Não estaremos perante um caso de negligência grave do grupo Sapec, com a complacência das autoridades?
O incêndio num dos tanques de solventes de uma fábrica em Setúbal no dia 21 de março passado ocorreu um mês após o dos armazéns de enxofre. Apesar de se tratar de empresas separadas e vizinhas, fazem parte do mesmo grupo: Sapec.
Se o incêndio de fevereiro lançou para a atmosfera quantidades brutais de dióxido de enxofre durante vários dias sem interrupção e a nuvem se dirigiu sobretudo para norte, tendo-se registado valores anormais de tóxicos no ar até na cidade do Porto, desta vez, no incêndio do tanque de solventes a nuvem tóxica foi empurrada pelos ventos dominantes sobretudo para sudeste.
A atitude das autoridades é sempre a mesma: não há perigo, está tudo controlado. Chamam a isto “não criar pânico”.
No incêndio de fevereiro ficou-se a saber que não há estações de controlo de qualidade do ar nas imediações daquelas fábricas e daquela zona industrial a 7 Kms da cidade de Setúbal, onde se localizam outras fábricas que utilizam também produtos perigosos e que oficialmente representam risco de acidentes industriais graves. Por isso são sujeitas teoricamente a medidas mais rigorosas de controlo: a diretiva SEVESO da União Europeia, nome da pequena cidade italiana perto de Milão onde no século passado ocorreu um dos acidentes industriais mais graves na Europa, comparável ao de Bhopal, na Índia.
Do mesmo modo se verificou que nas povoações à volta desta zona industrial também não há qualquer dispositivo de medição da poluição.
Em fevereiro assistimos à atitude patética da Sapec, com a cumplicidade das autoridades. Começaram por “garantir” , nos primeiros dias, que aquelas toneladas de dióxido de enxofre não representavam qualquer perigo para a população, para a seguir, sem qualquer explicação, mandarem encerrar escolas e lares de terceira idade. A estação mais próxima da zona industrial, situada no centro da cidade de Setúbal registava valores de poluentes centenas de vezes superiores aos normais.
O que esta sucessão de incêndios graves, em depósitos de produtos tóxicos e explosivos, em fábricas assumidamente perigosas, vem demonstrar é que não podemos ficar à espera do próximo incêndio e esperar pela sorte.
Gaba-se a Sapec e as autoridades de que se conseguiu evitar em ambos os casos o alastramento dos incêndios à totalidade dos armazéns e dos depósitos! E que também conseguiram evitar o alastramento a outras zonas das fábricas e , claro, a explosão das fábricas e o chamado efeito dominó: triste consolação!
Continuamos sem saber o que provocou o incêndio de fevereiro, o que falhou, que correções ou alterações devem ser feitas, e já apanhámos com o segundo incêndio. Agora também começaram por dizer que não havia problemas para a saúde: logo veio a saber-se que as tais autoridades mandaram avisar as populações de Alcácer do Sal e Grândola: e concluímos que afinal o aviso não foi comunicado às populações. Tudo ridículo e revoltante.
Perante o comportamento da Sapec face aos incêndios sucessivos só posso colocar uma dúvida: não estaremos perante um caso de negligência grave do grupo Sapec, com a complacência das autoridades? Não há estações de controlo da qualidade do ar junto das fábricas porquê? Porque os donos não querem? Com que direito?
A questão de fundo terá também que ser confrontada: que fazer para acabar com estas fábricas, potenciais bombas tóxicas que tantos males já causaram ao ambiente e a várias gerações? A sua reconversão e a garantia dos postos de trabalho, a substituição de substâncias tóxicas por alternativas mais seguras, a própria alternativa a adubos químicos e pesticidas merecem ser debatidas publicamente.
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