A única coisa que tenho a dizer sobre os recontros entre a PSP e os imigrantes africanos e os afrodescendentes que se levantaram contra a brutalidade policial no bairro da Jamaica é que só me espanta que no país onde a polícia assassinou o Kuku e lhe pôs uma arma na mão sem impressões digitais, torturou o Lbc na esquadra Alfragide e o acusou de ser do gang da Cova da Moura, alvejou a Jaílza com o filho ao colo, revista todos os fins-de-semana apenas os negros (e esta vi eu, ninguém me contou) que chegam no último comboio à estação da Damaia, não seja realmente verdade a barra do Valete de que os bófia têm sete vidas e o os niggas oito balas.
A situação de racismo institucional nas polícias e de indiferença social para com ele está esta atingir proporções tão boçais que aos sujeitos racializados não vão sobrar grandes alternativas a esta escalada confrontacional.
Quando a polícia atira ao chão um miúdo à porta da escola e confisca à bruta o telemóvel de outro que grava a cena, quando para pôr cobro a desacatos espanca uma mulher de 50 anos desarmada, rodeia e pisa no chão um tipo já dominado, faz o chavascal de violência a que assistímos, pode queixar-se de quem quando vierem as pedras, as garrafas, os tiros?
Querem comprimir as margens do rio e esperar que ele continue a deslizar com suavidade e calminha?
Acham que alguém aceita com placidez eterna esta situação de ser o vazão das frustrações os tipos da farda, e a certidão mesquinha da validade social do branco que vê dar pancada "neles" para reforçar a convicção no "nós"?
Os afrodescendentes não aceitarão para sempre viver nos piores bairros, fazer os piores trabalhos, ter os piores transportes e as piores escolas, constituir o consolo do branco de que apesar de tudo ainda é melhor do que alguém. Nem eles, nem os ciganos de Cabanelas, da Pedreira, ou de Sto Aleixo. Nem os indianos chacoalhados pela polícia no Martim Moniz. Nem ninguém no mundo.
Quanto ao branco, cumpre-lhe decidir se pede pancada no negro e se compraz com ela, se regozija com o cigano a ir preso, se em vez do gáudio, o que é o mesmo, se toma de um súbito amor ao mais meticuloso rigor policial e jornalístico e quer decidir sempre e só com base no contexto, na auscultação de ambas ambas partes, na isenção e na proporcionalidade, quando o assunto envolve racismo policial (até ao próximo programa do Hernâni Carvalho, quando vai voltar a pedir a forca para os incendiários e achar bizarro falar de reforma agrária).
Ou se compreende que na liquidação da exploração e da opressão a primeira grande luta subjectiva é contra a divisão da classe por privilégios mesquinhos disseminada pelos aparelhos ideológicos e repressivos da burguesia. Os comunistas têm responsabilidades de enorme magnitude nesta matéria, que estão muito longe de cumprir minimamente.
Sem comentários:
Enviar um comentário