A janela abria para a frente, para fora, para o ar lavado da montanha.
Quem dormisse naquele quarto, ao saltar da cama, de manhã, abria a janela de dois batentes como se estivesse a respirar fundo. Enchia os pulmões de ar e os olhos de claridade. Era o primeiro exercício de ginástica.
Podia ficar por aqui, de cotovelos sobre o parapeito, a apreciar a paisagem. Ou podia voltar para dentro, com um pequeno arrepio de prazer.
A janela, que abria para fora, até nem se importava que voltassem a fechá-la. Tinha cumprido a sua missão. Dera, de longe, um primeiro abraço à montanha. Não pedia mais.
Eram muito amigas a montanha e a janela. Não podiam passar uma sem a outra. A janela emoldurava a montanha, por sinal que o seu lado mais fotogénico. A montanha sentia-se protegida por aquela janela prazenteira, sorridente, aberta de par em par.
Mas aconteceu que a estalagem, a que pertencia a janela, fechou. De vez. Falta de clientes, cansaço do dono ou fosse do que fosse, fechou. Portas e janelas trancadas.
A montanha olhava para a janela e sentia saudades. Cá em baixo, no vale, ouviam-na suspirar e diziam:
— É o vento da montanha.
Mas não era. Até a paisagem entristecia.
Da janela e do seu sentir não podemos saber. Pois se estava fechada. Só aberta, toda aberta de alegria é que ela era uma verdadeira janela.
A montanha convocou os ventos para que eles abrissem a sua janela, sem a qual nem as manhãs de orvalho apeteciam nem as tardes rubras do pôr-do-sol nem as noites alucinadas pela Lua Cheia.
— Para quê, para quê, se não tenho a minha janela a ver-me? — murmurava a montanha, inconsolável.
Mas os vendavais da montanha por mais esforços que fizessem, por mais empurrões que dessem não conseguiam abrir a janela. Impossível. Ela só abria para fora.
Desistiram. Não desistiu a montanha, que chorou, noites e noites a fio, a perda da sua janela.
Depois da época das chuvas, voltou o bom tempo. Romperam os malmequeres, no jardim abandonado da estalagem. A montanha cobriu-se de veludo roxo, que era uma maciça penugem de pétalas sobre o chão de urze. Começou a cheirar a rosmaninho.
— Parece que vão reabrir a estalagem, com nova gerência — contava-se, no vale.
E assim aconteceu. Quando a janela abriu as suas duas portadas, a abarcar a montanha, fez-se um grande silêncio.
— Olá, montanha — disse a janela.
— Olá, janela — disse a montanha.
Como se ainda ontem se tivessem visto… Mas ficaram que tempos, que tempos, a olhar uma para a outra.
António Torrado
O coração das coisas
Porto, Edições Asa, 2004
lusibero.blogspot.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário