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quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O ponto da situação da ofensiva imperialista em diversas zonas do mundo


Entrevista com Atilio Borón

Uma importante entrevista em que é feito o ponto da situação da ofensiva imperialista em diversas zonas do mundo – com particular destaque para a América Latina -, da resistência dos povos, da generalizada ausência de influentes forças políticas revolucionárias que assumam a vanguarda da luta de massas anti-imperialista e anticapitalista.

Mohsen Abdelmoumen | O Diário.info

Mohsen Abdelmoumen: Como explica o recuo da esquerda e a ascensão da extrema-direita na América Latina, como vimos no Brasil com a eleição do fascista e torcionário Jair Bolsonaro e com Mauricio Macri na Argentina?

Prof. Atilio Borón: Há muitas razões, que só posso resumir aqui. Primeiro, foi impressionante a intensidade da contraofensiva dos EUA para derrotar os governos progressistas. Macri foi um presente inesperado, mais devido aos erros do kirchnerismo do que a qualquer outra coisa. Mas a vitória foi muito importante para os Estados Unidos. Bolsonaro é o produto da desmobilização do PT levada a cabo por Lula desde o início, da completa corrupção do sistema judicial que colocou Lula na prisão e permitiu que Bolsonaro não estivesse presente nos debates presidenciais, o apoio constante dos media hegemónicos e, claro, os graves erros dos governos Lula/Dilma, que acreditavam que a política social e o retirar de milhões de pessoas da pobreza extrema seriam suficientes para mudar a consciência popular e transformá-los em defensores de políticas progressistas. Como na Argentina, era uma política de redistribuição de renda sem educação de massas ou socialização. Além disso, o problema da violência dos gangues nas favelas era crucial no Brasil, e não foi bem combatido pelos governos do PT, dando a impressão de que a única política que eles tinham para lidar com este problema sério era um programa de educação cívica de longo prazo que, naturalmente, não conseguiu impedir o avanço vertiginoso do crime em bairros da lata e favelas. Propaganda subtil e metadados, mais a Cambridge Analytica e a habilidade de Steve Bannon fizeram o resto. O Brasil provou, como antes os EUA, que “notícias falsas” são geralmente consideradas informações confiáveis. Assim, as mentiras e a difamação da campanha de Bolsonaro foram extremamente eficazes.

MA - No seu muito relevante livro ” Twenty-First Century Socialism: Is There Life After Neo-Liberalism?”, demonstra que a América Latina não tem qualquer perspectiva com o capitalismo, e desmente as teses neoliberais que afirmam que o capitalismo é o remédio para todos os males. Não pensa que o sistema capitalista simplesmente fracassou, seja no centro capitalista como se vê com o movimento dos Coletes Amarelos em França, mas também na periferia? Não acha que o sistema capitalista não oferece perspectiva em nenhum lugar?

AB - O capitalismo foi um enorme fracasso. Muitas conquistas tecnológicas e subidas muito modestas no padrão de vida das maiorias sociais combinaram-se com uma concentração irresistível da riqueza e dos rendimentos, tanto no centro como na periferia. O livro de Thomas Piketty e milhares de artigos e livros provaram isso, e a tendência não pode ser revertida. Hoje, o 1% mais rico da população mundial apropriou-se de mais riqueza do que os 99% restantes. Esta situação não tem precedentes na história do mundo! E é política, social e economicamente insustentável. Além disso, recentes desenvolvimentos capitalistas prejudicaram a Mãe Natureza como nunca antes. Assim, a “segunda contradição” do capitalismo, como postulado por Jim O’Connor, tornou-se fatal nos dias de hoje. Basta analisar com suficiente atenção as catástrofes ambientais da mudança climática para entender a magnitude desse problema e a total incapacidade das sociedades capitalistas para lidarem com ele.

MA - Na sua opinião, não traz consigo o capitalismo a sua própria ruína?

AB - Sim, foi a principal tese de Marx nos seus escritos, mas também foi estabelecida, embora metafisicamente, pelas penetrantes reflexões de Hegel sobre a dialética dos mercados e da sociedade civil no capitalismo. Mas, como Lénine ensinou, o sistema capitalista não entrará em colapso a menos que as forças sociais e políticas o derrubem. Bernstein estava errado a este respeito e Marx e quase todos os seus seguidores estavam certos em apontar a necessidade de uma força revolucionária, seja um partido, um movimento ou qualquer outra organização popular. Por si mesmo, o capitalismo perdurará apesar das suas contradições e, nesse processo, a barbárie tornar-se-á o seu sinal distintivo.

