Carlos Matos Gomes
O golpe do 25 de novembro sem livro de livro de explicações nem reclamações
A propósito de uma imbrincada teia de justificações de Rodrigo Sousa e Castro a propósito da legitimidade do golpe do 25 de novembro de 1975. Ora, em minha opinião o golpe não necessitava de qualquer legitimidade, a não ser a da força de que dispunham os golpistas e, em minha opinião, não necessita hoje de qualquer bênção jurídica. As leis fazem-se e usam-se por receita.
Sobre o golpe do 25 de novembro de 1975 retenho uma imagem de ribatejano: um grupo de campinos reuniu-se a mando de um feitor e recolheu ao redil um novilho tresmalhado. É uma cena da lezíria.Não é necessário grande ciência jurídica nem política para o explicar. Entretanto diz Rodrigo Sousa e Castro no seu post, em resposta a um comentário:
“Todavia essa legitimidade revolucionária caducou um ano depois (do 25 de abril de 74), após a extraordinária expressão da vontade eleitoral do Povo Português que em massa acorreu às urnas (eleições para a Constituinte em 25 abril 75) e disse quem queria que redigisse a CRP (Constituição da República). A partir daí, tal como sempre defenderam os que estavam em maioria no CR (Conselho da Revolução) era a Constituinte que falava mais alto. E foi precisamente por esta questão que se deu a rotura entre militares e partidos políticos.” (que teve o seu ponto de fissura no golpe de 25 de novembro 75)
A história é o que foi e não adianta nada tentar reescrevê-la. Os vencedores do golpe de 25 de novembro de 1975 não necessitam de argumentos para o justificar, mas, juntamente com políticos e historiadores adeptos dessa solução para a situação política de Portugal nesse período, alguns sentem-se na obrigação de encontrar outros argumentos que não os da força e do interesse. Esses argumentos mais ou menos falaciosos, mas apelativos tanto quanto possível e farisaicos, assentam basicamente nos seguintes pontos:
- retorno à pureza do 25 de abril;
- defesa da democracia (embora em sentido nunca explicitado, mas que se presume ser politicamente demo-partidárias e liberais economicamente);
- respeito pelas alianças tradicionais e pela divisão do mundo entre as super-potencias da época;
- reposição da ordem pública e fim do caos;
- resistência a um hipotético golpe esquerdista e a uma ditadura comunista.
É este, em termos gerais, o discurso dos vencedores do 25 de novembro, tanto dos que comeram os figos: políticos, religiosos e aliados económicos do bloco central representados por Mário Soares; como daqueles a quem rebentou a boca, os militares do grupo dos nove, os ditos moderados.
Num post no FB, com a foto de um trio de militares devidamente fardados (V Lourenço, Eanes e J Neves), daqueles a quem afinal rebentou a boca por os figos que lhes deram serem os de sobra e estarem verdes, ou serem selvagens, onde faltam os principais protagonistas: Mário Soares, o embaixador americano FCarlucci e o chanceler alemão H.Schmidt, Rodrigo Sousa e Castro adianta um argumento que contraria não só a história, mas a lógica, o que, vindo de um homem reconhecidamente inteligente como ele é, diz bem da dificuldade em encontrar argumentos que façam sentido a propósito da “bondade” (em sentido lato) do golpe de 25 de novembro de 1975.
Diz RSC sobre as origens e a legitimação do 25 de novembro que a legitimidade revolucionária caducou um ano depois do golpe do 25 de abril de 74 e que após a extraordinária expressão da vontade eleitoral do Povo Português que em massa acorreu às urnas e disse quem queria que redigisse a CRP era a Constituinte que falava mais alto.
Esta a afirmação de Rodrigo Sousa e Castro é uma falácia.
Em 25 de abril de 74, em Lisboa um alargado grupo de militares realizaram um golpe de estado, derrubaram a ditadura do Estado Novo (mas não o regime colonial).
Em 26 de abril de 74, em Bissau, um grupo de militares derrubaram o regime colonial, ao reconhecerem por sua conta a independência da Guiné.
Faltava o pós-golpes. E é de dois pós-golpes que se trata e da legitimidade de quem exerceu o poder no tempo que vai de 25 de abril de 75 a 25 de novembro de 75. Nesse período a legitimidade não assenta nos resultados para a Assembleia Constituinte, ao contrário do que RSC afirma.
Para o pós-golpe de derrube do governo de Marcelo Caetano, o programa do MFA propunha a realização de eleições, dentro de um ano, para uma Assembleia Constituinte, da qual sairia uma Constituição e seria esta a definir os órgãos do futuro governo e a política ultramarina/colonial.
