irmãos do então defunto Rui Barreto, para a jornada de Alcácer-Quibir, onde ambos faleceram.153
    Apesar de diversas incertezas, tudo aponta para que a Casa tenha sido herdada por Nuno Rodrigues Barreto, filho de Rui Barreto, em especial a alcaidaria-mor de Loulé em
    1580.154 Posteriormente por alegada doença, a Casa foi entregue ao seu irmão Francisco

    Barreto. Este último acompanhou, em 1616, o primo vice-rei D. Francisco de Borja ao Peru, ali falecendo, sucedendo Borja na Casa. Foi já D. João IV que entregou a Casa a D. António de Meneses, bisneto de D. Leonor de Milão.155 Afastado da sucessão ficara o filho natural de Francisco Barreto, o conhecido Francisco Barreto de Meneses, restaurador de Pernambuco e governador do Brasil (1657-1663).156
    Foi, contudo, ainda nos finais do século XVI, que outros membros da Casa rumaram à Ásia e ao Brasil, numa clara estratégia de diversificação de serviços. No ramo dos Barretos Monizes, há que destacar a presença de António Moniz Barreto no cerco de Mazagão de 1562 e posteriormente o seu governo da Índia entre 1573-1577. Apesar deste último ter sido partidário do Prior do Crato, em 1580, o seu irmão Manuel Teles Barreto seguiu Filipe II e foi o primeiro governador filipino do Brasil entre 1582 e 1587. Já no ramo dos Barretos Rolins, há

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  4. IRIA, Alberto. Da importância geopolítica do... Op. cit., p. 125.
  5. MAGALHÃES, Joaquim. Panorama Social e... Op. cit., p. 4.
  6. MAGALHÃES, Joaquim. O Algarve e a política... Op. cit., p. 82.
  7. IRIA, Alberto. Da importância geopolítica do... Op. cit., p. 126.
149 BN-RJ. Loc. I-14-2, n. 18, fl. 225v.
  1. Ibidem, fl. 200.
  2. LOUREIRO, Francisco. D. Sebastião e... Op. cit., p. 159.
  3. MACHADO, Diogo Barbosa. Memórias para a... Op. cit., tomo IV, p. 33.
  4. Ibidem, p. 419.
  5. ANTT. CDSDH, lv. 45, fl. 31v.
  6. MORAIS, Cristóvão. Pedatura lusitana... Op. cit., vol. III, p. 309.
  7. CALMON, Pedro. Francisco Barreto: restaurador de Pernambuco. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1940.

que destacar Rui Barreto Rolim, comendador de Ródão, que casou com D. Joana de Aragão, filha de Rui Barreto. Um irmão homónimo deste último teve longa carreira asiática, incompatiblizando-se com Francisco Barreto na jornada do Monomotapa, mas tendo sido nomeado para suceder a Francisco Barreto em caso de seu falecimento ou afastamento. O mesmo sucedeu com outro irmão, Jerónimo Barreto, a quem D. Sebastião também reservou a sucessão da expedição do Monomotapa.157
O facto da Casa ter sido temporariamente entregue a D. Francisco de Borja está

directamente ligado a um casamento realizado ainda em tempo de Rui Barreto. Tratou-se do enlace, em 1574, de D. Francisca de Aragão, irmã de Rui Barreto, com D. Juan de Borja, filho de Francisco de Borja, duque de Gandia, e embaixador de Filipe II em Portugal.158 O casamento renovava enlace anterior quando a tia de D. Francisca, D. Isabel de Castro casara com Francisco de Borja, duque de Gandia. Pelo contexto em que decorreu, com o beneplácito de Filipe II e da rainha D. Catarina de quem D. Francisca era dama desde 1565 com 10 mil reais de tença159 e a quem D. Sebastião deu tença de 100 mil reais pelo falecimento da rainha em 1578,160 este enlace abriu o caminho da titulação. Ao casar com um homem da confiança daquele monarca, o enlace criou condições para a nomeação do casal para camareiro-mor e mordomo-mor de D. Maria de Áustria, irmã de D. Filipe I. Conjunturalmente, foram precisamente estes serviços e os que posteriormente prestou a D. Margarida de Áustria, esposa de D. Filipe II, quando conjugados com ascendência real aragonesa que D. Francisca herdara da mãe, que valeram a sua nomeação como 1º condessa de Ficalho, em 1599.161 Mas há que indagar as motivações estruturais. Em que medida a vasta descendência de Nuno Rodrigues Barreto não poderia ter sido encarada como o peão decisivo para que a Casa pudesse atingir a titulação?