MA - Na sua opinião, o movimento dos Coletes Amarelos que surgiu na França e que está a espalhar-se na Europa não será um movimento revolucionário e fundamentalmente anticapitalista?

AB - É uma revolta popular, anti-neoliberal, mas não inteiramente anticapitalista. Além disso, é uma colecção extremamente heterogénea de actores sociais e não tenho a certeza de que no final todos estariam prontos a atacar a cidadela ou o poder capitalista. Não ficaria surpreso se uma parte significativa deles concluísse o seu activismo juntando-se às forças da direita. O “poujadismo” foi uma experiência muito importante na França do pós segunda guerra mundial.

MA - Não acha que há necessidade de refundar a esquerda na América Latina e no mundo? A classe trabalhadora não terá a necessidade imperiosa de uma estrutura revolucionária que corresponda às exigências do momento?

AB - Sim, é absolutamente necessário. Mas somos confrontados com um problema crítico: a divisão das condições objectivas da revolução, já suficientemente maduras, e o atraso na constituição de uma consciência revolucionária, o atraso no amadurecimento das condições subjetivas. Apesar do passado, a perspectiva revolucionária é completamente invisível para as massas, na América Latina e no resto do mundo. A formidável eficácia dos aparelhos ideológicos do Estado capitalista apagou completamente a revolução da paisagem. Portanto, a enorme importância da batalha ideológica é de convencer as massas de que a revolução não é apenas possível, mas necessária. Em segundo lugar, uma vez que a primeira tenha sido alcançada, deveríamos encontrar a forma política apropriada para canalizar o renovado impulso revolucionário das massas. Os partidos leninistas ou gramscianos tradicionais são a resposta certa para um novo proletariado mundial, imenso e muito heterogéneo, fragmentado em milhares de pequenos pedaços, como um espelho quebrado? Eu duvido disso. O dito de Mariátegui de que “a revolução não pode ser nem uma “cópia verdadeira” (calco,”traço”), nem uma réplica mas uma criação heroica das massas” é mais válida do que nunca.

MA - O ex-assessor de Trump, Steve Bannon, está em vias de federar toda a extrema-direita na Europa. Sabendo que na América Latina, os EUA apoiaram fascistas como Bolsonaro e Macri, não pensa que existe um plano liderado pelo governo dos EUA para unir toda a extrema-direita no mundo?

AB - Sim, de facto. E isso foi explicitamente declarado por Bannon e muitas outras pessoas. É uma aspiração de longa data do governo dos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e a rápida mudança no clima político (numa direcção reacionária, começando na Europa por causa dos refugiados e a crescente presença de população muçulmana) forneceu a Trump uma oportunidade de ouro. No entanto, o resultado está longe de ser o que eles esperam e numerosos factores intervêm na evolução da situação política. Os resultados podem ser muito decepcionantes para o governo dos EUA.

MA - Segundo a sua opinião, em alguns países susceptíveis de sofrer intervenções imperialistas visando as riquezas do seu subsolo e por interesse geopolítico, como por exemplo a Argélia, não haverá necessidade de ter dirigentes legítimos e honestos e instituições fortes para evitar o caos? Ibn Khaldun profetizou que os tiranos atrairão os invasores; os verdadeiros aliados do imperialismo não serão os dirigentes corruptos e ilegítimos?

AB - Para combater o caos criado pelo imperialismo, uma liderança honesta e instituições fortes devem ser acompanhadas por uma mobilização popular intensa e bem organizada. Há muitas histórias na América Latina em que governos honestos foram expulsos por golpes de estado promovidos pelo governo dos EUA e seus aliados oligárquicos no terreno. Tomemos o caso de Salvador Allende no Chile em 1973 ou de Arturo U. Illía na Argentina em 1966, dois exemplos eloquentes do que digo. Em contrapartida, a sabotagem, a corrupção e o despotismo foram as marcas de todos os regimes estabelecidos após a intervenção imperialista na América Latina ou no Caribe. Casos como Alfred Stroessner no Paraguai, François Duvalier no Haiti, Rafael L. Trujillo na República Dominicana e Anastasio Somoza na Nicarágua, para não mencionar ditaduras mais recentes na Argentina, Brasil e Chile, mostram conclusivamente que os Estados Unidos e os interesses burgueses locais não acreditam em procedimentos democráticos. A retórica da direita é absolutamente falaciosa. Se, para fazer prevalecer os seus interesses, eles necessitam de matar, encarcerar ou torturar, eles farão tudo isso. Tomemos o caso de Sukarno na Indonésia e o assassínio em massa de meio milhão de pessoas para limpar o país de “comunistas”; ou os milhares de “desaparecidos” na Argentina, ou magnicídios perpetrados contra personalidades destacadas da esquerda na América Latina como João Goulart, Pablo Neruda, Orlando Letelier (em Dupont Circle, Washington DC !!!), Omar Torrijos do Panamá e Jaime Roldós do Equador, entre as personalidades mais conhecidas. O imperialismo e os governos honestos não vão bem juntos. A luta pela autodeterminação nacional, para uma democracia dinâmica e uma governança honesta está condenada ao fracasso sem uma forte resistência contra o imperialismo, verdadeiro factótum dos regimes mais atrozes que já conheci na nossa região.

