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O vendedor mora na zona velha do Barreiro
O caso de um vendedor ambulante com 36 anos e pai de três filhos, remetido para a cadeia por insistir em conduzir sem carta, está a suscitar críticas: podia estar a cumprir a pena de curta duração a que foi condenado em prisão domiciliária, mas como não possui electricidade legalizada na habitação, requisito essencial para a aplicação da pulseira electrónica, é obrigado a passar os fins-de-semana no estabelecimento prisional do Montijo.
O caso chocou uma das juristas que esteve na génese da lei que permite que sejam cumpridas em casa as penas de prisão inferiores a dois anos, Maria João Antunes. “O desejável é que nessas situações sejam criadas condições pelos serviços que permitam a execução da pena de prisão na habitação, o que implica colocar electricidade na casa do senhor.
Este caso confronta-nos com as obrigações do Estado de direito social. O sistema tem de evoluir”, defendeu na passada quarta-feira a professora da Faculdade de Direito de Coimbra, durante um encontro dedicado ao balanço de um ano de aplicação deste novo regime legal.
Foi no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, e o director desta escola de formação de magistrados secundou esta antiga juíza do Tribunal Constitucional, ao observar que o Estado tem obrigação de criar condições para que todos os condenados em penas curtas possam usufruir da prisão domiciliária.
Viu-se sentenciado a sete meses de cadeia, que está a cumprir em regime de detenção não contínua, sempre ao fim-de-semana. Um regime que pretende evitar que os autores de delitos menores percam o emprego, mas que neste caso constitui uma penalização extra, por muitas das feiras que fazem os vendedores ambulantes se realizarem aos sábados e domingos.
O condutor sem carta nunca pediu para ficar preso em casa – regime que neste momento já permite aos condenados saírem para irem trabalhar. Mas quando recorreu da condenação, o Tribunal da Relação de Évora avaliou essa possibilidade. Para concluir, após ter pedido parecer à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, que, uma vez que o arguido não tinha a casa arrendada onde morava em seu nome, não conseguia arranjar um contrato de fornecimento de electricidade – razão pela qual a sua situação não se mostrava “compatível com as exigências técnicas da vigilância electrónica”. Restava-lhe a cadeia ao longo de 42 fins-de-semana – apesar de o próprio tribunal reconhecer a precariedade da situação económica deste agregado familiar, que recebe 450 euros mensais de rendimento social de inserção.
O penalista Paulo Saragoça da Matta não tem dúvidas: aplicar a lei desta forma fere a igualdade entre cidadãos prevista na Constituição, cabendo ao Estado criar condições estritamente necessárias para a aplicação da pulseira electrónica – nem que seja através da criação de um ponto de electricidade na habitação exclusivo para este equipamento. Caso contrário, “é como se se pedisse a um arguido condenado para construir a prisão em que vai ser encarcerado, por aquelas que já existem estarem sobrelotadas”.
“Casos como este são mais frequentes do que se pensa”, assinala o jurista. A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais diz não ter estatísticas sobre estas situações, que considera serem residuais. Quando surgem obstáculos deste tipo os serviços procuram encontrar “um espaço habitacional alternativo, recorrendo à família” do condenado ou a uma instituição social que possa assegurar uma resposta. Caso isso falhe, “tal facto é reportado ao tribunal que, se o entender, pode solicitar a intervenção das entidades socialmente competentes”.
“A lei é cega, e não respeita a dignidade de cada um”, observa por seu turno o padre Jardim Moreira, da Rede Europeia Anti-Pobreza. “A pessoa não pode ser penalizada duas vezes por não ter acesso a um bem fundamental do qual não devia ter sido excluída, a electricidade”.
O vendedor ambulante sugeriu entretanto cumprir a prisão domiciliária na casa do sogro, mas o tribunal de primeira instância recusou-se a reapreciar o assunto.
O seu advogado, Pedro Lameirinha, recorreu, estando à espera de uma decisão. Que pode nem vir a tempo, uma vez que o arguido já se encontra em reclusão todos os fins-de-semana há cerca de três meses.
O caso chocou uma das juristas que esteve na génese da lei que permite que sejam cumpridas em casa as penas de prisão inferiores a dois anos, Maria João Antunes. “O desejável é que nessas situações sejam criadas condições pelos serviços que permitam a execução da pena de prisão na habitação, o que implica colocar electricidade na casa do senhor.