Conclusão


Tendo em consideração que a Casa dos Barretos da Quarteira desde o século XV geria as alcaidarias-mores de Faro e Loulé, a primeira normalmente entregue ao titular da Casa e a segunda ao secundogénito, a par com um conjunto de propriedades e privilégios nos arredores destas nos quais se destacava o morgado e quinta da Quarteira, e que não se conhece nenhum senhorio de raiz que lhe tenha sido doado, para responder à questão anterior é necessário questionar em que medida uma Casa com esta base patrimonial poderia almejar alcançar a titulação. Num Algarve onde, nos séculos XV e XVI, não abundaram as Casas

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157 BN-RJ. Loc. I-14-2, n. 18, fls. 34v-35v. e 36-36v.
  1. BUESCU, Ana Isabel. Catarina de Áustria. Infanta de Tordesilhas. Rainha de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2007, p. 375.
  2. ANTT. NA 171, fl. 8.
  3. ANTT. CDSDH, lv. 44, fl. 101.
  4. VELOSO, J. M. Queiroz. D. Francisca de Aragão: condessa de Mayalde e de Ficalho: uma alta figura feminina das cortes de Portugal e de Espanha nos séculos XVI e XVII. Barcelos: Portucalense, 1931.

    tituladas, a primeira constatação é a de que, apesar de todos os serviços da Casa, esta nunca foi agraciada com nenhum senhorio. Tal poderá estar relacionado com o facto das principais urbes algarvias, como Lagos, Faro, Tavira ou Loulé serem tradicionalmente pertença dos reis e rainhas de Portugal. Para que tal tivesse sucedido, teria sido necessário que no século XV à Casa tivesse sido doado o senhorio de Faro, o que nunca sucedeu, entre outros motivos, pelo facto dos membros da Casa não se contarem entre a primeira nobreza de então. Associada essencialmente a uma nobreza de província que se concentrou em consolidar o seu poder no Algarve, e como era comum nestes casos, envolvida em disputas com concelhos, a Casa concentrou-se em estabelecer alianças regionais no Alentejo e só a partir de inícios do século XVI apostou mais na ligação à corte.
    Desta forma, já no reinado manuelino, a controversa capitania de Rui Barreto em Azamor não gerou condições para a doação de um senhorio. Já no contexto de afunilamento das titulações que marcou os reinados de D. João III e de D. Sebastião,162 seria ainda mais difícil à Casa almejar alcançar um título, apesar da crescente elitização dos enlaces então realizados. Esta impossibilidade derivava de não ter uma base patrimonial solidamente estabelecida no século anterior, facto que se verifica maioritariamente nas Casas que foram tituladas ao longo do século XVI. Tal, contudo, não implica que a Casa não tivesse percorrido o seu caminho de serviço no Império e na corte que poderia abrir o caminho da titulação em condições mais favoráveis.
    Foi exactamente esse caminho e estratégia que começou a ser delineado no tempo de Nuno Rodrigues Barreto e que prosseguiu plenamente com Rui Barreto. Naturalmente que na fase inicial do consulado de Rui Barreto em que a Casa foi gerida por D. Leonor de Milão e Francisco Barreto, esta estratégia não terá deixado de ser considerada. O facto de então Francisco Barreto ser o membro da Casa com presença mais assídua na corte e com boas relações com D. Catarina, D. Henrique e D. Sebastião, como atestam as nomeações destes para este comandar expedições em Mazagão (1562), no Pinhão de Velez (1564) e no Monomotapa (1569), evidenciam bem este facto. Assim, o empenho de Rui Barreto em servir
    D. Sebastião no projecto de reforma militar do Reino e na política marroquina foram não apenas uma continuidade da estratégia seguida anteriormente, como assumiram então uma relevância que explica a razão de D. Juan de Borja e Filipe II terem considerado seriamente renovar a aliança de uma das maiores Casas de Espanha com a Casa dos Barretos da Quarteira.
    Assim, a titulação de D. Francisca de Aragão tornou-se viável com uma realeza filipina assumidamente mais generosa em matéria de concessão de títulos,163, sendo tão improvável, em tempos de D. João III e D. Sebastião, como as de tantos outros casos de pretendentes à

