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sexta-feira, 3 de março de 2017

ÀFRICA ANTIGA


A região da África Oriental, dos reinos da Núbia, Etiópia e posteriormente Burundi e Uganda, sofreram grande influência religiosa em seu processo de organização cultural e espacial. Conflitos religiosos entre mulçumanos e cristãos foram decisivos para a nova organização desses reinos, a exemplo do Antigo Egito, que teve que se consolidar como Estado mulçumano entre duas potências cristãs – Bizâncio e Dongola. O resultado desses conflitos foi à conquista de Dongola em 1323 pelos mulçumanos, e a tomada gradativa do controle da Núbia em 1504, o que daria um golpe de misericórdia nos reinos cristãos da região.
Nos casos da Núbia e da Etiópia, além dos conflitos religiosos existentes, o comércio principalmente com o Egito, foi outra atividade que influenciou diretamente, servindo como estímulo para a criação destes Estados. Esta atividade comercial se dava por rotas que cortavam o deserto do Saara, em caravanas puxadas por cavalos, dificultando o percurso e prejudicando conseqüentemente a atividade comercial, uma vez que o camelo domesticado só foi introduzido no Norte africano no século II da era cristã. Só a partir do domínio mulçumano na região é que as atividades comerciais expandiram-se mais para o sul do continente.Portanto, os conflitos religiosos entre mulçumanos e cristãos, além das atividades comerciais exercidas entre esses povos, foram decisivos para a organização espacial dos territórios da África Oriental, fatos que produzem reflexos atuais na cultura e na religiosidade dos Estados africanos atuais.

MAPA





Religião Africana


1ª. Parte - África Antiga: filosofia e religião

Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre Religião e outras esferas da Cultura existente no Ocidente, e na Modernidade, não faz parte da natureza da Humanidade. E, como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos culturais muito antigos, reciclando valores arraigados pela Tradição, caracterizando-se por uma maneira de produzir bens espirituais e materiais de acordo com sua história e com o meio ambiente onde se formaram.

Para compreendermos os sistemas de pensamento e de crenças das sociedades africanas, devemos ter sempre em mente a dinâmica tradição-modernidade, e, como fizemos com respeito à arte, relativizar o que pertenceu ao passado e o que, e sob que forma, permanece no presente.

Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma de conceber o mundo, de explicar suas origens e de formular o que lhes convêm, conforme mostram os mitos e lendas, bem como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes ou durante a situação colonial. Isso demonstra a grande diversidade cultural no continente, correspondente à diversidade de formas e estilos na arte tradicional.

Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um aspecto que dá unidade aos povos da África tradicional: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é filho, neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência é a perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte está concretamente ligada à de vida : morrer significa não procriar. Sem filhos, a linhagem familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais principalmente. A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que implica em tempo e espaço ou lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo tempo, sendo impossível separar o que é concreto e espiritual, ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses povos.

Nesse contexto, o exercício da existência volta-se para questões que vão além do poder econômico, o que não exclui a preocupação social e individual com o status (disputado e atribuído a indivíduos de prestígio como sábios e dirigentes), já que ele é uma das chaves para que o grupo tenha uma estrutura para permanecer unido e forte visando ao advento de futuras gerações.

Daí, a profusão de imagens antropomórficas esculpidas a que se chama de "ancestrais", já que normalmente, mas nem sempre como se divulga através de publicações, eram relacionadas, e usadas, no culto de antepassados. Os chamados "fetiches", aí colocados em oposição aos "ancestrais", são objetos, esculpidos ou não, constituídos de vários materiais agregados. O conceito de fetiche é discutível, pois, significando "coisa feita", é relacionado sempre à magia e a feitiçaria num sentido distorcido.

Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são também classificadas estatuetas dos Bateke (FIG 8, acima) - simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e mineral, aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos, baseada em seu conhecimento sobre as forças da Natureza (muitas vezes relacionados à cura medicinal) e do Cosmo. Isso explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches", em contrapartida, tinham relações diretas com o culto de antepassados, fundado na idéia de acúmulo de forças através de gerações sucessivas e da apropriação do território.

Outras duas características nos sistemas filosófico e de crenças das sociedades africanas tradicionais é a consciência de periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o descendente vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de que o passado está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente.


2ª. Parte - África Antiga: arte africana

Arte africana 



As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos desenvolvidos ao longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos, modelados, pintados, trançados ou tecidos, os objetos da África nos mostram a diversidade de técnicas artísticas que eram usadas nesse continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos criados pelos povos africanos.

Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada estilo ou grupo de estilos corresponde a um produtor (sociedade, ateliê, artista) e localidade (região, reino, aldeia). Mesmo assim, devemos lembrar que os grupos sociais não podem ser considerados no seu isolamento, e, portanto, é natural que a estética de cada sociedade africana compreenda elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma parte da manifestação estética a que pertence, constituída por um conjunto de atitudes (gestos, palavras), danças e músicas. Isso pode determinar as diferenças entre a arte de um grupo e de outro, tendo-se em vista também o lugar e a época ou período em que o objeto estético-artístico era visto ou usado, de acordo com a sua função.

Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada estátua, cada máscara, tinha uma função estabelecida, e não eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser lembrada: a arte africana é um termo criado por estrangeiros na interpretação da cultura material estética dos povos africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África contemporânea que se integram, como as nossas, brasileiras e atuais, no circuito internacional das exposições.

Se hoje ainda há uma produção similar aos objetos tradicionais, ela deve-se no maior das vezes às demandas de um mercado turístico, motivado pela curiosidade e exotismo.

Com referência aos objetos muito semelhantes aos tradicionais ainda em uso em rituais religiosos ou festas populares há, assim como no Brasil, na África atual, uma cultura material, que, apesar de sua qualidade estética, é considerada, também pelos africanos de hoje, "religiosa" ou "popular" nos moldes ocidentais, onde o antigo e moderno são historicamente discerníveis. Isso não quer dizer, no entanto, que, através de conteúdos e símbolos, a arte africana atual não esteja impregnada do tradicional, ainda que se manifestando em novas formas. Ao contrário, as especificidades da estética tradicional africana é visível também, nos dias atuais, nas produções artísticas dos países de fora da África, principalmente daqueles, como o Brasil, cuja população e cultura foram formadas por grandes contingentes africanos.

Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas um Ser Humano integral, que tem uma parte física e espiritual - do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado sagrado, ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou uma estátua concentram forças inerentes do próprio material de que são constituídas, ou que comportam em seu interior ou superfície, além de sua própria força estética. Elas não têm, portanto, uma função meramente formal.

Ainda assim, podemos observar que algumas produções são mais realistas ou mais geométricas. O realismo ocorre com frequência nas estátuas, talvez por seu caráter representativo (de uma figura humana, da imagem onírica de um antepassado), enquanto que o geometrismo aparece muito nas máscaras, principalmente naquelas que representam espíritos e seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas existente no plano consciente e inconsciente). Mesmo assim, nada disso permite dizer ou não é isso que determina haver uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou um estilo e outro.


2ª. Parte - África Antiga: cultura e história

Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre Homem e Natureza.

De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da sobrevivência material, mas também espiritual, intelectual e artística, o que ficou à margem da compreensão nas bases do pensamento ocidental, como se a reflexão entre Homem e Cultura fosse seu atributo exclusivo, e como se Natureza e Cultura fossem fatores antagônicos.

E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse também os povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos estariam num estágio cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural, mas econômica também, os europeus estavam em busca de suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa distorção.

A degeneração da imagem das sociedades africanas, de suas ciências, e de seus produtos é resultado do projeto do Capitalismo, que difundiu a idéia de que o continente africano é tórrido e cheio de tribos perdidas na História e na Civilização. É resultado também do etnocentrismo das ciências européias do século XIX. É necessário, pois, ver de que História e de que Civilização se trata. E do ponto de vista histórico-econômico, o imperialismo colonial na África é meio e produto do Capital, uma das grandes invenções que vem desde a era dos Descobrimentos reforçada ainda mais pela consolidação do Liberalismo.

Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a Idade Média européia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de modelo monárquico ou imperial. Outros estados centralizados marcam relações de longa data com o exterior, como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é importante relativizar o peso conferido ao continente africano enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é o caso das Américas. Em ambos os casos, a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a européia.

Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora" européia era para tirar suas elites da emergência de sua própria falência econômica: os europeus precisavam se apropriar de novas terras e mercados para alcançar hegemonia. E fizeram isso na perspectiva da exploração, sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre (como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o Mediterrâneo antigo.

Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território africano vem do século VII, enquanto os primeiros contatos dos europeus com os africanos foram estabelecidos a partir do século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do lado ocidental, e chefias bem estruturadas, do lado africano, resultando, em alguns casos, e durante alguns séculos, num comércio ativo, dada a força de grandes estados tradicionais na África, num clima muito diferente da situação colonial que sobreveio apenas no fim do século passado. Essa exploração teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um dos fundamentos da Antropologia, cujo desenvolvimento, através de várias teorias sobre as relações do Homem com a Natureza e a Cultura, permite-nos perceber as diferenças como características e valores fundamentais para a permanência e dinâmica da Humanidade.

É através dela que se permitiu reconhecer que os estados tradicionais africanos não foram apenas instrumentos de governo eficazes e agentes da história, mas estimularam a produção de grandes patrimônios materiais.É o caso das artes de Ifé e Benin, bem como das artes luba e kuba.

FIGURA 1:Figura de rei, arte de Benin, Nigéria, acervo MAE-USP

FIGURA 2: Estatueta do tipo chamada "de ancestral", arte luba-hemba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP


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