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Carlos Almeida, vereador da CDU, toma posição contra a decisão de Nuno Canta, que justifica a abertura e registo de toda a correspondência, incluindo o seu conteúdo, com regulamentos que já existiam na Câmara há vários anos e só não estavam a ser aplicados. "Não somos vereadores com competência delegada na maioria, somos vereadores da oposição. Tem algum sentido que eu envie um envelope ou receba e possa ser fotocopiado o seu conteúdo? Fazer oposição significa não estar de acordo", frisa Carlos Almeida.
"Eu vereador eleito e da oposição, tenho o presidente da Câmara a escrutinar o que ando a fazer e até os cidadãos podem querer denunciar"
O vereador comunista dá um exemplo: "Imagine que é um grupo de cidadãos que quer fazer uma queixa contra o executivo camarário. O presidente e os seus vereadores têm direito a saber do que as pessoas estão a queixar-se a um vereador da oposição?". Carlos Almeida diz que esta decisão do presidente da Câmara é "inadmissível" e enquadra-se num conjunto de outras situações polémicas desde que ganhou a câmara com maioria absoluta em 2017. "Transformou uma maioria absoluta em poder absoluto no Montijo". E também diz que a CDU vai pedir a apreciação do Ministério Público daquela decisão.
O presidente da Câmara frisa que a correspondência que vai dirigida a um vereador "não é privada, é institucional" e que deve ser registada e aberta.
Nuno Canta diz que o problema do registo paralelo nos gabinetes dos vereadores da oposição foi detetado com um ofício da Agência Portuguesa do Ambiente, que vinha dirigido ao presidente da Câmara, e tinha dois números de registo".
Nega que esteja a tentar controlar a oposição.
"É só uma questão democrática de transparência. Imagine que um munícipe quer consultar um determinado ofício, se não estiver registado a câmara não o pode fornecer".
Nuno Canta insiste: "Até que ponto a correspondência que vem para cada um de nós é considerada privada? Os vereadores da oposição têm o direito de receber e expedir correspondência e quando o fazem é através dos serviços da câmara, pelo que têm de se conformar às suas regras". Nuno Canta garante que todas as suas cartas são abertas e escrutinadas pelos vereadores.
"Até que ponto a correspondência que vem para cada um de nós é considerada privada?"
Mas perante a revolta dos vereadores da oposição diz que a decisão de abrir a sua correspondência está a ser sujeita a uma consulta com juristas para eliminar quaisquer dúvidas sobre o processo.
Além disso, o Estatuto do Direito à Oposição, a lei 24/98, reforça este direito ao sigilo da correspondência, através de uma norma que protege o direito da oposição e reforça a impossibilidade de abrir a correspondência dos eleitos, entre os quais os deputados, vereadores, deputados municipais, etc, que têm direito à privacidade da sua correspondência.
Os executivos camarários podem, no entanto, acordar que toda a correspondência do presidente da Câmara e vereadores com pelouro poderá ser aberta pelo secretariado para agilizar o serviço. Mas nunca essa deliberação pode abranger os deputados da oposição.
Manuel Ferreira Mendes, jurista especialista em Direito do Trabalho, afirma que apesar da Câmara Municipal do Montijo ter implementado regras internas sobre os procedimentos a dotar relativos à correspondência recebida, "se dessas regras resulta que toda a correspondência dirigida à CM Montijo, qualquer que seja o destinatário, poderá ser previamente aberta e lida pelo Presidente da Câmara, tenho reservas a respeito da conformidade legal das mesmas".
O jurista adverte ainda que "da perspetiva legal, o comportamento em causa, a confirmar-se, poderá consubstanciar a prática de crime de violação de correspondência". E que, do mesmo modo, "poderá traduzir-se na violação de direitos dos remetentes, que têm a expectativa, legítima, que a carta que enviaram apenas seja lida pelos seus destinatários e não por outros quaisquer terceiros, e, bem assim, dos destinatários (por analogia, por exemplo, direitos de reserva e confidencialidade previstos na lei laboral)".
Manuel Ferreira Mendes faz uma analogia: "Trazendo a situação para outra realidade política para se perceber o paradoxo da situação, era como ter o Ferro Rodrigues a ler previamente uma carta dirigida à Mariana Mortágua".
O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia partilha da opinião de Ferreira Mendes e insiste: "Se a carta for nominal, ou seja dirigida ao vereador, só ele é que a pode abrir ou a quem delegar essa competência". A decisão do presidente da câmara é uma "atitude inconstitucional", acrescenta.
Frisa ainda que "o segredo a alma da política e da oposição, é o que permite fazer oposição muitas vezes". Afirma ainda que, mesmo que haja um regulamento da câmara que obrigue à abertura da correspondência, esse regulamento não se sobrepõe à lei nem aos direitos dos vereadores da oposição. "O vereador foi eleito e é detentor de um cargo político", lembra.
EXTRATO
VEREADORES DO PSD E CDU RECLAMAMCarlos Almeida, vereador da CDU, toma posição contra a decisão de Nuno Canta, que justifica a abertura e registo de toda a correspondência, incluindo o seu conteúdo, com regulamentos que já existiam na Câmara há vários anos e só não estavam a ser aplicados. "Não somos vereadores com competência delegada na maioria, somos vereadores da oposição. Tem algum sentido que eu envie um envelope ou receba e possa ser fotocopiado o seu conteúdo? Fazer oposição significa não estar de acordo", frisa Carlos Almeida.