Parece óbvio, mas não para RSC, que até à entrada em vigor da futura constituição a legitimidade seria a dos “golpistas” que se tinham comprometido a transferir o poder para órgãos políticos legitimados por uma Constituição elaborada por uma Assembleia Constituinte, eleita por processos reconhecidamente democráticos e a consultar os povos das colónias sobre o futuro politico destas. A Assembleia Constituinte não tinha outra legitimidade que não a de elaborar uma Constituição.
Mário Soares promoveu interna e externamente, até à exaustão, para consumo de simples de espirito, e crentes no que lhes convém a mistificação do argumento de que a partir dos resultados das eleições para a Constituinte, a legitimidade política devia assentar nos resultados das eleições. Seguindo esse raciocínio, que Sousa e Castro repega, chegaríamos à situação em que os vencedores das eleições para a Constituinte passavam a deter o poder de elaborar a lei fundamental — eram poder legislativo –e, simultaneamente, detinham poder executivo! E Mário Soares era jurista!
Este raciocínio leva à conclusão de que, sendo assim, o Presidente da República (emergente do poder dos golpistas do 25 de abril de 74), o Conselho de Estado, depois o Conselho dos 20, por fim o Conselho da Revolução, mais todas as chefias militares e judiciais, todos os governos nomeados para as colónias antes e principalmente após as eleições para a Constituinte (25 de abril de 75) agiam por um poder delegado pela assembleia constituinte, que era, segundo a inovadora tese de Sousa e Castro, a fonte de legitimidade do poder e que legitimou o 25 de novembro de 75! Só a título de anedota repare-se que este argumento compromete a Assembleia Constituinte na nomeação do almirante Rosa Coutinho para Angola, tão execrado pelas forças maioritárias na dita Constituinte!
Segundo esta tese, sendo o resultado das eleições para a Constituinte, a 25 de abrill de 75, a fonte da legitimidade do 25 de novembro de 75, não se compreende que à sua revelia, mas por ação não contestada por ela os militares golpistas da Guiné e o governo provisório de Lisboa tenham reconhecido a independência do Estado da Guiné Bissau em Setembro de 75. Também sem intervenção da dita Constituinte legitimadora do golpe de 25 de novembro decorreram as negociações para as independências de todas as colónias! É de recordar que a última independência de uma colónia — logo a jóia da coroa, Angola — ocorreu a 11 de novembro de 75, isto é, antes do golpe de 25 de novembro, o que é incompreensível à luz da argumentação de Sousa e Castro, porque se a Constituinte legitima o golpe restaurador da democracia em Portugal, porque aceitaram os golpistas do 25 de novembro que esta não se pronunciasse sobre as independências das colónias? Porque aceitaram, segundo Sousa e Castro, a legitimidade dos resultados da Constituinte para o golpe militar em Lisboa e já não recorreram a essa legitimidade para o acto tão significativo como era o da independência de Angola?
Mais, assentando a legitimidade do 25 de novembro nos resultados para a Constituinte, porque se manteve em vigor o Pacto MFA-Partidos assinado a 11 de abril de 75após a realização das eleições (25 de abril de 75), ou, no mínimo porque não se pronunciou a Assembleia sobre ele?
Ainda segundo a tese de Sousa e Castro, de a Assembleia Constituinte constituir a fonte legitimária do golpe “democrático” do 25 de novembro menos se compreende que a Assembleia Legislativa saída das eleições de 25 de abril de 1976 tenha abdicado de parte significativa do seu poder e mantido um órgão que é um produto direto do golpe de 25 de abril de 74, o Conselho da Revolução.
Existe um princípio do tipo axiomático que afirma que quem pode o mais pode o menos. Rodrigo Sousa e Castro contesta-o. Na sua argumentação para legitimar o golpe do 25 de novembro 75 (que, repete-se, não necessita de outra legitimação do que a existência de força para alterar um estado de coisas e impor outro) Rodrigo Sousa e Castro considera que a Assembleia Constituinte, com os poderes que o programa dos golpistas do MFA lhe estabeleceram, serviu como fonte de legitimação do golpe do 25 de novembro, o tal que livrou o país da ditadura comunista e impôs a economia liberal, mas a Assembleia Legislativa saída das eleições de abrilde 76, de onde emergiu o constitucionalmente legitimado I Governo Constitucional já não servia para exercer plenamente o poder e necessitava da muleta do Conselho da Revolução!
Parece óbvio que Rodrigo Sousa e Castro tenta coser uma justificação bastante esfarrapada de ordem jurídica para o que foi um acto de imposição pela força de uma dada ordem. Como no rugby, não é necessário dar voltas à cabeça, nem às leis, para justificar uma placagem, ou uma rasteira.
Carlos Matos Gomes
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