Um ministro escutado a combinar com um alto magistrado formas de atacar "inimigos políticos" fabricando investigações judiciais e orquestrando "fugas" para os media. Escutas cuja origem não é revelada, feitas no gabinete do ministro, publicadas nos media quase dois anos depois de efetuadas e a quatro dias das eleições. Foi mesmo aqui ao lado, em Espanha. Mas calhou na semana passada, a do referendo britânico e do Euro, ninguém cá deu muita importância. Aliás, nem lá: o ministro em causa, Fernández Díaz (do Interior), continua em funções no governo de gestão e o seu partido, o PP, foi o mais votado no domingo, acrescentando 573 mil votos e 14 deputados aos de há seis meses.
O único resultado, até ver, foi a demissão, na quarta-feira, do juiz, Daniel de Alfonso, diretor do gabinete antifraude da Catalunha, por voto maioritário no parlamento autonómico (que o tinha elegido para o cargo em 2011). Já Fernández Díaz disse nada ter feito de errado, alegando que as escutas publicadas, além de não admissíveis judicialmente, estão truncadas e que a sua publicação em primeira mão no diário Público, que associa ao PSOE, tanto tempo depois do facto (datam de outubro de 2014) não passou de uma tentativa "mafiosa" de influir no resultado das eleições. Rajoy, referido nas escutas com a frase "ele está a par disto", afirmou nunca ter sequer ouvido falar do gabinete antifraude catalão.
Da autoria das escutas, que o Público atribui ao magistrado (através do seu telefone), só se sabe que está a ser investigada: ontem mesmo o jornal entregou-as à Judiciária espanhola. Mas a trama tornou-se ainda mais surreal quando Alfonso negou a imputação ("Seria uma decisão suicida", diz) e asseverou ser o seu telefone monitorizado em permanência pela Policía Nacional "por razões de segurança", pelo que podia ter sido esta a acionar o gravador. Ou isso ou, aventou, teria sido alguém do ministério a colocar uma escuta no gabinete do ministro.
Aquilo que as escutas indiciam, a ser verdade (e não parece haver muitas dúvidas), é gravíssimo: uma conspiração entre o governo e o aparelho judicial para perseguir e destruir adversários políticos (no caso, líderes independentistas). Mas não menos grave é a existência das escutas, o facto de terem sido passadas aos media e publicadas na semana das eleições, naquilo que surge como uma espécie de ironia diabólica - tanto mais diabólica quando nem o ministro saiu nem o PP deixou de ganhar as eleição. E, cereja no topo, o magistrado demitido regressa calmamente, segundo o El País de ontem, ao seu posto de presidente da sétima secção da Audiência Provincial de Barcelona (correspondendo ao nosso Tribunal da Relação).
"Um dos maiores escândalos da democracia", clamou anteontem o presidente da Catalunha, Carles Puigdemont. Chiu: deixem a democracia dormir, que está ferrada. Magistrados mancomunados com media e partidos, investigações dirigidas politicamente, escutas ilegais e impunidade para isso tudo? Pe-fe. E novidades?
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