"Eu vereador eleito e da oposição, tenho o presidente da Câmara a escrutinar o que ando a fazer e até os cidadãos podem querer denunciar"
O vereador comunista dá um exemplo: "Imagine que é um grupo de cidadãos que quer fazer uma queixa contra o executivo camarário. O presidente e os seus vereadores têm direito a saber do que as pessoas estão a queixar-se a um vereador da oposição?". Carlos Almeida diz que esta decisão do presidente da Câmara é "inadmissível" e enquadra-se num conjunto de outras situações polémicas desde que ganhou a câmara com maioria absoluta em 2017. "Transformou uma maioria absoluta em poder absoluto no Montijo". E também diz que a CDU vai pedir a apreciação do Ministério Público daquela decisão.
O que diz o presidente?
Nuno Canta garante ao DN que faz parte das normas internas da Câmara, há bastante tempo, a obrigatoriedade de registo de toda a correspondência da entrada e saída da câmara. "São normas que todas as câmaras têm, para regular e o fluxo de correspondência e é como devem funcionar administrativamente".O presidente da Câmara frisa que a correspondência que vai dirigida a um vereador "não é privada, é institucional" e que deve ser registada e aberta.
Nuno Canta diz que o problema do registo paralelo nos gabinetes dos vereadores da oposição foi detetado com um ofício da Agência Portuguesa do Ambiente, que vinha dirigido ao presidente da Câmara, e tinha dois números de registo".
Nega que esteja a tentar controlar a oposição.
"É só uma questão democrática de transparência. Imagine que um munícipe quer consultar um determinado ofício, se não estiver registado a câmara não o pode fornecer".
Nuno Canta insiste: "Até que ponto a correspondência que vem para cada um de nós é considerada privada? Os vereadores da oposição têm o direito de receber e expedir correspondência e quando o fazem é através dos serviços da câmara, pelo que têm de se conformar às suas regras". Nuno Canta garante que todas as suas cartas são abertas e escrutinadas pelos vereadores.
"Até que ponto a correspondência que vem para cada um de nós é considerada privada?"
Mas perante a revolta dos vereadores da oposição diz que a decisão de abrir a sua correspondência está a ser sujeita a uma consulta com juristas para eliminar quaisquer dúvidas sobre o processo.
Leis protegem eleitos
Especialistas ouvidos pelo DN são unânimes: "Os serviços camarários não podem abrir a correspondência dos vereadores". Primeiro porque o Código Penal, no seu artigo 194.º, o relativo à Violação de correspondência ou de telecomunicações - que no seu ponto 1 diz: "Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias - interdita a abertura de "correspondência nominal" de qualquer cidadão, incluindo os eleitos.Além disso, o Estatuto do Direito à Oposição, a lei 24/98, reforça este direito ao sigilo da correspondência, através de uma norma que protege o direito da oposição e reforça a impossibilidade de abrir a correspondência dos eleitos, entre os quais os deputados, vereadores, deputados municipais, etc, que têm direito à privacidade da sua correspondência.
Os executivos camarários podem, no entanto, acordar que toda a correspondência do presidente da Câmara e vereadores com pelouro poderá ser aberta pelo secretariado para agilizar o serviço. Mas nunca essa deliberação pode abranger os deputados da oposição.
Manuel Ferreira Mendes, jurista especialista em Direito do Trabalho, afirma que apesar da Câmara Municipal do Montijo ter implementado regras internas sobre os procedimentos a dotar relativos à correspondência recebida, "se dessas regras resulta que toda a correspondência dirigida à CM Montijo, qualquer que seja o destinatário, poderá ser previamente aberta e lida pelo Presidente da Câmara, tenho reservas a respeito da conformidade legal das mesmas".
O jurista adverte ainda que "da perspetiva legal, o comportamento em causa, a confirmar-se, poderá consubstanciar a prática de crime de violação de correspondência". E que, do mesmo modo, "poderá traduzir-se na violação de direitos dos remetentes, que têm a expectativa, legítima, que a carta que enviaram apenas seja lida pelos seus destinatários e não por outros quaisquer terceiros, e, bem assim, dos destinatários (por analogia, por exemplo, direitos de reserva e confidencialidade previstos na lei laboral)".
Manuel Ferreira Mendes faz uma analogia: "Trazendo a situação para outra realidade política para se perceber o paradoxo da situação, era como ter o Ferro Rodrigues a ler previamente uma carta dirigida à Mariana Mortágua".
O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia partilha da opinião de Ferreira Mendes e insiste: "Se a carta for nominal, ou seja dirigida ao vereador, só ele é que a pode abrir ou a quem delegar essa competência". A decisão do presidente da câmara é uma "atitude inconstitucional", acrescenta.
Frisa ainda que "o segredo a alma da política e da oposição, é o que permite fazer oposição muitas vezes". Afirma ainda que, mesmo que haja um regulamento da câmara que obrigue à abertura da correspondência, esse regulamento não se sobrepõe à lei nem aos direitos dos vereadores da oposição. "O vereador foi eleito e é detentor de um cargo político", lembra.
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