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terça-feira, 13 de novembro de 2018

A DIREITA NÃO DIRIA MELHOR


Ontem no debate do Orçamento de Estado, o ministro Vieira da Silva deu uma resposta que ficaria bem na boca de qualquer ministro da direita. Foi em resposta ao PCP. A deputada Rita Rato iniciou as questões ao Governo afirmando que não há trabalho digno sem emprego com direitos. E o ministro lembrou-se de responder isto:
"Eu estou de acordo consigo relativamente à questão que abriu a intervenção sobre a qualidade do emprego e trabalho digno. (fez uma pausa) Senhora deputada, não há trabalho digno sem emprego." (nova pausa.


Ouvem-se risos das bancadas da direita parlamentar). Essa relação... concordarei consigo: trabalho sem direitos não é (imperceptível) trabalho.


Mas concordará comigo que direitos sem emprego não é nada. A nossa principal preocupação e a nossa principal orientação política tem de ser dar todas as condições para que a sociedade dê resposta ao direito mais básico, a um dos direitos mais básicos dos cidadãos que é o direito ao trabalho.


E ao trabalho com direitos, naturalmente.

Mas sem criar as condições para que a sociedade crie emprego, gere emprego... podemos desenhar a legislação mais perfeita, com toda a elegância legística e toda qualidade ética, mas se não conseguirmos que a economia crie emprego... Depois podemos ter leituras diferentes como é que a economia cria emprego... Seja como for, é preciso que as condições económicas e sociais sejam favoráveis à criação de emprego.


E essa é a nossa primeira batalha para a recuperação do país, do ponto de vista económico e do ponto de vista social. Dificilmente concretizaremos a ambição que temos de melhorar as condições de trabalho e generalizar o conceito de trabalho digno à sociedade portuguesa se não tivermos como primeira prioridade a criação de emprego."
Resumindo: o ministro parece concordar que o trabalho que está a ser criado não é trabalho digno, com direitos, mas é o emprego que é possível. Perpassa a ideia de que a função do Estado não é intervir directamente na relação laboral, mas apenas criar as condições de enquadramento macroeconómico - entre as quais uma legislação laboral amiga do investimento - que levem à criação de emprego. 

Porque, quando for possível, as empresas se encarregarão disso, ou nessa altura, o Estado falará.

Mais: o que parece estar subjacente é que, de certa forma, a legislação laboral protectora - e equilibradora da relação laboral desigual - é prejudicial. Se se complicar muito a legislação, "com toda a elegância legística e toda qualidade ética", as empresas não criam emprego, porque essa rigidez da legislação laboral afectará o investimento ou, de outra forma, manterá o desemprego... 

Quase pareceu ouvi-lo dizer: "Senhora deputada, são as empresas que criam emprego". Um dito até já afirmado por Mário Centeno que, para lá da redundância evidente, resume um programa político muito aventado pelo CDS no Parlamento: uma menor carga fiscal sobre as empresas, uma menor interferência nas relações laborais, nenhuma palavra sobre a repartição do rendimento nacional entre o trabalho e o capital. 

Porque é preferível que sejam as empresas a gerir o valor acrescentado da produção, do que os malfadados trabalhadores que só consomem... 

A frase é tanto mais estranha quando Vieira da Silva é dos ministros mais bem preparados e até já o ouvimos criticar a direita por ter estas mesmas opiniões. 

Durante a maioria PSD/CDS, da bancada socialista, Vieira da Silva desancou na direita forte e feio, sobre o desequilíbrio que se estava a criar na relação laboral. E ainda no governo, quando a direita se manifesta fora do aceitável, o ministro esmaga-a literalmente. 

Portanto, a que se deve esta intempérie?

É verdade que ultimamente, os membros do governo tendem a ter dois discursos quanto ao emprego. Quando citam os dados do INE, acreditam que o emprego criado é sustentável  («nos últimos dois anos, foram criados mais 288 mil novos postos de trabalho líquidos, 78% dos quais com contrato de trabalho sem termo», disse  António Costa em Fevereiro passado). Quando citam os dados da Segurança Social, acreditam que o emprego criado é um emprego precário, como o fez o próprio ministro Vieira da Silva, em Julho passado.

Mas a frase dita ontem pode ter duas interpretações. A primeira é que aquela que deveria ser uma preocupação (a tal batalha pela qualidade do emprego), passou a ser um estorvo. Já se aprovaram medidas contra a precariedade (curtíssimas e ineficazes) e não vai haver mais. 

Agora, é o emprego que é possível, "não peçam mais". A segunda é mesmo isso: uma irritação por causa de quem está a pedir mais. "Se me pressionam, respondo com argumentos de direita".

Ora, a questão é relevante. Primeiro, porque parte substancial da degradação da qualidade do emprego que está ser criado decorre de uma panóplia de medidas de desvalorização salarial que foram sendo adoptadas há décadas, sobretudo pelo próprio PS. Não gosto de repetir, mas aqui pode ler-se a triste relação entre o PS e as alterações legais introduzidas durante décadas (um resumo mais do que sintético, porque reproduzir os debates sobre o Código do Trabalho de 2009 seria, sim, a verdadeira pornografia). Por outro lado, aqui pode ver os comentários ao último acordo de concertação social. 

Segundo, mais grave: Foi esta sucessão de medidas que degradou o mercado de trabalho. 

Foram medidas que, por se ter desequilibrado progressivamente a relação laboral favorecendo os donos do investimento, fomentaram um tipo de emprego que está relacionado a um tipo de actividades que a ele recorrem facilmente. 

E isso tem gerado uma entorse nacional para actividades de baixo valor acrescentado, apêndices fracos numa divisão internacional do trabalho, que acelerarão a nossa dependência internacional.

Algo que o governo afirma querer melhorar, agora, de repente, com um passo de mágica, através de feiras tipo WebSummits pagas com dinheiros públicos...   


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