Por Joaquim Letria
Há cerca de 20 anos atrás eu tinha um elegante escritório na Baixa Lisboeta, repleto de elegantes e eficazes meninas e senhoras que já naquele tempo sabiam mais de Comunicação e Informação do que os gabinetes da especialidade que se espalham hoje por aí. Mas não era o requinte das minhas instalações nem os sorrisos eficientes das minhas colaboradoras e especialistas que me davam mais prazer, tão pouco as viagens quase contínuas que os meus clientes internacionais me obrigavam a fazer.
O meu maior prazer decorria de três factores: morar no Príncipe Real, ir a pé para o Chiado onde trabalhava, poder frequentar as livrarias Bertrand e Sá da Costa e sempre que podia descer até ao Terreiro do Paço onde desaparecia no barco das 13:12 para o Seixal, onde chegava 16 minutos mais tarde, a tempo de atravessar o jardim e me sentar na minha mesa do restaurante da Clarice, a olhar Lisboa do outro lado do rio, que é como a minha cidade deve, cada vez mais, ser vista – a uma certa distância. Às 14:30 eu estava de regresso ao meu escritório sem que alguém descobrisse o meu segredo gostoso.
Hoje, nada disto é possível: desfiz a agência, livrei-me daquele escritório maravilhoso, ajudei as minhas colaboradoras a encontrarem outro rumo e eu próprio fui mudar a água às azeitonas. O barco para o Seixal também já não há.
Dantes era um simpático cacilheiro. Hoje é um aerodinâmico Catamaran que não pode atingir os 18 nós que é capaz de dar na Baía de Sidney para não prejudicar a estrutura da pista da Base Aérea do Montijo. Desde que correram da Transtejo com o engenheiro Correia Alemão, homem sério e competente que só sobreviveu aos primeiros meses do Sócrates, que a Transtejo e a Softlusa entraram na pouca vergonha de que regularmente ouvimos falar e muito mais ouviremos no futuro, seja por protestos dos desgraçados que delas e da CP precisam para irem trabalhar, seja pela atenção que o Ministério Público é capaz de vir a prestar a estas empresas e respectivas gestões. Representam a moderna tragédia marítima dos portugueses de hoje, sem comboios, sem autocarros capazes e sem navios decentes de carga, porta-contentores, petroleiros ou de passageiros. Nem um velho cacilheiro, para amostra, sobreviveu à negociata dos catamarans em segunda mão importados da Austrália.
Os transportes em Portugal estão pelas ruas da amargura. Caminho de Ferro, Rodovia e Transporte Marítimo são uma vergonha. Por essas e por outras é que alguns dos meus amigos passam a fronteira de Espanha para irem para o Sul ou Norte de Portugal. Viajam do lado de lá sem terem que pagar portagens, em boas estradas e com os combustíveis quase a metade do preço. E outros, naturais ou residentes em outros países, alugam ou compram casa na Galiza ou em Puerto Banus e convidam-me a aparecer. Gosto muito da minha terra e do meu país mas tenho de concordar que em certos sítios fora daqui é outro asseio.
Publicado no Minho Digital
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