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O governo deu ordens às escolas para só pagarem metade das bolsas de mérito a que os alunos mais pobres têm direito no 1.º período de aulas.
Estamos a falar de estudantes do secundário com ação social escolar que no ano letivo anterior tiveram, pelo menos, média de 14 valores e que por isso têm direito a receber cerca de 1070 euros anuais de bolsa de mérito. A lei prevê que boa parte desse valor, 428 euros, seja entregue no primeiro período, que termina já a meio de dezembro, mas as escolas receberam há uma semana um aviso da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) a ordenar que apenas seja paga metade da primeira tranche, empurrando para o próximo ano a entrega do restante valor.
Os diretores não receberam qualquer justificação para esta decisão, que garantem ser inédita, e apontam para as cativações de final de ano.
"Serve o presente para informar que foram desencadeados os procedimentos inerentes ao pagamento da primeira tranche das bolsas de mérito. Devem proceder apenas ao pagamento de 50% do valor a que o aluno teria direito. O restante valor só será pago em 2019." São estas as mensagens que seguiram para os serviços de ação social das escolas no dia 23 de novembro, o que, na prática, equivale a dizer que estes alunos vão receber em dezembro 214 euros, quando deviam levar para casa 428. Uma situação que apanhou de surpresa os diretores, que nunca tinham recebido estas orientações. Nem no tempo da troika.
Escolas "devem proceder apenas ao pagamento de 50% do valor a que o aluno teria direito. O restante valor só será pago em 2019"
"Estas tranches eram sempre pagas de uma só vez. Estou à frente do agrupamento há sete anos e houve sempre dinheiro para pagar estas bolsas, até que neste ano recebemos informações para se pagar apenas metade do valor referente ao primeiro período. Sem mais justificações",conta Nuno Gomes, diretor do agrupamento de escolas Ovar Sul. Também a norte, um outro diretor confirma que o Ministério da Educação nunca tinha pedido para se cortar este apoio ao meio. "Desta vez, recebemos de facto essa comunicação a dizer expressamente que só podemos pagar 50% do valor da primeira tranche. Já dei instruções aos serviços para comunicarem isso às famílias, caso venham perguntar pelas bolsas.
" Mais a sul, a mesma informação, mas com uma estranheza adicional: o valor que foi depositado na conta de uma escola da região de Lisboa nem chega sequer a ser rigorosamente metade do que devia ser pago por estas bolsas aos alunos.
O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, que ainda não conhecia a orientação do governo, lamenta que se corte "um apoio que dava muito jeito às famílias". "Isto é consequência da situação real que vivemos e que não é tão boa como nos querem fazer crer. É uma pena que os alunos que tiveram mérito não vejam esse trabalho reconhecido como deviam e era bom que se desse prioridade à educação, como pede o Presidente da República", argumenta Jorge Ascenção. E a Confap vai contestar esta decisão? "É possível, mas não terá efeitos práticos..."
O DN questionou os ministérios da Educação e das Finanças sobre esta decisão, nomeadamente sobre o que esteve na base da mudança de orientações neste ano e quantos alunos são abrangidos por este apoio. O gabinete de Tiago Brandão Rodrigues respondeu que "o valor das bolsas é, e tem sido sempre, pago em tranches, sendo a primeira transferida para as escolas no final do primeiro período. As escolas procedem, depois, ao pagamento aos alunos/famílias.
Os esclarecimentos prestados", continua o Ministério da Educação, "foram no sentido de ficar claro que os valores já transferidos abrangem todos os alunos que têm direito a esta bolsa". Fica por responder a questão fundamental, que o DN voltou a colocar às Finanças: porque há neste ano um corte de 50% na primeira tranche a ser entregue aos alunos?
As bolsas de mérito representam um investimento de mais de 19 milhões de euros em 2018/2019 e chegam a cerca de 18 mil alunos
As bolsas de mérito representam um investimento de mais de 19 milhões de euros em 2018-2019 e chegam a cerca de 18 mil alunos. O número de alunos tem vindo a aumentar e o valor unitário tem também aumentado (está vinculado ao valor do indexante dos apoios sociais). Só em duas escolas contactadas pelo DN são abrangidos cerca de 60 alunos. No início deste ano, no despacho de pagamento das bolsas do ano letivo anterior, o próprio governo reconheceu que esta medida é importante, tendo "em vista garantir a equidade do sistema educativo, a discriminação positiva e a solidariedade social, e com o objetivo de prevenir a exclusão social, o abandono escolar e promover a redução dos índices de insucesso escolar".
"Engenharia financeira" e "cativações" são as palavras usadas pelo autor do blogue Assistente Técnico, que publicou a mensagem da DGEstE enviada às escolas, críticas partilhadas pelos diretores escolares. "Diria que é isso mesmo, estão a cativar valores no final do ano que eram para famílias mais carenciadas", sublinha Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.
"É um apoio importante para estas famílias, porque, destes bons alunos, a maioria passa verdadeiras necessidades. Isto não é prática normal, é nitidamente gestão financeira nesta altura do ano", acrescenta Nuno Gomes. O governo não respondeu ao DN em relação a estas críticas, nem à questão de saber se a ordem enviada às escolas partiu apenas da DGEstE ou se é responsabilidade do ministério de Mário Centeno.
"Isto não é prática normal, é nitidamente gestão financeira nesta altura do ano"
Um outro diretor, que pediu anonimato, reconhece que, "mesmo não querendo ser demagógico, de facto isto parece uma cativação e é dinheiro que naturalmente daria muito jeito as estas famílias nesta altura". Mas, pelo que os serviços de ação social explicam, mesmo a verba com cortes dificilmente será entregue aos alunos antes do Natal. Isto porque, apesar de o dinheiro já ter sido desbloqueado pela Educação, as escolas ainda têm de a comunicar às Finanças para depois pedirem que seja novamente disponibilizada. Isto, a juntar ao facto de algumas escolas terem detetado incongruências nas verbas transferidas e terem pedido à DGEstE que retifique o processo, deve atrasar o pagamento para o final de dezembro.
Só podem candidatar-se às bolsas de mérito os alunos que sejam abrangidos pelos apoios económicos da Ação Social Escolar e que tenham obtido no ano letivo anterior classificação igual ou superior ao nível 4, para os alunos que passaram do 9.º para o 10º ano, e classificação igual ou superior a 14 valores, para os alunos dos 10.º e 11.º anos e cursos profissionais. Os pedidos têm de ser apresentados até ao final de setembro de cada ano letivo e as bolsas só são entregues aos alunos que se candidatam. A bolsa é, segundo as regras, entregue em três prestações: 40% no 1.º período, 30% no 2.º período de aulas e mais 30% no 3.º.
Estamos a falar de estudantes do secundário com ação social escolar que no ano letivo anterior tiveram, pelo menos, média de 14 valores e que por isso têm direito a receber cerca de 1070 euros anuais de bolsa de mérito. A lei prevê que boa parte desse valor, 428 euros, seja entregue no primeiro período, que termina já a meio de dezembro, mas as escolas receberam há uma semana um aviso da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) a ordenar que apenas seja paga metade da primeira tranche, empurrando para o próximo ano a entrega do restante valor.
Os diretores não receberam qualquer justificação para esta decisão, que garantem ser inédita, e apontam para as cativações de final de ano.
"Serve o presente para informar que foram desencadeados os procedimentos inerentes ao pagamento da primeira tranche das bolsas de mérito. Devem proceder apenas ao pagamento de 50% do valor a que o aluno teria direito. O restante valor só será pago em 2019." São estas as mensagens que seguiram para os serviços de ação social das escolas no dia 23 de novembro, o que, na prática, equivale a dizer que estes alunos vão receber em dezembro 214 euros, quando deviam levar para casa 428. Uma situação que apanhou de surpresa os diretores, que nunca tinham recebido estas orientações. Nem no tempo da troika.
Escolas "devem proceder apenas ao pagamento de 50% do valor a que o aluno teria direito. O restante valor só será pago em 2019"
"Estas tranches eram sempre pagas de uma só vez. Estou à frente do agrupamento há sete anos e houve sempre dinheiro para pagar estas bolsas, até que neste ano recebemos informações para se pagar apenas metade do valor referente ao primeiro período. Sem mais justificações",conta Nuno Gomes, diretor do agrupamento de escolas Ovar Sul. Também a norte, um outro diretor confirma que o Ministério da Educação nunca tinha pedido para se cortar este apoio ao meio. "Desta vez, recebemos de facto essa comunicação a dizer expressamente que só podemos pagar 50% do valor da primeira tranche. Já dei instruções aos serviços para comunicarem isso às famílias, caso venham perguntar pelas bolsas.
" Mais a sul, a mesma informação, mas com uma estranheza adicional: o valor que foi depositado na conta de uma escola da região de Lisboa nem chega sequer a ser rigorosamente metade do que devia ser pago por estas bolsas aos alunos.
