Jornal «Avante!» - Argumentos - Offshores, democracia
e capitalismo
- Miguel Tiago
Enquanto sujeitava os trabalhadores portugueses a uma política de empobrecimento e de aumento da exploração, o governo PSD/CDS tratava das benesses dos grandes grupos económicos. A opção e compromisso de classe com a grande burguesia nunca foi sequer iludida e esteve sempre presente nas medidas que PSD e CDS tomaram para fazer pender a balança do rendimento nacional para o lado do capital em detrimento do trabalho.
Enquanto aumentavam impostos sobre o trabalho e diminuíam sobre os lucros e enquanto esbulhavam até à última migalha os bolsos, poupanças e rendimentos dos trabalhadores e pensionistas, esmagavam os serviços públicos, entregavam todo o sector empresarial do Estado a grandes grupos económicos. As opções foram sempre muito evidentes e perpassam todos os orçamentos do Estado aprovados pela maioria PSD/CDS. As últimas notícias sobre o não tratamento de um conjunto de transferências financeiras para contas sedeadas em offshore apenas acrescentam ao negro rol de opções contra o interesse nacional que o governo PSD/CDS protagonizou.
Assim, com recentes notícias ficámos a saber que, entre 2010 e 2015, quase 29 mil milhões de euros foram transferidos para contas em offshore, 10 mil milhões dos quais sem escrutínio fiscal nos termos da lei. Isso demonstra bem que estes grandes grupos económicos e os senhores do dinheiro que orbitam em seu torno – mais ou menos na sombra – não têm qualquer pejo em pegar no dinheiro que conseguem fazer em Portugal e pô-lo daqui para fora na primeira oportunidade que têm de pagar menos impostos (ou impostos nenhuns).
A questão coloca-se, claro, nos dois planos: na vertente mais sistémica que revela o comportamento do grande capital perante os sistemas fiscais e que, no fito constante de escapar às suas responsabilidades fiscais, utiliza a necessária arquitectura, fazendo circular o capital até se tornar inescrutinável, num processo de fuga aos impostos muitas vezes acompanhada de branqueamento de capitais; na vertente pontual que agora se revela com a não identificação de um conjunto de transferências (20 operações de cerca de 500 milhões de euros, cada uma), apesar de terem sido comunicadas à Autoridade Tributária pelo Banco de Portugal e apesar de os serviços as terem submetido ao secretário de Estado em funções, Paulo Núncio, indicado pelo CDS a integrar o governo.
Nos dados referentes ao período de 2010 a 2015 há uma importante actualização de valores – que identifica 10 mil milhões a mais do que até aqui contabilizados para efeitos fiscais – correspondente a um conjunto de operações que se terá realizado no ano de 2014 e que passaram completamente ao lado dos serviços tributários e, como tal, terão passado intocáveis ao crivo das finanças, podendo ter deixado impostos por liquidar em valor desconhecido. O mesmo governo que entrava pela vida das pessoas adentro para verificar se tinham passado factura da bica é o que deixou passar 10 mil milhões de euros (qualquer coisa como seis por cento do PIB de 2014) sem o escrutínio previsto na lei.
A inacção fiscal deliberada é expressão do desdém pela vida das pessoas e de uma vassalagem indisfarçável aos grandes grupos capitalistas e monopolistas e seus senhores. Particularmente num momento em que o BES colapsava e era necessário garantir o controlo sobre as transferências que podiam ainda lesar o banco e onerar ainda mais o Estado, é gritante a forma como o governo deixou passar estas transferências. Nenhuma demissão dos cargos partidários de Paulo Núncio, nem nenhum elogio de Assunção Cristas apagará o crime cometido contra o País. E estará certamente por provar se naqueles 10 mil milhões não partiu uma boa parte do que os grandes accionistas do GES podiam ter utilizado para pagar o buraco que abriram no BES.
As medidas necessárias
e a superação revolucionária
e a superação revolucionária
O PCP tem vindo desde há muito a denunciar as práticas de branqueamento de capitais associado a origens criminosas do rendimento, de fuga fiscal e financiamento ao terrorismo que estão associadas à utilização de contas sedeadas em paraísos fiscais ou territórios não cooperantes. Ao mesmo tempo que estas práticas se constituem como zona livre de supervisão e regulação bancária e financeira, a utilização deste tipo de operações fragiliza qualquer sistema fiscal. O offshore é, portanto, um ângulo morto do escrutínio e da própria democracia, na medida em que faz escapar aos estados recursos que são obtidos através da exploração das suas riquezas e do trabalho das suas populações. A utilização deoffshores é uma constante em todas as fraudes bancárias, desde o BPN ao Banif, passando pelo BES, para onde foram detectados fluxos financeiros de milhares de milhões de euros que lesaram os bancos e os portugueses.
O PCP não concede na campanha que as instituições do capitalismo – entre as quais a União Europeia – vão alimentando em torno da introdução de normas de supervisão e regulação e de desencorajamento à utilização de paraísos fiscais e territórios não cooperantes como se estas fossem deficiências do sistema capitalista. Pelo contrário, o PCP reafirma que estes métodos e estes territórios fiscais decorrem da natureza do próprio sistema capitalista e a permissividade política para com estas práticas resulta precisamente da captura das instituições políticas pelos interesses da classe dominante, ou seja, resulta do facto de a lei e o Estado serem instrumentos da classe dominante.
No entanto, apesar dessa denúncia constante por parte dos comunistas portugueses, parte integrante da nossa acção para a construção das condições para a superação revolucionária do capitalismo, não deixamos em momento algum de apresentar as medidas que consideramos necessárias para impedir a circulação de capitais por detrás de biombos que permitem aos grandes grupos económicos e aos milionários escapar ao escrutínio e aos impostos.
Mas o PCP não opta pela introdução de meras normas de «disciplina» ou «transparência» nas transferências paraoffshores, como até aqui têm feito os sucessivos governos, mas antes pela proibição de transacções com entidades sedeadas em territórios não cooperantes e pela consideração, para efeitos fiscais, de todos os lucros obtidos em Portugal, independentemente da sede fiscal da empresa. A simples rejeição destas medidas demonstra bem com quem estão comprometidos aqueles que, em Portugal, as rejeitam: PS, PSD e CDS.
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