Este caso confronta-nos com as obrigações do Estado de direito social. O sistema tem de evoluir”, defendeu na passada quarta-feira a professora da Faculdade de Direito de Coimbra, durante um encontro dedicado ao balanço de um ano de aplicação deste novo regime legal.
Foi no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, e o director desta escola de formação de magistrados secundou esta antiga juíza do Tribunal Constitucional, ao observar que o Estado tem obrigação de criar condições para que todos os condenados em penas curtas possam usufruir da prisão domiciliária.
Sete meses de cadeia
A morar neste momento numa casa arrendada na zona velha do Barreiro, o vendedor ambulante foi apanhado pela GNR ao volante de uma carrinha Ford Transit em Março do ano passado. Transportava uma criança, e infelizmente para ele, era a quinta vez no espaço de década e meia que se via a braços com a justiça devido à falta da carta de condução.Viu-se sentenciado a sete meses de cadeia, que está a cumprir em regime de detenção não contínua, sempre ao fim-de-semana. Um regime que pretende evitar que os autores de delitos menores percam o emprego, mas que neste caso constitui uma penalização extra, por muitas das feiras que fazem os vendedores ambulantes se realizarem aos sábados e domingos.
O condutor sem carta nunca pediu para ficar preso em casa – regime que neste momento já permite aos condenados saírem para irem trabalhar. Mas quando recorreu da condenação, o Tribunal da Relação de Évora avaliou essa possibilidade. Para concluir, após ter pedido parecer à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, que, uma vez que o arguido não tinha a casa arrendada onde morava em seu nome, não conseguia arranjar um contrato de fornecimento de electricidade – razão pela qual a sua situação não se mostrava “compatível com as exigências técnicas da vigilância electrónica”. Restava-lhe a cadeia ao longo de 42 fins-de-semana – apesar de o próprio tribunal reconhecer a precariedade da situação económica deste agregado familiar, que recebe 450 euros mensais de rendimento social de inserção.
O penalista Paulo Saragoça da Matta não tem dúvidas: aplicar a lei desta forma fere a igualdade entre cidadãos prevista na Constituição, cabendo ao Estado criar condições estritamente necessárias para a aplicação da pulseira electrónica – nem que seja através da criação de um ponto de electricidade na habitação exclusivo para este equipamento. Caso contrário, “é como se se pedisse a um arguido condenado para construir a prisão em que vai ser encarcerado, por aquelas que já existem estarem sobrelotadas”.
“Casos como este são mais frequentes do que se pensa”, assinala o jurista. A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais diz não ter estatísticas sobre estas situações, que considera serem residuais. Quando surgem obstáculos deste tipo os serviços procuram encontrar “um espaço habitacional alternativo, recorrendo à família” do condenado ou a uma instituição social que possa assegurar uma resposta. Caso isso falhe, “tal facto é reportado ao tribunal que, se o entender, pode solicitar a intervenção das entidades socialmente competentes”.
"A lei é cega"
Porém, não é isso que diz o juiz do Tribunal da Relação de Évora que confirmou a pena de cadeia aos fins-de-semana, João Latas. O desembargador assegura estar fora dos poderes do tribunal resolver um problema desta natureza – a não ser que a lei o previsse expressamente, o que não é o caso –, razão pela qual não lhe restava senão decretar a ida para a cadeia. O magistrado não se lembra de alguma vez ter tido um caso assim. “Há coisas que se nos apresentam como inultrapassáveis”, conclui.“A lei é cega, e não respeita a dignidade de cada um”, observa por seu turno o padre Jardim Moreira, da Rede Europeia Anti-Pobreza. “A pessoa não pode ser penalizada duas vezes por não ter acesso a um bem fundamental do qual não devia ter sido excluída, a electricidade”.
O vendedor ambulante sugeriu entretanto cumprir a prisão domiciliária na casa do sogro, mas o tribunal de primeira instância recusou-se a reapreciar o assunto.
O seu advogado, Pedro Lameirinha, recorreu, estando à espera de uma decisão. Que pode nem vir a tempo, uma vez que o arguido já se encontra em reclusão todos os fins-de-semana há cerca de três meses.
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