O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, que ainda não conhecia a orientação do governo, lamenta que se corte "um apoio que dava muito jeito às famílias". "Isto é consequência da situação real que vivemos e que não é tão boa como nos querem fazer crer. É uma pena que os alunos que tiveram mérito não vejam esse trabalho reconhecido como deviam e era bom que se desse prioridade à educação, como pede o Presidente da República", argumenta Jorge Ascenção. E a Confap vai contestar esta decisão? "É possível, mas não terá efeitos práticos..."
O DN questionou os ministérios da Educação e das Finanças sobre esta decisão, nomeadamente sobre o que esteve na base da mudança de orientações neste ano e quantos alunos são abrangidos por este apoio. O gabinete de Tiago Brandão Rodrigues respondeu que "o valor das bolsas é, e tem sido sempre, pago em tranches, sendo a primeira transferida para as escolas no final do primeiro período. As escolas procedem, depois, ao pagamento aos alunos/famílias.
Os esclarecimentos prestados", continua o Ministério da Educação, "foram no sentido de ficar claro que os valores já transferidos abrangem todos os alunos que têm direito a esta bolsa". Fica por responder a questão fundamental, que o DN voltou a colocar às Finanças: porque há neste ano um corte de 50% na primeira tranche a ser entregue aos alunos?
As bolsas de mérito representam um investimento de mais de 19 milhões de euros em 2018/2019 e chegam a cerca de 18 mil alunos
As bolsas de mérito representam um investimento de mais de 19 milhões de euros em 2018-2019 e chegam a cerca de 18 mil alunos. O número de alunos tem vindo a aumentar e o valor unitário tem também aumentado (está vinculado ao valor do indexante dos apoios sociais). Só em duas escolas contactadas pelo DN são abrangidos cerca de 60 alunos. No início deste ano, no despacho de pagamento das bolsas do ano letivo anterior, o próprio governo reconheceu que esta medida é importante, tendo "em vista garantir a equidade do sistema educativo, a discriminação positiva e a solidariedade social, e com o objetivo de prevenir a exclusão social, o abandono escolar e promover a redução dos índices de insucesso escolar".
Diretores falam em cativações
"Engenharia financeira" e "cativações" são as palavras usadas pelo autor do blogue Assistente Técnico, que publicou a mensagem da DGEstE enviada às escolas, críticas partilhadas pelos diretores escolares. "Diria que é isso mesmo, estão a cativar valores no final do ano que eram para famílias mais carenciadas", sublinha Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.
"É um apoio importante para estas famílias, porque, destes bons alunos, a maioria passa verdadeiras necessidades. Isto não é prática normal, é nitidamente gestão financeira nesta altura do ano", acrescenta Nuno Gomes. O governo não respondeu ao DN em relação a estas críticas, nem à questão de saber se a ordem enviada às escolas partiu apenas da DGEstE ou se é responsabilidade do ministério de Mário Centeno.
"Isto não é prática normal, é nitidamente gestão financeira nesta altura do ano"
Um outro diretor, que pediu anonimato, reconhece que, "mesmo não querendo ser demagógico, de facto isto parece uma cativação e é dinheiro que naturalmente daria muito jeito as estas famílias nesta altura". Mas, pelo que os serviços de ação social explicam, mesmo a verba com cortes dificilmente será entregue aos alunos antes do Natal. Isto porque, apesar de o dinheiro já ter sido desbloqueado pela Educação, as escolas ainda têm de a comunicar às Finanças para depois pedirem que seja novamente disponibilizada. Isto, a juntar ao facto de algumas escolas terem detetado incongruências nas verbas transferidas e terem pedido à DGEstE que retifique o processo, deve atrasar o pagamento para o final de dezembro.
Só podem candidatar-se às bolsas de mérito os alunos que sejam abrangidos pelos apoios económicos da Ação Social Escolar e que tenham obtido no ano letivo anterior classificação igual ou superior ao nível 4, para os alunos que passaram do 9.º para o 10º ano, e classificação igual ou superior a 14 valores, para os alunos dos 10.º e 11.º anos e cursos profissionais. Os pedidos têm de ser apresentados até ao final de setembro de cada ano letivo e as bolsas só são entregues aos alunos que se candidatam. A bolsa é, segundo as regras, entregue em três prestações: 40% no 1.º período, 30% no 2.º período de aulas e mais 30% no 3.º.
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