MA - Sobreviverão as conquistas da revolução sandinista na Nicarágua aos contínuos ataques do imperialismo dos EUA?

AB - Penso que sim, mas à custa de um endurecimento do regime político. Uma cidadela sitiada nunca oferece um terreno fértil para a tolerância, o pluralismo, liberdades desenfreadas. Mas os planos do império são exactamente de fazer os sandinistas regredir numa involução não democrática levando a uma “crise humanitária” que poderia servir de prelúdio a uma “solução Líbia”, invasão, caos social e econômico, desordem e linchamento de Ortega e dos seus próximos.

MA - Não há risco de intervenção americana na Venezuela?

AB - Existem planos. O Comando Sul disse-o há alguns anos. O problema com que estão confrontados é que as forças militares bolivarianas são fortes, bem equipadas e prontas para lutar. O Exército brasileiro hesita em participar numa invasão e os seus homólogos colombianos temem que a distração das suas forças na Venezuela crie as condições para um crescimento rápido da guerrilha no seu país. Então, eu não excluiria a possibilidade de uma intervenção militar cirúrgica dos Estados Unidos na Venezuela, mas até ao momento tudo não passou de conversas e nenhuma ação. Além disso, de forma não militar, é persistente a intervenção norte-americana na Venezuela desde a ascensão de Chávez em 1999. Sanções económicas, sabotagem, tentativas de golpe, pressão diplomática, bloqueio comercial etc. têm sido comuns e persistentes ao longo de toda a experiência bolivariana.

MA - Como analisa a transição política em Cuba? Como explica o contínuo encarniçamento do governo dos EUA contra Cuba desde que o embargo foi introduzido em 1962?

AB - É uma longa história. Já em 1783, John Adams solicitou a incorporação de Cuba sob a jurisdição dos Estados Unidos. Cuba tem um enorme valor geopolítico enquanto principal porta de entrada para o Caribe, considerado pelos militares e estrategas dos EUA como uma espécie de “mare nostrum”, e eles não aceitam o facto de Cuba agir como como nação soberana, com autodeterminação e não queira receber humildemente as ordens da Casa Branca. O bloqueio fracassou porque o regime revolucionário não caiu, mas os sofrimentos infligidos ao povo cubano são enormes e criminosos, tal como os obstáculos que o bloqueio causou ao desenvolvimento económico de Cuba. No entanto, a Revolução continua capaz de oferecer melhores políticas sociais em matéria de saúde, educação e segurança social do que a maioria dos países do mundo e, para Washington, é um “mau exemplo” intolerável que deve ser erradicado a todo o custo. Até agora, não foram capazes de o fazer e não penso o farão num futuro próximo.

MA - Vê-se, por exemplo, o martírio do povo palestino pela entidade criminosa de Israel, ou o massacre do povo do Iémen pela Arábia Saudita, aliada dos Estados Unidos. Não será necessário ter uma frente mundial anti-imperialista seja na América, África, Europa ou Ásia, onde os povos compartilham a mesma luta: resistir ao imperialismo que devasta os países e o capitalismo que explora e sangra os povos?

AB - Absolutamente. Chávez queria criar essa frente anti-imperialista, mas a sua solicitação não foi bem acolhida porque muitos interpretaram mal a sua proposta como sendo um renascimento ou a Terceira Internacional sob Stalin. Foi estúpido, mas infelizmente numerosas organizações populares seguiram essa linha. Samir Amin, François Houtart e eu próprio propusemos a criação de uma tal frente internacional no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial de Porto Alegre e fomos derrotados, em grande parte devido à oposição de ONG’s poderosas que rejeitaram essa ideia. Não apenas isso: essas ONG’s foram também instrumentais na disseminação de um forte sentimento “antipolítico” que desprezava os partidos políticos, os dirigentes políticos e as agendas políticas. A tal ponto que foi muito difícil convidar Lula e Chávez para as reuniões sucessivas do Fórum. Hoje, isso mudou, embora eu não tenha certezas quanto à profundidade e coerência desse desenvolvimento promissor.

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