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  5. OLIVEIRA, Luís Filipe; RODRIGUES, Miguel. Um processo de restruturação do domínio social da nobreza. A titulação na 2ª dinastia. (Separata). Revista de História Económica e Social, Lisboa, 1988.
  6. CUNHA, Mafalda Soares da. Títulos portugueses y matrimónios mixtos en la Monarquía Católica. In:
    YUN-CASALILLA, Bartolomé (org.). Las Redes del Imperio. Élites Sociales en la articulación de la Monarquia Hispánica, 1492-1714. Madrid: Marcial Pons Historia; Universidad Pablo de Olavide, 2009, p. 210.

    titulação não encartados. Mas para que tal sucedesse foi necessária a conjugação de um conjunto de factores. Em primeiro lugar, o serviço directo na corte aos monarcas, algo que durante os séculos XV e XVI nenhum titular da Casa alcançara. Em segundo lugar, a falta de uma base patrimonial sólida que se revelara com os Avis como um sério óbice à titulação da Casa, foi ultrapassada pela renovação, em contexto filipino, do casamento de um membro da Casa com um dos grandes de Espanha. Desta forma, e como era comum na lógica nobiliárquica, os caminhos e objectivos de uma geração tendiam a ser alcançados nas gerações seguintes. Foi precisamente isso que sucedeu com D. Francisca de Aragão, cujos progenitores dificilmente poderiam ter alvitrado, que dentre os seus 12 descendentes, seria em D. Francisca que recaíria a titulação.
    Em terceiro lugar, naturalmente que o envolvimento de membros da Casa nos cenários imperiais marroquino, asiático e brasileiro durante a segunda metade do século XVI, onde diversos membros da Casa alcançaram posições de destaque, contribuíram para alicerçar uma lógica de serviços à Coroa até então não alcançada em termos de amplitude e que ajudou a fortalecer a possível titulação de D. Francisca. Em quarto lugar, é igualmente evidente como o crescimento da Casa se encontrou sempre intimamente ligado aos momentos de maior protagonismo do Algarve na história portuguesa e em Marrocos, motivo pelo qual para esta Casa a batalha de Alcácer-Quibir significou o início de um declínio que não conseguiu ser invertido pelos sucessores de Rui Barreto. Este facto explica o governo da Casa por um Borja antes de 1640 e também ajuda a compreender o facto da titulação ter recaído em D. Francisca de Aragão por esta ser o membro da Casa melhor colocado para capitalizar todos os serviços da Casa. Nessa medida, como assinalou Queiróz Veloso,164 a trajectória de D. Francisca não deixou de ser absolutamente singular no panoramo nobiliárquico português dos séculos XVI e XVII, por a titulação recair num membro tão afastado da chefia da Casa e de sexo feminino.
    Assim, após um século XV marcado essencilmente pela consolidação senhorial da Casa no Algarve e por um século XVI vincado pela aproximação à corte, não poderia ter sucedido facto mais imprevisível do que a capitalização dos serviços da Casa ter sucedido em D. Francisca de forma absolutamente indissociável dos serviços que tinham sido prestados por todos os seus ascendentes, em particular os do seu tio Francisco Barreto. O tio que fora um controverso governador da Índia e do Monomotapa e que falecera em 1573, era ainda invocado, em 1583, por D. Filipe I para justificar mercês a D. Francisca. Em causa estava a memória do fidalgo a quem o rei, na sequência da expedição do Pinhão de Velez de 1564, mandara um medalhão com o seu retrato e por quem intercedera na corte portuguesa.165 Talvez também por este facto o falhanço do titular da Casa em defender Faro, em 1596, tenha sido satiricamente comparado com os sucessos do mesmo Francisco Barreto,166 que a despeito de não ter sido titular da Casa, foi aquele que tendeu a ser mais destacado na memória posterior da Casa.

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  7. VELOSO, J. M. Queiroz. D. Francisca de Aragão… Op. cit.
  8. VILA-SANTA, Nuno. Between Mission and... Op. cit., p. 57-59.
  9. MAGALHÃES, Joaquim. O Algarve e a política... Op. cit., p. 129-130.

Por: Jorge Matos Dias / PlanetAlgarve

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